Por Eduardo Newton, no Justificando
A mente inquieta talvez seja uma marca própria daqueles que optaram verdadeiramente em defender o desconhecido. De quem não labuta esperando pelo muito obrigado, de quem não pode se dar ao luxo de escolher as suas causas, ou melhor, de quem a faixa verde na veste talar representa a escolha pela luta pela liberdade ou, quando isso não for possível, pela irrestrita e intransigente observância do processo justo.
Confesso que pode parecer, e na verdade é, frustrante a ausência de um agradecimento ao término de um processo penal ou, o pior, a crucificação por uma sociedade neurótica que não se mostra capaz de compreender a necessidade do meu oficio. Recentemente, ouvi de uma autoridade do tablado ser inacreditável o Estado pagar um profissional para defender vagabundo.
Mas, mesmo assim, eu decidi prosseguir com essa jornada. Quantas não foram as vezes que adentrei em um plenário já sabendo que a solução mais fácil seria da iminente condenação e ainda assim me esforcei. Não fiz por piedade ou por misericórdia, mas por um dever de ofício que espero poder desenvolver até o último dos dias.
Não pense que é fácil defender o abominável. Sou ser humano e, por essa razão, sofro com o repugnante, me impressiono com a capacidade de destruir, de matar o seu próximo e trazer a desgraça a quem justamente merecia somente o amor.
Quantas não foram as noites de insônia que me vieram acompanhadas por exames de consciência? Já perdi as contas. Todas elas traziam consigo a dúvida sobre a retidão da escolha realizada em um passado que me parece tão recente e que se aproxima do marco da primeira década.
Quem sabe pela formação religiosa, eu me prenda na lição de amar o pecador para seguir adiante, mesmo quando tantos me perguntam: por que será que ele insiste nessa marcha antipática?
A minha luta não se confunde com a busca da impunidade. A crença nos direitos e garantias fundamentais é o arsenal dessa versão quixotesca tupiniquim. Punir a qualquer custo é algo que me traz asco. A eficiência do processo penal é um discurso sedutor que não foi capaz de me cativar.
Prossigo diuturnamente, muitas vezes permeado pela incompreensão, imbuído de que qualquer demonstração de poder somente é legítima quando respeita a dignidade do ser humano, mesmo quando aquele que é submetido ao julgamento público não teve a consciência da dignidade alheia.
Se os caminhos que a vida pode tomar são diversos, tenho aprendido que a defesa criminal exige a precisão milimétrica. Um erro pode ser literalmente fatal, uma palavra mal colocada diante do Conselho de Sentença pode representar anos de cárcere para um inocente.
Ainda não adquiri a capacidade de esquecer os rostos dos meus defendidos. Na condição de um Hermes jurídico, quantas não foram as vezes em que tive que informar a condenação, mesmo acreditando na inocência. E, acredite, como isso dói.
A criatividade sempre me acompanhou nessa minha toada. Abandonei a frieza das teorias para mostrar a falibilidade do ser humano, quiçá para justificar erros ou então para minorar futuros danos.
Na atual quadra histórica em que punir virou palavra de ordem, de preferência o mais rápido possível e da forma mais espetaculosa, prefiro ser um outsider, uma espécie de marginal jurídico. E é essa a melhor forma de definir o defensor – público ou privado – criminal. Em um 21 de fevereiro de 1848, o mundo se abalou com um manifesto, quiçá seja o momento dos referidos marginais lembrarem de uma famosa frase de Marx e Engels e simplesmente se unirem.
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Eduardo Newton é Defensor Público do estado do Rio de Janeiro. Mestre em direitos fundamentais e novos direitos pela UNESA. Foi Defensor Púbico do estado de São Paulo (2007-2010).