Carreira meteórica de Moraes na academia é repleta de críticas e teve zero na livre-docência

No Justificando

O currículo acadêmico de Alexandre de Moraes, recentemente indicado para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) pelo presidente Michel Temer (PMDB), tem gerado discussão e apresentado controversas.

Celebrada pelo Planalto e por aliados em razão de um best seller de Direito Constitucional, a obra acadêmica de Moraes foi colocada em xeque pelas diversas denúncias de cópia de outros autores. Como apontou o Justificando na última semana, seus escritos apresentam, além de cópias, falta de rigor técnico e pensamento raso.

Além disso, cresceu nos últimos dias a incoerência quanto a seus títulos acadêmicos. Isso porque, em seu currículo Lattes da Universidade de São Paulo (USP), até a tarde de hoje (13), constava a informação de que entre os anos de 1998 e 2000 adquiriu o título de Doutor em Direito, pela USP. Já entre 1997 e 2000 teria realizado o Pós-Doutorado, também pela USP. E em 2001, conquistou a livre-docência.

A incoerência de começar um Pós Doutorado antes do Doutorado em si foi apontada pelo Professor de Geografia da USP César Simoni. Isso tudo é possível observar na imagem abaixo:

Currículo de Moraes na plataforma da USP, no dia 13/02/2016

No entanto, em seu currículo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPQ), estava descrito apenas o título de Doutor e Livre-Docente, sem menção ao polêmico pós doutorado. Procurada pelo site, a assessoria de Alexandre de Moraes informou que ele não possui o título de Pós-Doutor e a informação no Lattes trata-se de “um erro de preenchimento da sua Secretaria e que já foi corrigido”.

“Minha titulação é muito transparente e consta todos os meus livros: DOUTORADO EM DIREITO EM DIREITO DO ESTADO E LIVRE DOCÊNCIA EM DIREITO CONSTITUCIONAL. Informamos ainda que na declaração para o Senado, nos termos do artigo 383, I, do Regimento constaram ESSES DOIS TÍTULOS”, alegou Moraes com letras garrafais pela sua assessoria de imprensa ao Justificando.

Necessário para o meio acadêmico, o Lattes é um documento cujo preenchimento é algo que muitas vezes incomoda quem é da área, sendo possível que existam informações incorretas, conforme explicou ao Justificando o professor da Unicamp Frederico de Almeida. Por outro lado, não é a primeira vez que Alexandre de Moraes atribui uma “falha” sua a terceiros, como ele fez neste caso com a secretaria. No mais recente caso de cópia descoberta em seus livros, detectada pelos Jornalistas Livres, ele culpou o co-autor, Gianpaolo Smanio, ex-colega no Ministério Público e atual Procurador Geral de Justiça.

As imprecisões de atribuição de títulos inexistentes ocorreram já algumas vezes com ministros de Estado e com ministros do Supremo Tribunal Federal. Ano passado, foi revelado pelo portal Jota que Carmen Lúcia em seu currículo no STF se dizia doutora em Direito pela USP, quando, na verdade, chegou apenas a fazer alguns créditos no doutorado, sem apresentação de qualquer trabalho.

Carreira meteórica

Na universidade, Moraes teve uma carreira meteórica. Formou-se em Direito em 1990 pela Universidade de São Paulo e oito anos mais tarde voltaria ao mesmo lugar para fazer um mestrado em Direito de Estado. O Mestrado foi convertido em Doutorado e, em 2000, Moraes já era Doutor. Em 2001, livre docente.

A livre docência é um concurso que atesta uma qualidade superior na docência e na pesquisa. Na USP, trata-se de pré requisito para o aprovado se candidatar à vaga de Professor Titular. Por isso, na maioria dos casos, a livre docência é algo para pessoas que já estão na academia há algum tempo e com certa bagagem. Se é raro para quem se dedica apenas à academia, para quem na época era Promotor de Justiça e dava aulas em cursinhos preparatórios, como é caso de Moraes, torna-se ainda mais improvável.

Para Esther Solano, professora da UNIFESP, “não é nada comum ver um professor de universidade que tenha conseguido doutorado e livre docência praticamente ao mesmo tempo. São estágios da formação e da carreira que supõem um tempo de intervalo entre eles”.

“Acontece muito na São Francisco [Faculdade de Direito da USP]. As pessoas entram para o mestrado, convertem para o doutorado e defendem uma tese insuficiente para uma banca amistosa. No caso dele, por também ser um promotor de justiça e professor de cursinhos, há um conjunto de fatores que levam a crer que embora ele tenha conseguido o título, a qualidade acadêmica é, no mínimo, duvidosa”, afirmou Fabio Sá e Silva, professor e pesquisador em Direito, Doutor pela Northeastern University, nos Estados Unidos.

Frederico de Almeida foi na mesma linha: “Isso é comum no Direito especialmente na Faculdade da USP. Não é apenas o caso do Moraes, e no geral incentiva o carreirismo e prejudica a formação de docentes e pesquisadores e a necessária maturação intelectual entre uma fase e outra”. Além disso, mesmo o doutorado de Moraes ser o convertido de mestrado, em geral há um prazo mínimo entre ingresso e defesa, explica o professor. “O prazo que ele cumpriu é muito curto, isso precisa ser verificado”.

Moraes já foi comparado a outros ministros do tribunal e perdeu o concurso de professor titular para Ricardo Lewandowski, em 2003. Ficou em quarto e último lugar, com nota 8,66, enquanto o vencedor obteve 9,82. Não bastasse, é de conhecimento público que na prova de livre-docência, em 2002, a examinadora Odete Medauar deu nota zero a Moraes. Ela entendeu que a tese não tinha consistência teórica, de acordo com docentes da faculdade. Entretanto, ele conseguiu reverter a nota zero via recurso.

Na sala de aula, a deficiência acadêmica muitas vezes refletia no conteúdo, como sua defesa em sala de aula da prática da tortura. Em entrevista à Rede Brasil Atual, a Advogada da Rede Feministas de Juristas e ex-aluna de Moraes Marina Ganzarolli lembrou o episódio: “Ele foi meu professor. Naquela época, ele relativizava o uso da tortura como um método para obter informações de criminosos. Já na Faculdade de Direito ele mostrava como seguiria suas ações como secretário de Segurança Pública, quando comandou ações brutais contra manifestantes.”

Foto: Valter Campanato /Agência Brasil

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