Sobre carnes, o discurso sanitarista e os saberes tradicionais

Por Paulo de Tássio Borges da Silva*

Essa polêmica das carnes me fez lembrar os saberes tradicionais que me acompanham desde a infância. Recordo-me que as carnes de gado, peixes e outras caças eram tratadas com bastante zelo, colocadas ao sol ou no fumeiro da cozinha, moqueadas e guardadas em banha.

No início dos anos 2000, o discurso sanitarista ganhou os interiores, fechando os matadouros artesanais, sendo implantados os frigoríficos, sinônimos de carne saudável. Ainda tenho na lembrança alguns açougueiros perdendo suas carnes e fechando seus comércios, fazendo uma verdadeira caça às práticas alternativas de manuseio, cuidado e conservação das carnes.

O discurso sanitarista ganhou os interiores do país, colonizando saberes tradicionais, destruindo uma rede de solidariedade e de segurança alimentar e nutricional que se formava em torno de tais práticas. O que dizer da figura da “fateira”, responsável pelo cuidado das vísceras dispensadas pelos matadouros, servindo de alimento e de escambo com outros produtos para dezenas de famílias?

Percebe-se que a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN), Lei nº. 11.346/2006, diante o ocorrido com a operação “carne fraca”, tem sido utilizada no país para a marginalização de saberes tradicionais, o enriquecimento de grandes grupos no ramo alimentício e a degradação ambiental. Inúmeros são os “acidentes” pelo país, onde os frigoríficos poluem rios e nascentes, sem nenhum cuidado ou explicação à população.

A carne é fraca, a carne é podre e a burguesia acompanha toda essa fedentina.

* Doutorando em Educação – Proped/UERJ, autor do livro: “As Relações de Interculturalidade entre Conhecimento Científico e Conhecimentos Tradicionais na Escola Estadual Indígena Kijetxawê Zabelê”.

Foto: Rafael Luz.

Comments (3)

  1. A minha mãe comenta que quando era jovem, morava no sitio e armazenava as carnes na banha. Sou neta desta cultura caipira que se perdeu. Meus avôs foram obrigados a sairem de suas terras, recebendo uma miséria em troca, e a rodovia Raposo Tavarez então veio, passou por cima de tudo e trouxe o POGRESSO para a cidade de Sorocaba, São Paulo.

  2. Nas comunidades indígenas, ainda se usa os saberes tradicionais para guardar o alimento. Sobretudo, quando a carne vem da cidade. Os Parentes colocam a carne no fumeiro, ou ao sol para que seja purificada das impurezas. Em relação à caça, é bom que se cozinhe no mesmo dia. A carne fresca da caça transmite um tipo de energia, sempre relacionado ao saberes e energias de cada caça. Que varia: uma da força, outra alegria, outra rapidez….etc.

  3. Vemos esse descrédito acontecer com o queijo caseiro e o leite retirado manualmente. Os objetivos são financeiros .

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