Dia Internacional da Mulher: a feminística de mulheres e homens pela Paz

Por Amyra El Khalili*, na PRAVDA.Ru

A expressão “feminística” foi concebida em 8 de março de 2006, no Dia Internacional de Mulher. Foi numa mesa-redonda em torno de “Questão de Gênero”, durante o I Fórum da Cidade de São Paulo – Objetivos do Milênio (ODM), realizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e pela Câmara Municipal da capital. A inspiração veio de uma questão que me incomoda: a cobrança diuturna para rotular as pessoas. Todos querem rótulo em tudo. Vivemos no mundo de clichês.

Não é à toa que, frequentemente, as (os) jornalistas perguntam: “o Movimento Mulheres pela P@Z! é feminista?” Digo não. Contestam perguntando: “Mas é um movimento que tem homem?” Digo sim. Aí, concluem: “Não é um movimento de mulheres pela paz, mas um movimento de mulheres e homens pela paz”. Percebo que nem eles nem eu ficamos satisfeitos. Porém, um comentário da escritora Vilma Marchitiello sobre a mística feminina me ajudou a encontrar a definição: O Movimento Mulheres pela P@Z é feminística!

É um movimento feminístico, da mística feminina, essência que no homem também existe.

Este movimento de mulheres e homens nasceu em 8 de março de 2002, de uma atitude de mulheres palestinas, judias e brasileiras, depois de várias cisões em nossos grupos pacifistas israelo-palestinos. Nasceu no momento em que os homens tensionavam as discussões e não saíam da mesma retórica, o que, aliás, é comum na natureza masculina: não saber recuar, não saber flexibilizar, não saber feminizar. Quando aprendem, crescem muito como seres humanos!

Mulheres em Meio Ambiente

Tem sido muito mais fácil sensibilizar as mulheres em relação à preservação e conservação ambiental devido à sua própria condição biológica, como gestora da vida, portadora de útero. As mulheres devem assumir a sua condição de guardiãs das florestas, dos rios, da biodiversidade, de nosso ambiente, uma vez que, no dia a dia, com as tarefas domésticas, são as que mais sofrem com a falta de água, de energia, de alimentos.

A violência contra a mulher não se manifesta apenas na agressão corporal ou verbal, mas, igualmente, na pobreza, na falta de educação, de trabalho, na saúde, na falta de recursos básicos de sobrevivência. Uma pode culminar com a sua morte. A outra, subjetiva, indireta, subliminar, atinge a ética, a estética e a moral. É a mais perniciosa das agressões. Ela pode se dar de várias maneiras: agressão psicológica, assédio moral, assédio sexual, por intimidação, racismo, destruição da autoestima. É o que chamamos de PCC – Poder, Comando, Controle. O que mata e morre.

O poder da palavra

A palavra tem força. Podemos, por meio dela, desativar uma bomba no sistema financeiro ou uma ação racista. Podemos denunciar um site de pedofilia ou derrubar sites mentirosos, mascarados. Podemos desarmar um ataque à Amazônia ou uma farsa montada por estelionatários. Tudo pela internet, a distância, pois não podemos estar em todos os lugares simultaneamente. Outras pessoas, porém, à frente de outros computadores, precisam desse ECO para suportar a pressão da agressão dos confrontos e das guerras em suas regiões e territórios.

Não falo somente das que se veem, com mísseis, caças F16, bombas. Falo daquelas que não se veem, que podem ser tão ou mais perigosas que as que assumidas por governantes. A guerra que travamos diariamente contra a corrupção, contra a manipulação política, contra a degradação ambiental, contra a violência, contra as desigualdades.

No entanto nenhum movimento ou frente se consolida apenas com motes. Essa consolidação só se dá quando suas lideranças e membros assumem efetivamente a causa, carregam suas bandeiras, expõem-se publicamente com todos os riscos.

São especiais as pessoas realmente comprometidas com as causas socioambientais, dispostas a entregar a sua vida expondo-se, assim como com as questões de direitos humanos, direitos políticos, liberdade de expressão, democratização da informação, questões de gênero e etnia. Assumir uma causa, ou uma missão, é decisão exclusiva e intransferível de foro pessoal.

O que podemos fazer, quando identificamos tais formadoras (es) de opinião (stakeholders), é apoiá-las (os), dar-lhes estímulo e força para que persistam no seu trabalho e se estabeleçam.

Não estamos falando de dinheiro, mas de ação, apoio moral e psicológico. Um apoio que se dá sem interesses, maniqueísmos ou segundas intenções e, principalmente, sem imprimir-lhes rótulos. É aquele apoio que fortalece o ser humano para que consiga encontrar soluções sem destruir-se, degradar-se moralmente frente às pressões e humilhações a que são submetidas (os).

