Ser Negro no Brasil: Palmares de novo

Diosmar Filho(1), no Correio Nagô

Nossa caminhada tem sido por diálogos para que tenhamos condições de alcançar o racismo como determinante da vida ao Sul, alcançá-lo se coloca como caminho de saída ao aprisionamento e toda violência coletivamente nesse milênio. E sua negação tem dificultado os diálogos epistemológicos para entender o que é o Sul? Nos questionando se conhecemos o Sul?

As duas questões se colocam como desafios para todas as pessoas e sociedades que estão no Sul, já que o Sul é negado em sua própria formação política, cultural, econômica e social.

Diante das contradições socioespaciais, trago ao diálogo o saudoso poeta palmarino José Carlos Limeira, que alertou no poema Insônia, que é possível reconstruir o Ser negro, olhando o processo histórico, desde que estejamos olhando o Sul, ao escrever:

Por menos que conte a história, Não te esqueço meu povo, Se Palmares não vive mais, Faremos Palmares de novo(2).

A afirmação nos coloca diante de uma realidade de uma Nação negra de identidade quilombola, num espaço onde o Ser negará a realidade de invisível e se auto afirmará na luta.

Essa luta tem nos colocado nos caminhos e estradas para se fortalecer na coletividade por Palmares. E no 20 de novembro de Zumbi, estive com os amigos do Território Quilombola de Mulungu, no município de Boninal na Chapada Diamantina. Lá reencontrei o mestre e amigo quilombola Seu Jaime Cupertino, seus pensamentos tem me levado a compreender o que é pensar uma sociedade ao Sul, a partir do entendimento que a luta política negra não pode ser uma luta contra os negros e não-negros. Precisa ser uma luta contra tudo que se posicione na sociedade contra o maior o único partido do povo negro – A Terra e o Território Quilombola.

A ideia me fez buscar o professor Milton Santos em sua palestra nas celebrações dos dez anos da Revista Raça, que do lutar de intelectual negro se encontra com as ideias de Seu Jaime, ao pensar o lugar da resistência à descolonização e mantenedor das condições de negação do Sul. O professor narra sua jornada para escrever um artigo de três páginas sobre ser negro no Brasil:

Eu tive a sorte de Ser negro em quatro continentes; em cada um desses lugares é diferente ser negro, e é diferente de Ser negro no Brasil. É evidente que a história de cada um de nós, tem a ver com a maneira com que reagimos como indivíduo. Mas, a maneira com que a sociedade se organiza é que dá as condições objetivas para que a situação possa ser tratada analiticamente, permitindo o conseguinte, um posterior tratamento político. Porque a política para ser eficaz depende de uma atividade acadêmica. Acadêmica! Eficaz!(3)       

Pensando nessas condições do Ser negro no Brasil e buscando diálogos sobre a realidade ao Sul, que apresento a Carta ao Dia da Consciência Negra de Seu Jaime Cupertino, para nossos diálogos epistemológicos na construção política de reconhecimento da Encruzilhada Humanística aos negros e não-negros no Sul.

***

Carta ao Dia da Consciência Negra

Parabéns a você que mora nesta ou em outra comunidade quilombola e se não mora, mas tem algum vínculo com o segmento negro e luta na defesa dos mesmos, no sentido de aumentar a autoestima dos quilombolas, fazendo parte dos movimentos cultural, educativo e social, respeitando a autonomia e decisões de como a comunidade queira solucionar os problemas que desencadeiam dentro e fora dela, parabéns também.

É necessário que a as comunidades façam suas articulações de acordo com seus conhecimentos e costumes, buscando políticas para o seu desenvolvimento social e coletivo, para o bem estar de todos. E é aí que as pessoas devem se manter unidas para serem fortes, a ponto de romper as barreiras que virão atormentar a vida do povo, não permitindo que os pacotes venham de cima para baixo, de forma que deixam os quilombolas em conflito dentro da própria comunidade, fazendo uma separação, ao ponto de ter duas associações estimuladas muitas vezes por pessoas que não querem ver o povo negro crescer unido.

Com isso, quem perde é o povo. Portanto, que todos sejam bem vindos se for para favorecer a vida do território quilombola com seus habitantes, criando ações de capacitação para jovens e adultos, homens e mulheres, gerando emprego e renda que os fixe em seus quilombos. Temos o dever sermos acolhedores, mas de exigir que nos respeitem em todas as dimensões e, principalmente no sentido da política partidária, deixando que os quilombolas façam seus representantes homens ou mulheres, para defendê-los em todas as instancias de poder: legislativo e executivos municipal, estadual e federal, pois as comunidades negras não tem tido consciência.

Se há um candidato negro na sua comunidade, aparece ali um candidato branco para tirar os votos do negro, mexendo na consciência do povo que ali mora e depois que passa a eleição, só serve para ficar esquecido no quilombo e os que saem do território vão para os centros das cidades grandes ou pequenas, para morar nas grandes favelas e falta de conhecimento obriga o negro a ir varrer ruas, limpar banheiro, ouvir piadas e falsos elogios.

Embora qualquer emprego dignifique a pessoa, depende de como ele é conseguido. As pessoas não devem se fazer de coitados e ficarem dependentes, principalmente de políticos para lhe darem coisinhas, que por trás vem a forma de escravizar, corromper e encabrestar o povo como animal.

Fique atento ao que acontece à sua volta. Isso é consciência que o povo precisa ter.

Bom dia!  20/11/2016 às 10:22 hs.

 Jaime Cupertino

Território Quilombola de Vazante

[1] Geógrafo, professor – Ativista do Movimento Negro. E-mail: [email protected]

[2] Fragmentos da poesia Insônia – do poeta e escritor José Carlos Limeira

[3] Transcrição da palestra do Professor Milton Santos, no vídeo publicado pela Revista Raça na homenagem proferida ao professor na celebração dos 10 Anos.

Sr. Jaime Cupertino, Território Quilombola de Vazante. Foto: Mauricio Reis.

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