A história mostra que Temer pode piorar a vida de quem trabalha – Entenda por quê

A história do Trabalhismo brasileiro e seus reflexos na conjuntura atual

Por Nilton Chagas, no Voyager

O Trabalhismo ainda é uma forte pauta dentro das lutas por direitos, mesmo em meio a fragilização ideológica e a descentralização das reivindicações da esquerda atual. Uns ainda o veem como a verdadeira saída progressista para a guinada popular, já outros o tratam como algo corroído pela história após a queda do sindicalismo petista e a ascensão das políticas neoliberais no país.

Mas, afinal, do que se trata o trabalhismo? Para compreender isso e a sua história no Brasil, deve-se remeter à Primeira Revolução Industrial inglesa, em meados do século XVIII, a qual trouxe a precarização do trabalho e dos meios de convivência na explosão dos grandes centros urbanos, onde os bairros operários careciam de qualquer infraestrutura comunitária.

Fábrica de algodão, em Lancaster – Durante a Revolução Industrial, as condições de trabalho eram desumanas, inclusive para as crianças.

Em meio à exploração da força operária nasce a ideologia trabalhista, formada por grupos de artesãos ingleses avessos às mudanças bruscas nas relações de trabalho. O trabalhismo estruturou e embasou o diálogo para a construção de diversas teorias, como o Anarquismo, Comunismo e até as sociais-democracias vigentes (teoricamente) na atualidade. No Brasil, a história do trabalhismo é similar, porém só vem ganhar peso ao fim da República Velha, em meados da década de 20.

Sem proteção legal em meio ao crescimento industrial brasileiro, os trabalhadores geralmente trabalhavam entre 10 e 14 horas por dia, incluindo sábados e domingos, sem direito a férias nem à aposentadoria. Contudo, a ascensão imigratória no início do século foi sumária para o fortalecimento da luta operária; segundo os historiador Boris Fausto, cerca de 51% dos trabalhadores industriais de São Paulo era de imigrantes espanhóis, portugueses e italianos, os quais traziam bagagem ideológica de movimentos anarcossindicalistas europeus, fazendo com que a luta se organizasse por meio de sindicatos, greves e congressos, além do crescimento das ideologias socialistas e anarquistas no país e a criação do Partido Comunista Brasileiro em 1922.

Leonel Brizola, Jango e Jânio Quadros ao centro.

A ascensão do trabalhismo populista

Todavia, a verdadeira guinada do Trabalhismo no Brasil acontece com a vinda de Getúlio Vargas ao poder. Em meio a crise da política do “café com leite” e da República Velha e suas oligarquias, operários, industriais e camadas médias urbanas se encontravam insatisfeitos com aquela política excludente. As lutas incansáveis do operariado por mais de 20 anos traziam poucas conquistas. Após a revolução de 1930 (ou golpe), Vargas ascende ao poder durante 15 anos, em períodos conturbados, envolvendo um governo provisório, uma eleição indireta e uma ditadura. Embora suas atitudes humanitárias, republicanas e democráticas sejam extremamente condenáveis, é inegável a importância dos avanços trabalhistas, sociais e econômicos trazidos pelo presidente e ditador.

A criação do Ministério do Trabalho, a Vale do Rio Doce, Petrobrás, a regulamentação sindical, a instituição da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) em 1943, esta que nasceu como uma necessidade popular e que rege até hoje, são todas conquistas proporcionadas durantes seu governo.

A Era Vargas ainda ecoa, em seus pontos positivos e negativos, e assim há de ser por muito mais tempo. Os próximos a seguirem o legado do trabalhismo são Leonel Brizola e João Goulart; o primeiro, antes filiado ao PTB e lançado na vida pública por Vargas, enquanto governador do Rio Grande do Sul, proporcionou a primeira reforma agrária da história do país, nacionalizou duas multinacionais, a ITT e a Bonde & Share, além de criar o primeiro banco estadual para fomentar o desenvolvimento industrial e agroexplorador. Após a Lei de anistia, Brizola funda o PDT e inicia uma nova caminhada trabalhista após a Ditadura. Por muitos considerado a figura mais sólida enquanto representante da ideologia trabalhista e, ao mesmo tempo, muito contestado pelas juventudes (inclusive petistas sindicais), morreu antes que seguisse seu destino natural de ser presidente do Brasil.

João Goulart ingressa na política em 1945 , convidado por Vargas (novamente ele) ao PTB e chega a ser nomeado Ministro do Trabalho de seu governo, em 1953. Vem ao poder como vice, após a queda de Jânio Quadros em meio a uma crise política e uma polarização semelhante a que vimos durante o processo de impeachment de Dilma; a UDN e o grande empresariado de um lado contra os movimentos sociais populares de outro. Apesar de todas as promessas de Jango, logo seu poder foi diminuído com a adoção do Parlamentarismo dentro de uma ilegalidade manobrada no congresso (qualquer semelhança com a atualidade não é mera coincidência); quando ele de fato assume com poderes plenos em um presidencialismo, apesar da crise, lança as reformas de base, a qual foi fortemente reprimida pelas elites, grande imprensa e pelos oposicionistas, que logo fomentaram o golpe civil-militar de 1964, encerrando mais um ciclo de poder do trabalhismo brasileiro.

