A paralisia coletiva e o efeito espectador: o caso Genovese e o caso Ruas

Por Nathalia Dammenhain Barutti, no Justificando

No dia 13 de março de 1964, por volta das 3 horas e 15 minutos da madrugada, a gerente de um bar Catherine Susan Genovese, de 28 anos, caminhava para casa no bairro do Queens, em Nova York, quando foi abordada por um homem que a agarrou e esfaqueou. Ela conseguiu gritar e espantar o agressor por alguns minutos e, mesmo ferida, tentou chegar em casa e, quase conseguiu. Mas o agressor a encontrou, a esfaqueou novamente, roubou seu dinheiro, a estuprou e só após tudo isso, finalmente, a deixou para morrer. Depois do seu agressor fugir, Catherine Genovese agonizou e implorou por socorro durante 33 minutos até que a polícia fosse chamada e, então, 2 minutos depois foi socorrida, mas acabou morrendo a caminho do hospital.

O crime descrito acima foi brutal, mas o que chocou não foi a violência do agressor, foi o fato de o ataque ter ocorrido em frente a diversos prédios residenciais e de que, depois, durante as investigações e depoimentos, ter ficado comprovado que, pelo menos, 38 pessoas presenciaram ou ouviram os gritos de Catherine e nenhuma delas chamou a polícia. Sim, 38 pessoas sabiam que alguém estava sofrendo alguma violência e nenhuma agiu para ajudá-la, foram necessários 33 minutos para que alguém, finalmente, ligasse para a emergência.

Uma das testemunhas resumiu a sua falta de ação com a seguinte frase: “Eu não queria me envolver”. O assassino foi preso, ficou mais de 50 anos preso e morreu na cadeia.

Mais de 50 anos depois do ocorrido com Catherine, no Brasil, em 25 de dezembro de 2016, em uma estação de metro de São Paulo, o vendedor ambulante Luiz Carlos Ruas foi brutalmente espancado por dois jovens, após defender uma travesti e um morador de rua ameaçados por eles. Dito isto, há dois pontos nesse caso de extrema importância:

O primeiro ponto é exatamente o fato de o ambulante ter sido agredido por interromper uma outra agressão, ele foi agredido, porque ao contrário do que a vasta maioria da população faz, ele não se omitiu; viu uma agressão injusta e interferiu. Porém o segundo ponto, que passou despercebido pelos veículos de comunicação que analisaram o ocorrido e pelo público que se chocou com tamanha violência, foi o fato de que todas as filmagens e fotos do incidente mostram que havia muitas pessoas ao redor do ambulante no momento da agressão, fica claro que a todo momento havia transeuntes no local e nenhum interferiu, todos se omitiram, todos optaram por não se envolver.

Neste viés, os primeiros a se omitirem foram os seguranças do metrô, aqueles funcionários do metro que acompanhavam as filmagens e nada fizerem de imediato, mas, também, os civis que não ajudaram e nem as próprias pessoas que haviam sido ajudadas pelo ambulante minutos antes, ninguém o ajudou. Após a prisão dos agressores, os mesmos foram reconhecidos por 14 testemunhas, ou seja, pode-se afirmar que, no mínimo, 14 pessoas comuns viram a agressão e nada fizeram para impedir que ela ocorresse.

O Efeito Espectador

O Efeito Espectador foi definido na década de 60 nos Estados Unidos após muita gente ouvir uma jovem agonizar e ninguém tentar ajudar, mas até hoje tal comportamento é comum em sociedade. Sempre existiram crimes brutais e suas diversas testemunhas, com pouca ou nenhuma intromissão, mas como em um episódio da série de televisão “Black Mirror”, na sociedade contemporânea a omissão se torna algo ainda mais cruel, pois vem seguida de diversas fotos, filmagens, relatos e indignações em redes sociais, mas nenhuma atitude para, de fato, impedir a agressão.

Tal comportamento omisso coloca em cheque as certezas que o homem médio prefere ter sobre os instintos humanos, afinal o maior instinto humano, ao contrário do que diria o filósofo e estudioso Jean Jacques Rousseau, não seja a bondade, mas sim a omissão, a segurança. Em grupo, as pessoas tendem a não agirem, a deixar para o outro fazer e com esse pensamento ninguém faz nada.

Quando o efeito espectador propicia que um crime ocorra, a situação fica mais complexa. Uma frase atribuída ao alemão Albert Einstein diz: “O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa daqueles que fazem o mal, mas sim por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer”, assim, se um criminoso pode ser definido como uma pessoa com problemas psicológicos, uma pessoa com desprezo pelas leis e pela moral, uma pessoa com desprezo pela vida humana e pelo ser humano, o que dizer daquele que assiste um crime ser cometido e nada faz para impedir? O que uma pessoa que assiste um crime brutal quieta é?

Nathalia Dammenhain Barutti, advogada, pós graduada em direito constitucional pela PUC-SP. 

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