É preciso defender o acesso à água como direito

Caroline Rodrigues, educadora do programa da FASE no Rio de Janeiro, faz um alerta sobre as consequências da privatização da Ceade. Para ela, a concessão do serviço aumentará as desigualdades sociais

Caroline Rodrigues¹, na Fase

Após um mês de manifestações contrárias à privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio (Cedae), na manhã do dia 20 de fevereiro, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou, por 41 votos favoráveis contra 28 contrários, a venda da Companhia (Lei 2.345/17). A privatização faz parte do “Termo de Compromisso para Recuperação Fiscal”, estabelecido entre o estado do Rio de Janeiro e o governo federal para garantir, entre outras coisas, o empréstimo de até R$ 3,5 bilhões ao estado. É importante destacar que este recurso deve ser utilizado exclusivamente para a amortização de dívidas! Isso significa que o patrimônio público da Cedae está sendo vendido para alavancar o mercado financeiro e não para enfrentar a “Calamidade do Estado”, nem para pagar os servidores que estão com pagamentos atrasados e sem receber décimo terceiro do ano de 2016.

Apesar de entre 2012 e 2016 a Cedae ter apresentado um lucro líquido de R$1,4 bilhões, o campo de forças da direita, tanto no governo federal quanto no estadual, conseguiu vencer a queda de braço argumentando que a venda da Companhia por apenas R$ 3,5 bilhões contribuirá para enfrentar a crise financeira que é de aproximadamente R$ 26 bilhões só neste ano². Entretanto, este é um falso argumento. Outras estratégias políticas como a revisão dos cargos comissionados, a auditoria da dívida do estado e o fim das isenções de impostos poderiam ter sido adotados para garantir receitas maiores ao estado.

Para além da crise política e institucional, a privatização da Cedae é parte do violento processo de acumulação de capital por despossessão³. Na corrida pela expropriação da natureza até seu esgotamento, o capital internacional irá se apropriar de um bem comum e um direito humano: a água. Ao fazê-lo, mesmo que com alguma regulação por parte do Estado, atuará de forma discriminatória e, com base em raça, local de moradia e status socioeconômico inviabilizará o acesso ao direito à água de parte da população do estado do Rio de Janeiro.

Mesmo que a Organização das Nações Unidas (ONU) já tenha dados contundentes que apontam que a cada R$1 investido em obras de saneamento significam menos R$ 4 gastos em saúde, é difícil acreditar que a iniciativa privada de capital internacional reconhecerá a importância de ampliar o serviço em área onde a arrecadação tarifária é, geralmente, baixa.

As consequências desta tendência serão trágicas para as favelas e periferias urbanas, onde o acesso ao fornecimento de água e saneamento já é restrito por não haver redes de abastecimento de água, coleta de esgoto e drenagem pluvial construídas, muito menos o acesso aos poderes de decisão política. É preciso defender o acesso à água como direito e ter a consciência de que a concessão do serviço de saneamento à iniciativa privada aumentará as desigualdades sociais.

Notas:

[1] Educadora do programa da FASE no Rio de Janeiro.

[2] Dados publicados no site do vereador Eliomar Coelho (Psol). 

[3] O conceito de acumulação por despossessão atualiza o conceito de acumulação primitiva de Marx. Propõe que processo de financeirização do capital reativou formas de expropriação capitalista, supostamente arcaicas mas que tem se mantido contínuas, marcadas pela violência extrema (Harvey, D. O Novo Imperialismo. 3º Edição, São Paulo, 2008).

Foto: Caroline Rodrigues / FASE

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