“O golpe na Previdência, não é uma reforma, pois retira direitos da classe trabalhadora”

Na semana passada as Mulheres Sem Terra e da Via Campesina mobilizaram mais de 40 mil contra o capital, o agronegócio e as medidas do governo ilegítimo de Temer

Por Iris Pacheco e Leonardo Fernandes
Da Página do MST

No Brasil, as mulheres querem derrotar o golpe na previdência, devido aos fortes impactos que a proposta apresenta pelo governo ilegítimo de Michel Temer terá, se aprovada, sobre questão de gênero.

“A reforma da Previdência que, se aprovada de acordo com a proposta do governo ilegítimo de Michel Temer, ela vai, entre outras coisas, igualar a idade de aposentadoria de homens e mulheres para 65 anos. Isso desconsidera que as relações de trabalho se dão numa sociedade que perpetua valores machistas e patriarcais, que fazem com que as mulheres enfrentem jornadas duras fora e dentro de casa. Enquanto essa sociedade perpetuar esses valores, não é possível aceitar uma medida como essa”, explica Kelli Mafort.

Para Iridiane Steibert, além de desconsiderar propositalmente as longas jornadas de trabalho no meio rural, a proposta do governo Temer pode impactar fortemente as economias dos municípios de pequeno e médio porte, devolvendo o Brasil ao mapa da fome.

“Nós consideramos que a Previdência Social, tal como está hoje, é a maior política de distribuição de renda que temos no nosso país, e representa mais de 70% dos ingressos de recursos para os municípios. Então essa proposta deve representar um impacto grande para o desenvolvimento das pequenas comunidades rurais, ou seja, o retorno à miséria, à fome. Além disso, é uma das poucas políticas que realmente considera a desigualdade histórica entre homens e mulheres nos espaços de trabalho” afirma.

A proposta, já apelidada como ‘o golpe da Previdência’, terá impactos ainda maiores para para a população camponesa, especialmente para as mulheres. Mafort explica que hoje, os trabalhadores e trabalhadoras do campo são considerados ‘segurados especiais’.

“Com esse projeto de reforma, eles deixarão de ser ‘segurados especiais’ e passarão a ser ‘contribuintes’. O que representa um grave golpe contra aqueles que são os produtores e produtoras de alimentos do nosso país. Além disso, com a regra atual, as mulheres camponesas se aposentam com 55 anos e os homens do campo, com 60 anos, devido ao fato de que exercem um trabalho sob condições mais duras na agricultura. Com essa proposta de reforma da Previdência, esse beneficio acaba e todos se aposentarão com 65 anos”, salienta

De acordo Kelli, não há dúvidas de que as mulheres do campo são as mais impactadas, porque perdem 10 anos do direito conquistado. “É preciso dizer que a expectativa de vida de uma trabalhadora rural do nordeste do Brasil é de 66 anos de idade. Então se ela vai se aposentar com 65 anos, isso significa que ela vai morrer trabalhando e não vai se aposentar. Então é preciso lutar contra esse golpe na Previdência, que não é uma reforma, e só serve para piorar e retirar os direitos da classe trabalhadora”.

O capital atenta contra a vida das mulheres 

O capitalismo não criou a opressão contra as mulheres, mas foi o responsável por incorporar os valores do patriarcado às relações de trabalho formais, que passaram a incluí-las, a partir das chamadas ‘revoluções burguesas’. Desde então, e produto da organização e luta das mulheres trabalhadoras, elas foram ocupando os espaços, antes exclusivos aos homens, mas nunca em condições de igualdade.

Ao longo de mais de um século, o desenvolvimento o capitalismo não foi capaz, nem poderia ter sido, de resolver as contradições que o próprio sistema engendrou. Segundo um estudo da Organização Internacional do Trabalho, divulgado em 2016, as mulheres ganham 77% do salário dos homens em uma média global. O relatório alerta para a perpetuação dessa disparidade. Nos últimos 20 anos, essa brecha foi reduzida apenas 0,6%. Nesse ritmo, a equiparação de salários entre homens e mulheres demoraria mais de 70 anos para acontecer.

Não bastasse a desvalorização do trabalho feminino, outra forma de exploração da força de trabalho das mulheres é o acúmulo de jornadas. Segundo dados do Dieese, contabilizados os trabalhos domésticos, as mulheres trabalham cerca de oito horas a mais que os homens, semanalmente. Um dia a mais por semana, quatro dias a mais por mês, 48 dias a mais por ano.

Com tamanha disparidade na relação de trabalho, é possível entender como a acumulação de riquezas, objetivo central da atividade econômica capitalista, ganhou fôlego a partir da inserção das mulheres no chamado ‘mercado de trabalho’. E, ao mesmo tempo, não deixou de gerar novas contradições, que por sua vez tiveram como consequência o surgimento de uma força organizativa de companheiras ao redor do mundo, no campo e na cidade.