Mulheres e homens que lideram comunidades e diversas frentes proativas são, muitas vezes, pressionadas (os), intimidadas (os) e ameaçadas (os) por corruptos, por questões ideológicas, políticas, religiosas, etnicas. Quando é possível, viajamos até a região, conversamos com a comunidade, organizamos uma estratégia. Sabemos que essa pessoa permanecerá ali quando formos embora. Dá uma sensação estranha. De um lado, satisfação enorme pela chance de, de alguma forma, contribuir, apoiar, estimular. De outro, a impotência de querer fazer mais sem saber exatamente o quê e como.

É importante apoiar essas pessoas, pois são elas que carregam, provocam e impulsionam outras. Se elas fraquejam, enfraquecem alguns milhões de dependentes de suas ações, que também precisam de apoio e estímulo para seguirem adiante.

Então buscamos formas de “empoderar” essas pessoas para que possam seguir em frente. Esta é uma das premissas do movimento de mulheres e homens pela paz, principalmente se essa pessoa for uma mulher. São elas as mais discriminadas e excluídas no processo de empoderamento socioeconômico. Conquistaram o mercado de trabalho; são a maioria consumidora, mas não foram empoderadas, ou, mesmo, preparadas para ter poder.

Hoje, o mercado está com os olhos voltados para a mulher. Debatem-se as mulheres em todos os cantos, por todos os lados. Mas não se enganem! Em muitos casos, não é por consciência da importância da questão de gênero, ou por alguma percepção humanitária, mas porque descobriram que a mulher é “consumidora”.  Ela é quem toma as decisões de consumo para as outras pessoas da família.

Eventos conscientes são aqueles organizados por movimentos sérios e gente com histórico de defesa dessas justas causas. Não desejamos legitimar a questão de gênero na concepção de que a mulher não passaria de mais uma consumidora. O mundo já faz isso o tempo todo com as mulheres. O que queremos é que ela seja capaz de ser tomadora de decisões sobre os mais diversos assuntos. Seja ela produtora rural, artesã, empreendedora, executora, o que importa é que decida sobre o contrato mercantil, a cláusula contratual do seguro, sobre como é que vai pagar a prestação, como o banco vai debitar a taxa de juros. Decisão é a palavra-chefe. A mulher tem que decidir, não somente produzir-consumir.

É nossa prioridade trabalhar a autoestima feminina. Tanto a exterior quanto a interior, para que as mulheres possam ser “empoderadas”. Seja para o trabalho, o empreendedorismo, a economia, o amor, a família: o empoderamento de mulheres é a meta.

Desejamos que esta semana, em comemoração ao “Dia Internacional da Mulher”, seja um momento de reflexão sobre a mística feminina de mulheres e homens, para que possam compartilhar essa virtude, fortalecendo-se mutuamente de igual para igual, um ao lado do outro! 

“Todos os seres humanos estão presos numa teia inescapável de mutualidade; entrelaçados num único tecido do destino. O que quer que afete a um diretamente, afeta a todos indiretamente. Não posso nunca ser o que deveria ser até que você seja o que deveria ser e você não pode nunca ser o que deveria ser até que eu seja o que devo ser” (Martin Luther King).

Nota:

O “Movimento Mulheres pela P@Z!” é uma formação de rede, de caráter transdisciplinar, não sectário, que tem como objetivo promover a paz entre grupos étnicos, povos e nações, através do debate, da informação e de ações que propiciem a aproximação, a criação e o fortalecimento de relações inter-raciais e interculturais, orientando a não-intervenção, a não-ingerência e a não-dominação de uns sobre outros, fomentando a tolerância, a concórdia e a colaboração e o auxílio mútuo, de modo que a identidade e a liberdade sejam indissociáveis e utilizadas como instrumentos para a construção de um mundo que compreenda a existência de desígnios superiores e transcendentais para a Humanidade.

Referências:

EL KHALILI, Amyra. Palestra proferida no 1º Fórum da Cidade de São Paulo — “Objetivos do Milênio (ODM)”, organizado pelo PNUD e pela Câmara Municipal São Paulo. Mesa-redonda: “Questão de Gênero”,  dia 8 de março de 2006.

JUSTE, Marília. ODM devem ser ‘feminizados’, diz jurista. – São Paulo, 8 mar. 2006. In: www.pnud.org.br.

*Amyra El Khalili é professora de economia socioambiental.

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