‘No va a pasar nada’: para cubanos, futuro do país não será diferente sem Fidel

Maioria das pessoas ouvidas por Opera Mundi aponta solidificação dos pilares da sociedade cubana e expectativa de que os valores deste modelo permaneçam como fatores para não acreditar em grandes mudanças após morte de Fidel Castro

Por Camilo Toscano, em Opera Mundi

“No va a pasar nada”. Essa é a resposta mais frequente de cubanas e cubanos em Havana ao serem questionados sobre o futuro do país depois da morte do ex-presidente e líder da Revolução Cubana, Fidel Castro, ocorrida em 25 de novembro. Essencialmente, porque a condução do país já estava sendo feita sem a participação efetiva de Fidel.

O “não vai mudar nada” resulta da solidificação dos pilares da sociedade cubana, a expectativa de que os valores deste modelo permaneçam, a desconfiança em relação a mudanças bruscas, a continuidade dos Castros no comando do país e até a eleição de Donald Trump para presidir os EUA.

Há quem receie eventuais mudanças, como Hector Yuni, 42 anos, que tem dois filhos. O arquiteto acredita que “se mudar, vai ser pra pior”. “Acho que as coisas não vão mudar, e é melhor que seja assim”, afirma.

Mas a maioria das pessoas ouvidas pela reportagem de Opera Mundi aponta a forma como as mudanças são conduzidas em Cuba como o principal fator para não acreditar em reviravoltas no país. A permanência de Raúl Castro, irmão de Fidel, na presidência é um dos argumentos de que Cuba seguirá sua trajetória atual.

Os que se dispõem a refletir sobre que mudanças seriam desejáveis sempre colocam a economia como área em que pode haver maiores transformações, ressalvando que isso não pode afetar as conquistas sociais em educação, saúde e segurança. E, na economia, esperam receber melhores salários — ou, para os que vivem do turismo, juntar mais dinheiro.

É o que pensa, por exemplo, Margarida Pentón, 49, comerciante. “As coisas vão continuar iguais. Com os Castro ou sem os Castro”, diz. “Raúl atuou com Fidel atrás dele, não fez nada sozinho. Depois de Raúl, virá outro que atuará com Raúl por trás. E assim se mantém a continuidade”, explica. “Os comerciantes melhoraram um pouco nos últimos anos, mas não ganhamos muito. Não posso comprar o quero, tenho que usar para a comida, usar com os filhos também.”

O avanço do turismo é o responsável por essa pequena melhora apontada pela comerciante, mas o problema está na relação entre as duas moedas — o CUC, para os turistas e quase equiparado ao dólar, e o CUP, os pesos cubanos, usados somente por quem vive na ilha e com valor cerca de quatro vezes menor.

Quem diz isso é o taxista Roberto Mastón. “Teria que juntar as moedas, porque o cubano ganha na mais barata e tem que usar a mais cara para comprar o que quer. Que outro país tem duas moedas?”, questiona.

Outro caminho imaginado é equiparar as cotações, dizem alguns dos entrevistados. Assim, com o peso cubano valendo mais, os produtos ficariam mais acessíveis aos moradores da ilha, dizem eles.

A possibilidade de um crescimento acelerado do turismo levar à criação de uma classe mais rica, gerando desigualdade e, depois, violência, é encarada como algo que já está acontecendo em uma escala menor. Mas a solução não é complexa, diz Mastón. “O dinheiro que quem trabalha com turismo ganha a mais o Estado recolhe e melhora os salários de médicos, por exemplo. É justo”, defende.

Relação com os EUA

Oscar Beltrán, 50, diz ter uma filha de 26 anos que vive nos EUA e que planeja um dia visitá-la. Mas os custos de vida locais são mais elevados do que em Cuba. “Há uma ilusão, maior entre os jovens, de que os EUA são a terra prometida. Minha filha está há anos lá e não consegue juntar dinheiro, tudo o que ganha para trabalhar usa para pagar o aluguel, o transporte e a comida. Acaba tendo uma vida igual a aqui. Assim, prefiro viver em Cuba”, afirma.

Para ele, a retomada das relações diplomáticas com os EUA pode trazer mais turistas a Cuba, fazendo com que a vida melhore um pouco. “Mas não vai mudar muito”, avalia. “Serão mais turistas, só de outro país”, completa.

A cineasta Cármen Mendez diverge. Para ela, há uma “catástrofe à vista” com a abertura para visitantes norte-americanos. “Cuba já foi o cassino dos EUA e eles querem que voltem a ser”, afirma. “A ideologia, a competição, o individualismo vai vir junto com o dinheiro que vai entrar dos turistas. Eles acharam o melhor jeito de entrar em Cuba.”

Já o jovem Yonathan Cardeso, 18, não vê a hora de poder viajar e voltar para os EUA. Ele quer conhecer Washington e Nova York, além de ter internet de fácil acesso, celular e roupas. “Sou cubano e não deixaria meu país para sempre. Mas quero morar alguns anos nos EUA”, diz. “Uns cinco anos”, responde ao ser perguntado.

Harry Piqué, 21, que trabalha na sorveteria estatal Copelia, diz que não espera muitas mudanças nas relações com os EUA após a eleição de Trump. “Ele já disse que não vai seguir o acordo. Mas temos que ter esperança e seguir adiante”, afirma.

A comerciante Pentón acha que os dois países são responsáveis pela relação historicamente ruim, porque ambos se agrediram mutuamente. E considera que o “pequeno passo” dado por Raúl Castro e Barack Obama está em risco com o novo presidente que assume em 2017. “Trump não sabe nada de política. Se soubesse, ajudaria Cuba. Obama fez acordos para deixar projetos prontos para, quem sabe, serem concretizados no futuro. Agora, quem sabe se vão acontecer com Trump?”, questiona.

Jovem cubano em Havana; expectativas na capital cubana são de poucas mudanças após morte de Fidel Castro. Foto: Agência EFE

 

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

sete + treze =