Criminalização de protestos no Brasil é tema de relatório da Artigo 19

Documento da ONG questiona ações das diferentes esferas políticas na repressão a manifestações populares

Mayara Paixão, Brasil de Fato

As violações ao direito de protesto que têm ocorrido no Brasil são tema do novo relatório da ONG Artigo 19, lançado nesta quinta-feira (9). Intitulado “Nas Ruas, nas Leis, nos Tribunais — violações ao direito de protestos no Brasil 2015-2016”, o documento traz o saldo do contexto brasileiro no período pós manifestações de 2013, avaliando o cenário de direito ao protesto no país.

Proposta central do relatório, o processo de criminalização dos manifestantes é analisado sob o viés das três esferas de poder: Executivo, Legislativo e Judiciário. Seu conteúdo constrói uma narrativa demonstrando as intersecções entre a repressão policial nas ruas e a série de medidas restritivas que vem sendo implementadas por outros agentes públicos para aprimorar as táticas de repressão e desincentivar o exercício de liberdade de manifestação.

Verniz jurídico

A advogada da Artigo 19 Camila Marques explica que, mesmo já sendo o processo de criminalização uma peça chave da ação do Estado, no segundo semestre de 2015 e o ano de 2016 — recorte temporal destacado no relatório —, houve uma sofisticação e recrudescimento nesses processos com a implementação de leis mais complexas, o tido “verniz jurídico”.

“Como conclusão geral, constatamos que houve uma mudança de postura na política pública do Estado em relação ao direito de protestos. A gente viu que existe uma série de ações coordenadas e estratégicas, no sentido de se limitar o direito de manifestação. Elas não são mais desconexas ou pontuais”, conta Marques. “O poder público, a partir de 2013, começou a considerar o tema de protestos como um tema prioritário, mas, infelizmente no sentido de cercear e restringir, limitar o direito de manifestação”, completa.

As táticas utilizadas pelos agentes do Estado vão desde a criminalização de práticas de tentativas de dano ao patrimônio público, até corrupção de menores, que ocorreu com frequência no movimento de ocupações dos secundaristas por todo o país. A incorporação de agentes infiltrados do Exército entre os manifestantes também é, como defende Marques, uma ferramenta de controle ideológico dos manifestantes.

Além do aprimoramento do sistema judiciário como um todo em seu modo de criminalização, a advogada explica que um agravante da situação é a constante prática do Executivo de chancelar essas medidas, ao invés de questioná-las. A exemplo disso, cita as constantes declarações públicas do Ministro de Justiça e Segurança Pública do governo Temer, Alexandre Moraes — recentemente indicado pelo presidente não eleito para ocupar a vaga no Supremo Tribunal Federal —  criminalizando os manifestantes.

Contraponto

No caminho contrário ao aprimoramento da repressão política orquestrada por setores do poder público brasileiro nas diferentes instâncias, a Artigo 19 compreende algumas ações como demanda urgente para garantir a plena liberdade de manifestação da sociedade civil.

“A gente precisa de um documento claro para poder exigir a legalidade e uniformidade da ação policial”. Um protocolo operacional padrão das ações policiais, explica Marques, é uma antiga demanda social e o primeiro ponto chave a ser conquistado. O objetivo é que, com um documento que traga claros critérios para a atuação dos policiais, o poder público e a sociedade civil tenham subsídios legais para julgar a ação policial. “Quando [a polícia] pode dispersar uma manifestação? Como pode? Quando pode usar bala de borracha? De que forma? Deve haver uma prestação de contas do policial que usa esse material?”, diz a advogada.

Essa também seria uma importante ação para que haja uniformidade na ação policial, destaca a advogada. “Outro problema é o da criminalização seletiva, já que algumas manifestações são reprimidas e outras não, dependendo de seu cunho ideológico”, explica.

Para além do protocolo, outras medidas chaves são a transparência nos dados referentes à atuação da polícia como, por exemplo, a garantia de acesso ao número de pessoas detidas em uma ação, o local para onde foram levadas, qual o tipo de armamento usado pelos policiais na respectiva ação e a atuação do Ministério Público. “É muito importante que ele [MP] exerça a sua função constitucional de controle das polícias”, defende Marques.

Para a construção dessas medidas, ela destaca a relevância da incorporação da participação popular em sua aprovação. “Devemos ter consciência de que a população deve e pode participar desses processos”, destaca.

Confira o teaser do relatório:

O conteúdo completo pode ser baixado ou lido na plataforma multimídia.

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