O avanço do capital sobre o campo 

Se o fundamento do estado capitalista é a propriedade privada, que por sua vez gera a privação de propriedade aos produtores sociais, a opressão do capital sobre as mulheres camponesas começa justamente pela negação do direito à terra.

Segundo relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), finalizado em 2013, “as mulheres enfrentam desigualdades em relação à propriedade sobre a terra. Essa diferença está historicamente relacionada a fatores como a preferência masculina na herança, os privilégios dos homens no casamento, a tendência de favorecimento dos homens na distribuição da terra por parte das comunidades camponesas e indígenas e também nos programas estatais de redistribuição”.

Para Kelli Mafort, integrante do Setor de Gênero do MST, as dificuldades impostas às mulheres do campo demonstram a evidente perpetuação dos valores patriarcais. “A dificuldade de acesso ao crédito e às condições para se desenvolver no campo é uma forma de opressão contra as mulheres camponesas. Isso porque a maior parte dos recursos disponíveis, são destinados ao agronegócio. E mesmo dentro da agricultura familiar há toda uma hierarquia imposta, que coloca os homens como os verdadeiros chefes de família. Então pouco a pouco as mulheres têm lutado por políticas púbicas que invertam essa prioridade, para que passem a ser visibilizadas, para que o trabalho no campo seja realmente reconhecido como trabalho”, comenta Mafort.

Apesar das recomendações feitas pela comunidade internacional sobre a necessidade de implementação de políticas de gênero associadas à distribuição de terras aos trabalhadores rurais, o desenvolvimento do sistema capitalista cristalizou formas de alienação da terra para a acumulação de capital.

“Os grandes representantes do capital no campo são o agronegócio, que gera a concentração da terra, a negação do direito dos povos indígenas e quilombolas ao seu território, dos direitos dos pescadores e pescadoras; o hidronegócio, representado pelas grandes hidrelétricas; e o minério negócio, representado pela mineração. E nesse contexto, aparecem várias formas de opressão contra as mulheres. Começando pela negação do direitos à terra e a outros bens naturais, como a água, as sementes, a biodiversidade, além do envenenamento, produto do uso de agrotóxicos e do cultivo de alimentos transgênicos pelo agronegócio” explica Iridiane Seibert, do Movimento de Mulheres Camponesas.

Ao contrário do que propagam as publicidades do negócio de alimentos no Brasil, as empresas que exploram o campo brasileiro não só deixam de atender às necessidades do povo no que se refere à alimentação de qualidade, como são também extremamente dependentes de recursos do Estado, que poderiam servir para o investimento em outras áreas.

“É preciso revelar para a sociedade que o agronegócio e a mineração são atividades extremamente dependentes do Estado brasileiro. Prova disso é a medida provisória do REFIS, que é um grande presente do golpe e do governo ilegítimo de Michel Temer a esse setor. O refinanciamento da dívida do agronegócio vai praticamente perdoar cerca de três trilhões e 800 milhões de reais. Ou seja, um setor que deve esta quantia, é um setor que não se sustenta. Só existe porque age como um parasita do Estado brasileiro” afirma Mafort.

Unidade global das mulheres contra o capital

Neste 8 de março, mulheres de mais de 30 países se somaram à convocatória de greve internacional feminina, com o objetivo de denunciar as desigualdades de gênero e protestar contra a violência machista. O movimento é inspirado no Dia Livre de Mulheres, ocorrido em 1975, na Islândia, quando cerca de 90% das mulheres trabalhadoras deixaram seus postos de trabalho por um dia, para protestar contra a desigualdade de direitos entre os gêneros.

Para Kelli Mafort, o movimento camponês deve estar conectado com a perspectiva global de organização das trabalhadoras de todo o mundo. “Esse ano, o Movimento dos Sem Terra organizou mais uma vez a sua Jornada de Luta das Mulheres, que mobilizou mais de 40 mil mulheres em todo o país. Ela ocorreu em vários estados, com espaços de formação, de debate, a partir da realidade das trabalhadoras dos acampamentos e assentamentos. Também integramos um processo de construção junto com outras organizações da Via Campesina, no campo, e com movimentos de trabalhadoras urbanas”.

Em cada país, as organizações de mulheres fizeram manifestações, nas quais estiveram presentes as bandeiras históricas do movimento feminista, mas também as pautas específicas locais. No Brasil, o MST encampou o lema: “Estamos todas despertas. Contra o Capital e o agronegócio. Nenhum direito a menos”.

E teve também como foco central a defesa da Previdência Social pública, universal e solidária! Por isso, enquanto Via Campesina a palavra de ordem é “A Previdência é nossa! Ninguém tira ela da roça! ”

Além disso, o Movimento que em todas as regiões do país e compõe a unidade que vai do campo à cidade, em ações de enfrentamento e denúncia. Através das Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, também trouxe palavra de ordem “Se você não lutar, sua aposentadoria vai acabar! ”.

Marcha das mulheres pelas ruas de Fortaleza, Ceará, denunciando a contrarreforma da previdência. Foto: Elitiel Guedes

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