O blogueiro Eduardo Guimarães foi alvo de uma condução coercitiva para prestar depoimento e de um mandado de busca e apreensão em sua residência, nesta terça (21), pela Polícia Federal em São Paulo. As ações foram autorizada pelo juiz federal Sergio Moro. Guimarães, que se posiciona à esquerda, antecipou em sua página a operação na qual Lula foi alvo de uma condução coercitiva em março do ano passado.
Em nota, a Justiça Federal do Paraná afirmou que ele ”é um dos alvos de investigação de quebra de sigilo de investigação criminal no âmbito da Operação Lava Jato, ocorrida antes mesmo de buscas e apreensões”. E diz que ele faz ”propaganda político partidária”, não jornalismo.
”Não é necessário diploma para ser jornalista, mas também não é suficiente ter um blog para sê-lo. A proteção constitucional ao sigilo de fonte protege apenas quem exerce a profissão de jornalista, com ou sem diploma”, diz a nota.
Isso foi uma resposta à acusação feita pelo advogado de Guimarães durante o dia de que a Polícia Federal queria saber, no depoimento, quem era a fonte de informação usada por ele.
Com a queda da obrigatoriedade de diploma para exercício da profissão, a discussão sobre o que faz de uma pessoa um jornalista torna-se pantanosa e, não raro, subjetiva. Além disso, se alguém, neste momento de crise do modelo de negócio de nossa profissão e, portanto, de sua própria natureza, conseguir explicar o que é jornalismo sem poréns e entretantos, ganha uma trufa.
E mesmo que esse debate levasse a algum lugar, a Constituição Federal ainda asseguraria a não-jornalistas o mesmo direito ao sigilo de fonte.
De acordo com Eloisa Machado, professora da FGV Direito SP e coordenadora do Centro de Pesquisa Supremo em Pauta, ”o sigilo de fonte é protegido constitucionalmente de maneira bastante ampla, não havendo restrição sequer à profissão de jornalista”. Esse direito é tratado no artigo 5o, que versa sobre garantias fundamentais.
”Pelo contrário, em seu artigo 220, a Constituição explica que a manifestação do pensamento, da expressão e da informação, sob qualquer forma ou veículo não sofrerão qualquer restrição”, afirma Machado. Ou seja, a Polícia e a Justiça, caso realmente quisessem descobrir de onde veio o vazamento, deveria encontrar outras formas de investigação.
O blog de Eduardo Guimarães não desperta a simpatia de parte dos colegas jornalistas de veículos tradicionais. Mas nem precisaria, pois o que está em discussão aqui não é ele, seu estilo ou orientação política, mas a liberdade de expressão. Pois o sigilo de fonte é uma das pedras fundamentais de nossa cidadania, ainda mais em casos que envolvem divulgação de informações de interesse público. E não deveria ser questionado pela autoridade policial.
Desconheço as razões que levaram o juiz Sérgio Moro a autorizar esse expediente. Muitos menos a razão de uma nota divulgada pela Justiça Federal que relativiza garantias fundamentais – afinal, uma luta contra a corrupção que passe por cima de direitos básicos está equivocada na origem.
Pelos relatos das grandes redações de veículos de São Paulo, Rio e Brasília, conseguiram a proeza de deixar muitos colegas jornalistas, dos mais diferentes matizes políticos, bastante insatisfeitos com esse questionamento público do direito à proteção da fonte.
Por fim, a história da Operação Lava Jato é uma história de vazamentos. Informações que, divulgadas pela imprensa aos poucos e com ênfase em determinados personagens, foram construindo uma narrativa que aponta que são os responsáveis pela corrupção e como funcionam as relações incestuosas entre parte das elites política e econômica do país.
Por conta disso, não temos a história inteira e talvez nunca tenhamos.
Vazamentos que cabem dentro de uma narrativa não costumam ser punidos ou questionados. O ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, por exemplo, reclama de parte dos vazamentos. De outros, não.
O então ministro da Justiça Alexandre de Moraes antecipou uma operação da PF no âmbito da Lava Jato em uma palestra para simpatizantes em Ribeirão Preto (SP). Criticado na época, ele não é mais ministro da Justiça. Foi promovido a integrante do Supremo Tribunal Federal.
O ideal, claro, seria que não ocorressem vazamentos, porque a seletividade, mesmo feita com a melhor das intenções, vai roendo nossas instituições democráticas. Coletivas à imprensa, que entreguem a informação mais completa possível, são saídas mais desejáveis. Mas, com isso, a construção da narrativa seria outra, incontrolável. E, da mesma forma, a longevidade da Lava Jato. E, quiçá, a história recente do país.