Eike Batista e o Brasil que goza com a riqueza dos outros, por Leonardo Sakamoto

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Há seis anos, quando um brasileiro figurou entre os oito mais ricos do mundo, segundo a relação da revista Forbes, muita gente comemorou por aqui. Dois anos mais tarde, quando ele chegou ao sétimo lugar, transformou-se em exemplo a ser seguido e orgulho nacional nas redes sociais.

Não consigo entender a mania de sentir prazer com a fortuna alheia e, do alto do orgasmo de cifras, fechar os olhinhos para os impactos, a ética ou natureza dos negócios alheios.

Se ainda fosse a família do empresário, seu parceiro no tênis, seu poodle, acionistas de suas empresas, políticos que receberam doações de campanha, enfim, quem se beneficiava diretamente com isso, vá lá. Mas, por Deus-Nossa-Senhora-Jesus-Maria-José, que tipo de sentimento de transferência faz outra pessoa festejar o fato de um compatriota aparecer entre os mais endinheirados do planeta?

Há quem tenha ficado rico com informação privilegiada obtida em órgão público pela família. E há quem tenha ficado rico comprando empresas e demitindo trabalhadores. Ou superexplorando trabalhadores do setor de vestuário. Pode se discutir a legalidade ou moralidade de processos. Mas ter juntado, em algum momento da vida, bilhões não deveria tornar alguém um modelo a ser seguido. Pelo contrário, impérios de mineração que se transformam em pó em pouco tempo ou trabalho escravo encontrado na produção de roupas são exemplos de que dinheiro vistoso não significa sustentabilidade ou ética.

Cinco anos e uma derrocada depois, Eike Batista teve ordem de prisão decretada por corrupção como desdobramento da Operação Lava Jato e é considerado foragido internacional. E muitos dos que tiraram fotos ao seu lado, das mais diferentes colorações partidárias e ideológicas, tremem diante da possibilidade dele ser preso e dar com a língua nos dentes. Devem estar apagando as postagens em que aparecem como BFF do agora procurado nas redes sociais.

Mas vamos permanecer na questão do fascínio que a concentração de riqueza causa por aqui. Uma inversão de valores estranha, igual àquelas patologias de comemorar o brasileiro que tem o maior veleiro, a maior coleção de diamantes, a maior casa, enfim, gozar com o alheio.

Deveríamos comemorar, na verdade, a redução da miséria e da fome de forma consistente e não quando colocarmos mais bilionários em uma lista. Afinal de contas, a universalização do direito à dignidade deve ser objetivo comum da vida em sociedade.

Já geração de riqueza não vem acompanhada, necessariamente, de redução de desigualdade social e de garantia de oportunidades, ou seja, daquele quinhão básico de Justiça que todos deveriam ter o direito de acesso simplesmente por nascerem homens e mulheres iguais em dignidade. A gente continua fazendo o bolo crescer, mas não a dividi-lo na mesma velocidade.

Na última pesquisa sobre o tema do IBGE, de 2014, o Brasil contava com 7,2 milhões de pessoas sob grave insegurança alimentar. O número era de 11,2 milhões em 2009. Os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, e todo o pacote de ações públicas que vieram com eles, além da geração de empregos no período, merecem crédito. Mas esse processo ainda está lento demais e, claramente, não é consistente ou sustentável.

Até porque o problema da fome no Brasil não é de falta de algo e sim de distribuição. Há riqueza para todo mundo, a questão é distribuí-la. A taxação de lucros e dividendos de empresas, de grandes fortunas, de grandes heranças, uma alteração decente da tabela do Imposto de Renda (cobrando de quem tem e isentando a maior parte da classe média), a taxação de dividendos recebidos por pessoas físicas de empresas e a redução do teto da jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução de salário são ações no sentido de desconcentrar renda são exemplos de ações.

Neste ano, o patrimônio somado de oito bilionários é equivalente à riqueza conjunta dos 3,6 bilhões mais pobres do planeta, ou seja, metade do mundo, de acordo com estudo da Oxfam divulgado por ocasião do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Em 2010, eram 388 bilionários possuindo o mesmo que a metade mais pobre. A concentração foi aumentando ao longo dos anos até agora. E a tendência, segundo a organização, é piorar.

O trabalho está participando da divisão dos ganhos na mesma proporção que o capital?

Quanto desse concentração econômica não é feita de forma irresponsável, causando impactos em cima de populações que se tornam mais miseráveis?

O problema não é ter dinheiro, mas a imensa desigualdade de Justiça e de oportunidades. Como sempre digo, a vergonha não é alguém ter um apartamento de 400 metros quadrados enquanto outro mora em um de 40. O que desconcerta é uma sociedade que acha normal um ter condições para desfrutar de um apê de 4 mil metros quadrados enquanto o outro apanha da polícia para manter seu barraco em uma ocupação de terreno, seja em Itaquera, Grajaú, Osasco, Pinheirinho, Eldorados dos Carajás, onde for.

Há mais champanhe circulando por aí, mas a maioria segue não conseguindo comprar nem água com gás.

Garantir que todos tenham acesso às mesmas oportunidades e ao mesmo quinhão de Justiça. Para isso, nossa geração terá que ter a coragem de demolir estruturas arraigadas desde a fundação do país, que garantem que uns tenham muito e outros nada.

O que passa, inevitavelmente, pela dessacralização da concentração de riqueza. Isso é simbólico dos valores que queremos que guiem nossa vida comum e, portanto, estruturante de nós mesmos e fundamental para que tenhamos um futuro.

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