Cinco trabalhadores rurais estão presos em Baianópolis-BA em razão de conflito fundiário

Cinco trabalhadores rurais da comunidade de Porteira de Santa Cruz, zona rural do município de Serra Dourada-BA, que reivindicam a regularização de seu Território de Fecho de Pasto, conhecido na região como Larga, usado também por outras comunidades de Santana, Tabocas do Brejo Velho e Baianópolis, foram presos terça-feira (07/03) pela Polícia Militar da Bahia. E ontem (13/03) tiveram sua prisão preventiva decretada pelo Juiz Lázaro de Souza Sobrinho, titular da comarca de Baianópolis-BA. Os agricultores Sérgio Pereira de Jesus, Antônio de Jesus, José Pereira de Jesus, João José da Silva e Geneildo dos Santos Silva foram apontados de modo irresponsável por prepostos de grileiros de terras como “líderes” de uma ação que resultou no desarmamento de pistoleiros que faziam a “segurança” de indivíduos que iniciavam a perfuração de um poço tubular em área de conflito fundiário.

A ação da Polícia Militar se deu de forma violenta e arbitrária, pois o próprio relato daqueles que se dizem “vítimas” mostra que a PMBA chegou à comunidade de Porteira de Santa Cruz horas depois do incidente, e que escolheram de forma aleatória quem iria ser preso, sem indícios mínimos que indicassem a participação das pessoas detidas, e sem mandato judicial a ser cumprido. O delegado de polícia Antístenes Benvindo Rosal, do município de Baianópolis, contra todas as evidências, entendeu que houve situação de flagrante dos crimes de roubo, porte de armas, esbulho possessório, dano qualificado e associação criminosa.

Não é a primeira vez que a comunidade é criminalizada. Em 24 de janeiro de 2015, onze (11) trabalhadores que estavam limpando suas roças de mandioca foram presos, abordados com ordem de prisão pela Polícia Militar e CIPE Cerrado. No ato, eles foram conduzidos para Baianópolis, onde ficaram presos por 24 horas, a criminalização da luta da comunidade de Porteira de Santa Cruz pelo aparato policial e judiciário se dá num contexto em que o desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Wilson Almeida Benevides, e sua esposa, autora da ação, Luciene Gonçalves Donato Benevides, reivindicam-se donos de uma área de terras de uso comunitário e tradicional como Fecho de Pasto, com fortes evidências de que sejam juridicamente caracterizadas como terras devolutas. Neste caso, a preferência da regularização fundiária é para a comunidade tradicional, conforme determinação da Constituição Federal de 1988 e da Constituição do Estado da Bahia de 1989.

O caso foi judicializado em 2016, após os pretensos proprietários ingressarem com uma ação de interdito proibitório contra alguns dos membros da comunidade. O caso, inicialmente encaminhado para a comarca de Baianópolis, foi remetido para a Vara Regional de Conflito Agrário e Meio Ambiente de Barreiras e ainda aguarda a decisão da magistrada Marlize Freire de Alvarenga a respeito do pedido de decisão liminar requerida pelos autores. O desembargador mineiro, apesar do seu nome não constar em nenhum documento da ação, compareceu à audiência de justificação prévia promovida em 09/08/2016 pelo mesmo Juiz Lázaro de Souza Sobrinho, agindo como se fosse autor da ação, o que fez com que o magistrado (Lázaro de Souza Sobrinho), por sua vez, proferisse ameaças aos (as) agricultores (as) e chegou a ameaçar de prisão o advogado que os representa no processo.

Da análise dos documentos anexados pelos autores da ação, o caso de grilagem é grotesco e evidente. Desde o início dos anos 90, grileiros que atuam na região intentam se apropriar da área de “solta” da comunidade de Porteira de Santa Cruz, que sempre defendeu de forma legítima a sua posse tradicional, reagindo sempre às tentativas de apropriação ilegal por pessoas físicas e empresas que especulam com a valorização das terras na região.

Esta é a situação comum à quase todas as comunidades tradicionais do oeste da Bahia que possuem terras de uso comum, sejam Indígenas, Quilombolas, Geraizeiros, Ribeirinhos ou comunidades de Fundos e Fechos de Pasto. Os grileiros visualizam nestas terras a possibilidade de enriquecimento fácil, rápido e ilegal, pois na maioria dos casos tratam se de áreas devolutas utilizadas tradicionalmente para solta do gado e outros animais e/ou prática de extrativismo. Por serem devolutas, ainda não identificadas e reconhecidas pelo Estado, não possuem registro em cartório, facilitando os processos de fraude que caracterizam a grilagem.

