Promotores de Justiça lançam nota de repúdio à punição sofrida por Kenarik Boujikian

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Nesta sexta, 03, o Coletivo Transforma MP, formado por promotores de justiça com uma visão mais humanista, divulgou uma nota de solidariedade à juíza Kenarik Boujikian, manifestando repúdio à punição dada a ela pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), entendida como uma ameaça à independência judicial. Com o posicionamento do grupo de promotores, aumenta a pressão para que os órgãos correcionais revejam a punição aplicada à magistrada.

No início de fevereiro, Kenarik foi punida por ter concedido liberdade à presos provisórios detidos por mais tempo do que a pena fixada em suas sentenças. A decisão partiu do Órgão Especial do TJ-SP que, por 15 votos favoráveis e 9 contrários, aplicou uma pena de censura na magistrada que a impede de promoção de cargo por merecimento durante um ano.

O Transforma MP criticou veementemente a decisão. Na nota, o coletivo explica que “decisões monocráticas que determinam a revogação de prisões excessivas representam a esperança dos cidadãos no compromisso da magistratura contra arbitrariedades no seio do Estado Democrático de Direito”. Além disso, afirmou que “Longe de configurar falta funcional, dado que se trata de atividade-fim, o comportamento da juíza Kenarik Boujikian orgulha todos aqueles que lutam contra a seletividade e opressão do sistema penal”.

Não se pode aceitar que se dê, em pleno Estado Democrático de Direito, uma invasão à independência judicial mascarada de falta de “cautelas mínimas”. Aliás, como os alvarás de solturas são sempre “clausulados”, ou seja, só liberam o réu se ele não estiver preso por outro processo, não se compreende qual seria o prejuízo causado pelas decisões proferidas pela respeitada magistrada, máxime quando se está diante de evitar o alongamento de prisões decorrentes de condenações já cumpridas. – concluiu a nota.

Leia a nota abaixo na íntegra

“O Tribunal de Justiça de São Paulo aplicou pena de censura, no dia 8/2/2017, à juíza Kenarik Boujikian, por ter proferido decisões monocráticas libertando réus que estavam presos preventivamente por mais tempo do que a pena fixada em suas sentenças. Por 15 votos a 9, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo considerou falta funcional, em pelo menos três ocasiões, não adotar “cautelas mínimas” ao determinar monocraticamente a soltura de réus cujo fundamento de prisão cautelar já se esvaíra com o término da pena fixada na sentença de primeiro grau.

Decisões monocráticas que determinam a revogação de prisões excessivas representam a esperança dos cidadãos no compromisso da magistratura contra arbitrariedades no seio do Estado Democrático de Direito. Longe de configurar falta funcional, dado que se trata de atividade-fim, o comportamento da juíza Kenarik Boujikian orgulha todos aqueles que lutam contra a seletividade e opressão do sistema penal.

Como se sabe, os atos relativos à atividade-fim judicial são insuscetíveis de controle por via administrativa. Ainda que o posicionamento adotado fosse errado ou equivocado – o que está longe de acontecer no caso em discussão –, o controle da liberdade de valoração jurídica só é sindicável pelo próprio tribunal no recurso respectivo. Por óbvio, não remanesce aqui qualquer possibilidade de controle administrativo da atividade-fim do magistrado, sob pena de violação do princípio da independência judicial.

Essa insindicabilidade, claro, aplica-se também aos órgãos de controle interno, pois “devem ter sua atuação limitada à fiscalização da adequação da conduta dos membros da Instituição ao referencial de juridicidade, não podendo imiscuir-se na atuação funcional propriamente dita, amparada que está pelo princípio da independência funcional” (GARCIA, Emerson, Configuração constitucional das corregedorias do Ministério Público, In Revista Jurídica Corregedoria Nacional: o papel constitucional das Corregedorias do Ministério Público, volume I/ Conselho Nacional do Ministério Público. Brasília: CNMP, 2016.).

De fato, essa é a consequência da própria Constituição Federal, ao fazer referência ao Judiciário como poder, como instituição (art. 2º da Constituição Federal). Por conta disso, o juiz é independente, e só está submetido ao Direito. A Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979, enuncia a independência judicial como uma das garantias do magistrado, e que representa em verdade uma garantia para a própria sociedade.

Enfim, não se pode aceitar que se dê, em pleno Estado Democrático de Direito, uma invasão à independência judicial mascarada de falta de “cautelas mínimas”. Aliás, como os alvarás de solturas são sempre “clausulados”, ou seja, só liberam o réu se ele não estiver preso por outro processo, não se compreende qual seria o prejuízo causado pelas decisões proferidas pela respeitada magistrada, máxime quando se está diante de evitar o alongamento de prisões decorrentes de condenações já cumpridas.

E embora o acerto ou o erro de decisões jurisdicionais não estejam, por tudo o que já se falou antes, sob o crivo da corregedoria, o Conselho Nacional de Justiça já se manifestou expressamente sobre essas solturas (a rigor desnecessárias), em inspeção realizada no próprio Estado em 2011/2012, sob a presidência do ministro Cezar Peluso, antigo desembargador do próprio TJSP:

“Durante o mutirão, foram detectados alguns casos recorrentes que causam prisões indevidas, como os que abaixo são relacionados: (…)

Extinção de pena pelo seu cumprimento sem que a apelação do Ministério Público tenha sido julgada pelo Tribunal de Justiça. (….) Nessa situação, alguns juízes resistem em expedir alvará de soltura, sob o argumento de que a pena poderá ser majorada em sede de recurso, sem perceberem, no entanto, que a prisão da pessoa resta sem amparo legal, a despeito da matéria se encontrar sumulada pelo STF (Súmula 716). 

Na mesma linha de raciocínio, inúmeros benefícios de progressão de regime não são concedidos em razão da ausência de trânsito em julgado da condenação, seja para o Ministério Público ou para a defesa, em flagrante desrespeito a Sumula acima citada” (Consutor Jurídico, acessado em 12/02/2016, às 08h00).

Por todas essas considerações, sabedores de que a juíza Kenarik Boujikian tem compromisso com uma visão garantidora de direitos, marca, aliás, indelével de sua carreira, emitimos a presente nota de solidariedade, e esperamos que essa situação seja prontamente revista.

 

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