Ex-moradores, vítimas de reintegração de posse violenta em 2012, só receberam novos imóveis há um mês e esperam justiça
Por Rute Pina, Brasil de Fato
Após cinco anos do despejo da comunidade de Pinheirinho, em São José dos Campos (SP), cerca de mil famílias ainda não receberam indenizações previstas por danos morais, materiais e as humilhações que sofreram durante a desocupação do terreno pela Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMSP).
No dia 22 de janeiro de 2012, o governo de Geraldo Alckmin (PMDB) despejou cerca de 1,6 mil famílias que ocupavam um terreno de 1,3 milhão de metros quadrados, conhecido como Pinheirinho. A operação foi marcada por cenas e imagens de truculência da PM, que mobilizou um efetivo de 2 mil agentes para despejar as famílias, que já ocupavam o terreno há oito anos. A execução da decisão judicial de reintegração de posse beneficiou a massa falida do grupo Selecta S/A, do investidor Naji Nahas.
O defensor público Jairo Salvador pontua que um número “irrisório” de famílias recebeu cerca de R$ 2 mil em um acordo com a empresa em 2013. A maioria dos ex-moradores, no entanto, aguarda um processo que corre em um ritmo que o advogado considera anormal. As mais de mil ações estão em fase de definição do juiz que ficará encarregado do julgamento.
“Claro que o volume também é muito grande e não dá para culpar exclusivamente o Judiciário pela demora, mas estes processos deveriam ter, até pela gravidade dos fatos, um andamento mais sério”, declarou o defensor.
Salvador afirma que, assim que o magistrado for definido, o processo deve caminhar mais rapidamente na Justiça. As ações terão um julgamento único. A Defensoria Pública também entrou na Justiça com ações coletivas que, segundo ele, foram abortadas precocemente por “pré-julgamento”.
Desde 2012, uma parte das ações permaneceram em São José dos Campos, mas algumas foram transferidas para a 18ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) no Fórum João Mendes. Para Valdir Martins, coordenador do MUST (Movimento Urbano dos Sem Teto) em Pinheirinho, a mudança para a vara de São Paulo também dificultaria a presença das famílias em julgamentos.
“Elas foram despejadas violentamente e todo o patrimônio que elas tinham foi destruído pelo governo do estado de São Paulo com a polícia. Geladeiras, casas, carros… Então nós achamos que elas teriam, no mínimo, que ser indenizadas, mesmo que hoje elas já tenham casas”, disse o coordenador.
Novo Bairro
A família da dona de casa e empregada doméstica Rose Aparecida, 47, aguarda o processo de indenização por danos materiais e morais. Ela se lembra do despejo, em 2012, como o dia “que simplesmente acabaram com nossos sonhos”.
“Sinceramente, na época, me senti derrotada. O que ocorreu ali não foi uma desocupação. Não tinha ninguém armado, nos pegaram de surpresa. Eles simplesmente foram para uma guerra, inclusive contra crianças”, lembra. Hoje, Rose está instalada em uma das casas de 46 m² no conjunto habitacional Pinheirinho dos Palmares, entregue no dia 22 de dezembro no bairro da Emha, sudoeste do município. “É fruto da nossa luta”, lembra ela.
Os moradores do novo bairro estão se adaptando à nova área, que já possui uma feira aos domingos. A distribuição das residências em lotes de 160 m² respeitou a organização da ocupação de 2013. “Colocamos as famílias nos mesmos setores. Então elas já se conhecem, os vizinhos são os mesmos. Dividimos o bairro do jeito que era antes para adaptação ser mais tranquila”, disse Valdir Martins.
Novas reivindicações
Segundo Martins, as residências entregues são boas, mas algumas apresentam problemas de infiltração e com a rede de esgoto. As crianças também aguardam a construção de creches e de uma escola. Provisoriamente, os alunos do 1º ao 9º ano do ensino fundamental terão aula em duas quadras de esportes, quando for retomado o ano letivo, em fevereiro. Já a creche funcionará em um espaço alugado.
Martins explica que a pauta da criação da escola e da creche é agora prioritária, mas os moradores devem se organizar em torno de reivindicações por transporte público, cultura e emprego.
“Viemos para um local bastante longe de onde o pessoal morava, a maioria das fábricas e indústrias de São José dos Campos estão localizadas na Zona Sul, onde antes era o bairro. É uma área bastante afastada, também não tem nenhum bairro rico perto, onde muitos moradores catavam [lixo para] reciclagem. Então as pessoas ficaram desprovidas disso”, disse.
Edição: José Eduardo Bernardes
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Imagem: Aproximadamente 1,6 mil famílias foram despejadas de terreno da massa falida do grupo Selecta S/A / Reprodução/CMI