Neste caso, a senhora Luciene Gonçalves Donato Benevides afirma que “adquiriu” a área mediante o pagamento de honorários da sua atuação como advogada no próprio conflito, em ação judicial anterior. Além de se tratar de uma transação suspeita, jamais estiveram na posse da área. Como houve despacho judicial para que uma inspeção fosse realizada antes de decidir sobre o pedido liminar, os falsos proprietários iniciaram a perfuração de um poço tubular, montando para isso, um acampamento no interior da área de solta dos animais, com o claro objetivo de forjar uma posse inexistente.

Iniciada a perfuração do poço, os “seguranças” da Estrela Guia-Vigilância e Segurança Privada, empresa conhecida no ramo de “pistolagem” na região oeste da Bahia contratados pela Sra. Luciene, iniciam as ameaças aos membros da comunidade e disseram que estava, a partir daquele momento, proibida a passagem de pessoas da comunidade pela estrada que corta o Território, que liga os municípios de Serra Dourada e Santana a Baianópolis. A reação da comunidade ao impedir a perfuração do poço e ao repelir as injustas agressões e ameaças se deu de forma absolutamente legítima e proporcional, com o objetivo de defender sua posse tradicional e seus direitos que são garantidos pela Constituição Federal e Estadual.

A criminalização de pessoas da comunidade de Porteira de Santa Cruz, por meio da prisão em janeiro de 2015 e em março de 2017, se deram de forma aleatória, e demonstra que o objetivo do aparelho policial é desestabilizar toda a comunidade e dificultar a defesa da sua posse, agindo de forma atrelada aos interesses da grilagem e do agronegócio. A conversão do inexistente flagrante em prisão preventiva pelo magistrado de Baianópolis, mesmo depois de demonstradas a ilegalidade da prisão e a ausência dos requisitos legais para manutenção da restrição da liberdade de pessoas que vivem do trabalho na roça, com residência fixa e sem antecedentes, vem confirmar o poder de influência do agronegócio e seus prepostos da grilagem na região. O magistrado agiu durante a audiência de justificação de posse, em agosto de 2016, de modo absolutamente parcial, forçando a comunidade a abrir mão do seu território e ameaçando o advogado dos trabalhadores de prisão, quando este verbalizou que não era intenção da comunidade realizar acordo com os grileiros.

A arbitrariedade cometida contra os agricultores da comunidade de Porteira de Santa Cruz já é conhecida pela Coordenação de Desenvolvimento Agrário-CDA e outros órgãos do Estado, a exemplo da Secretaria de Desenvolvimento Rural-SDR, Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social-SJDHDS, Secretaria de Promoção da Igualdade Racial-SEPROMI, Casa Civil, Secretaria de Segurança Pública-SSP/BA e Ministério Público Estadual. A violência e criminalização contra esta comunidade se deve a morosidade do Estado baiano em não avançar no processo de discriminação destas terras, a fim de confirmar a sua devolutividade, e da insegurança instalada a partir do poder “descontrolado” exercido pelo agronegócio da região.

A ação direta da comunidade em defesa de seu Território é um exemplo de autonomia e protagonismo popular, diante a omissão do Estado baiano, agravada pela crise política e econômica do país, onde o agronegócio influência de forma decisiva os rumos da ação de órgãos estatais. Portanto, faz-se emergencial a ação do Estado a fim de reparar o equívoco da prisão destes cinco (05) honrados agricultores, e na solução deste conflito agrário, para que este não tome maiores proporções, colocando a vida em risco eminente, como sempre aconteceu ao longo da história brasileira. Dados recentes mostram que de 1985 a 2016 (em 31 anos) foram 1833 trabalhadores do campo assassinados.

Deste modo, urge deflagrar uma Ação Discriminatória Administrativa Rural, com posterior destinação destas terras a regularização fundiária, de quem há anos utiliza este Território. Nesta quarta-feira (15/03) será impetrado Habeas Corpus no Tribunal de Justiça da Bahia em favor dos trabalhadores, que esperam, assim como suas famílias, comunitários/as e apoiadores/as, que seja feita justiça, garantindo a liberdade de Sérgio, Antônio, José, João e Geneildo, e a garantia da regularização fundiária da terra de uso comum, única forma de protegê-la da ação destes e de outros grileiros que buscam enriquecimento fácil por meio da apropriação ilegal de terras para especulação imobiliária.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Ruben Siqueira.

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