No entanto, os movimentos sindicais e trabalhistas, apesar de conflitarem entre si, não se mantiveram inativos por muito tempo e apresentaram forte resistência durante o AI-5, principalmente na década de 1970, com a esteira de greves nas regiões industriais, como São Bernardo do Campo, o berço do petismo e da futura ascensão trabalhadora ao poder. O fortalecimento das lutas sociais se manteve após a Ditadura com as candidaturas municipais petistas; mas a tão esperada parceria entre Lula e Brizola (o clássico “Brizulla”) não acontece por divergências de poderio e Collor vence em 1989.

A resistência do Trabalhismo durante a hegemonia neoliberal

Com Lula eleito em 2002, o Brasil deixa uma era de governo PSDBista que cumpriu sua função de colocar em prática um estenso programa de privatização exigido pelo FMI, porém o PT das lutas sociais não se mostra o mesmo no poder. Sem dúvida obteve conquistas sociais importantes e possibilitou as condições básicas para o trabalhador brasileiro conseguir se reerguer com honra e esperança. Estes avanços possibilitaram que Lula se tornasse o presidente mais popular da história do Brasil, com mais de 80% de aprovação; mas o partido não enfrentou o capital internacional, utilizou de uma política de conciliação de classes que teve como desfecho o Brasil mergulhado num neoliberalismo extremo, desapareceu com o radicalismo sindical visto nas décadas anteriores e não mostrou a renovação necessária nos governos de Dilma Rousseff. Não por acaso logo surgiram os casos de corrupção e a debandada partidária de diversos integrantes importantes no passado.

O ciclo petista encerra-se em agosto de 2016 com o golpe parlamentar e a ideologia trabalhista se contorce para sobreviver em meio à hostilidade neoliberal do governo de Michel Temer. Em dezembro de 2016, este apresentou sua reforma e a flexibilização da CLT – que abrange um conjunto de 34 retificações – como projeto de lei, incluindo mudanças como até 12h diárias de trabalho, tempo mínimo de almoço de 30 minutos, revisão do salário mínimo, negociação de férias e 13°, etc. É um agrado sem tamanho aos grandes empresários e à classe média que sonha em ser patrão.

Não foi por acaso que FHC, em seu discurso de posse em 1994, disse que precisamos esquecer a Era Vargas; sabemos qual foi o intuito dessa frase. Afinal, o alinhamento neoliberal dos governos de Fernando Henrique e de Michel Temer não são muito distintos. Isso não é tão somente um atentado ao trabalhador brasileiro, mas também uma facada na história do trabalhismo e do próprio país.

O trabalhismo hoje e a sua importância histórica

Cresceu-se uma discussão criada em vias ideológicas dentro da própria esquerda sobre o populismo empregado dentro da ideologia trabalhista, a não-radicalização da luta e a coalizão realizada por seus líderes. Ora, de fato o trabalhismo brasileiro sempre veio travestido com extrema demagogia, desde Vargas à Lula, o que impediu o aprofundamento de pautas muito importantes na busca de uma sociedade do bem-estar social e no desenvolvimento do país como um todo. Afinal, o forte diálogo com as elites, bancários e com o imperialismo nos sufocaram e talvez justifiquem a guinada entreguista que os governos, desde JK, vêm dando. Porém, a representação histórica do trabalhismo é de irrefutável importância para a Esquerda, onde esta talvez tenha tido sua maior visibilidade nesses governos que sempre contrapuseram-se à supressão do brasileiro comum. Os marxistas mais fundamentalistas pouco reconhecem a ascensão da classe trabalhadora nesses períodos ao alegar a disposição desses governos às elites, mas deve lembrar-se que Marx se fundamentou no trabalhismo para a construção do seu Manifesto.

Sim, críticas profundas devem ser feitas e posicionamentos devem ser reavaliados, demagogias combatidas junto à hipocrisia desses líderes. Mas não se pode relevar o que foi proporcionado nem confundi-lo com puro populismo, ainda que não seja satisfatório aos almejadores de uma sociedade livre da exploração. Foi o mais próximo que chegamos de uma sociedade mais justa e isso deve ser valorizado como um aprendizado, estruturação e remodelagem das lutas populares.

Deve-se fazer uma autocrítica profunda dentro dos partidos e dos movimentos populares para a manutenção do verdadeiro enfrentamento e resistência ao imperialismo multinacional em nome das classes desfavorecidas e com o apoio dessas, que atualmente se encontra enfraquecido. A nova Esquerda, de viés academicista, tem a grande missão de aprender a dialogar com as classes trabalhadoras e as periferias e compreender que a verdadeira guinada progressista para a igualdade vem da convergência de ideias divergentes, a partir da dialética.

Referências

• PDT – HISTORIA E ORIGEM DO TRABALHISMO BRASILEIRO
• Jornalismo com Diploma e Algo Mais – O trabalhismo, Vargas e a CLT
• O Globo – Proposta de reforma trabalhista prevê negociação até de férias e 13º salário
• Livro: História – Sociedade e Cidadania Revista Sociologia, edição de número 64 (especial sobre o trabalhismo)

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