Sobre ser trabalhador em mais um dia de trabalhador, por Elaine Tavares

No Ideias Insurgentes

Imagine a seguinte situação. Tu fazes um contrato com teu patrão. Tu trabalhas 30 dias e ele te paga até o quinto dia útil. Assim diz a lei. Qualquer um que trabalha sabe que tudo o que dá nas oito horas que fica no emprego é muito mais do que o valor que recebe no salário. A riqueza que o trabalhador gera é infinitamente maior do que o salário que o patrão paga. A isso chamamos mais-valia. Mas, tudo bem, nem vamos falar nisso.

Vamos só pensar como um contrato comum, sem considerar o roubo de trabalho. A pessoa trabalha os 30 dias e tem o direito de receber no dia combinado.

Pois bem, em vários estados do país isso não está acontecendo. O estado do Rio de Janeiro é um deles. Desde o ano passado que o governo vem atrasando o dia do pagamento. No último mês de março, o salário dos trabalhadores públicos estaduais saiu apenas no dia 18. Mas, as contas não esperam. E os trabalhadores além de receber com atraso precisam pagar multas de todas as contas que estão pendentes. Isso parece certo? Quem de nós viveria isso sem se indignar, sem se revoltar? Afinal, a pessoa está cumprindo a sua parte no trato. Mas o patrão decidiu burlar a lei. E pronto. Nada acontece. É por isso que no Rio de Janeiro os protestos são duros. Esse inferno já passa de um ano. E os próprios policiais que atacam e ferem os trabalhadores vivem o mesmo drama. Loucura pensar que eles mesmos não se revoltem.

No estado de Minas Gerais os trabalhadores estão recebendo o salário em três partes ao longo do mês, e a regra do quinto dia útil tampouco é respeitada desde o ano passado. Nesse mês de abril os trabalhadores receberam a primeira parte apenas no dia 14. E lá se vai o salário nos juros das contas de água, luz, telefone e tudo mais. Já não é mais possível planejar a vida, porque ninguém mais tem certeza se vai ou não receber o salário. No Rio Grande do Sul isso também acontece.

E isso está acontecendo agora, antes mesmo da reforma trabalhista do Temer que prevê o negociado valer mais do que a lei. Agora imaginem como será a vida dos trabalhadores se não houver uma lei que os ampare no mais mínimo? O patrão vai decidir o que fazer, como fazer e quando fazer. Não há negociação entre quem tem os meios de produção e os que têm apenas a força de trabalho para vender. O que vai acontecer é que o patrão vai tirar muito mais do trabalhador do que já tira agora.

E não me venham com esse mimimi que trabalhador público não trabalha. Ora, se o país está funcionando é porque os trabalhadores estão trabalhando. Não fosse assim, estaria tudo parado. Estradas estão sendo feitas e mantidas, hospitais, postos de saúde, escolas, serviços administrativos, coleta de lixo. Tudo.  Pode não ser o melhor serviço público, mas não é culpa do trabalhador. Se forem a fundo verão que o que falta mesmo é investimento nos setores públicos e que é a mão de obra (os trabalhadores) a que garante o mínimo que ainda temos. Certo, tem um que outro que é vagabundo, mas isso tu vais encontrar no mundo privado também. Então me poupem.

O que se viu no Rio de Janeiro foi o ensaio da barbárie que vai ser tornar o país com a desregulamentação das leis trabalhistas. E isso não foi só agora na Greve Geral, desde que os trabalhadores públicos estaduais começaram a ter seus salários atrasados eles têm lutado e enfrentado a fúria da repressão. E vejam, eles querem apenas ter os salários pagos em dia.

O governo diz que o estado está quebrado e que não pode pagar o salário no prazo. Mas a culpa do estar quebrado não é do trabalhador. O que quebra o estado são os empresários – no geral, amigos dos governantes – que não pagam os impostos ou então as dívidas ilegais e ilegítimas contraídas sem  o conhecimento dos contribuintes. Isso é público e notório.

Por que cortar na carne do trabalhador e não cobrar os empresários? Quem tem mais condição de aguentar um baque financeiro? Os responsáveis pelas dívidas do estado são os que têm de pagar.

Mas, no sistema capitalista de produção, não há compaixão para com o trabalhador. Ele existe apenas para gerar a riqueza que aquecerá o rico. Com o trabalho do trabalhador ele seguirá mais e mais rico. Não importa que massas de gente pereçam. Sempre haverá corpos se oferecendo para a exploração. Os capitalistas não se emocionam com famílias inteiras sendo despejadas para que um terreno seja limpo para a construção de um xópin. Não. Não se emocionam com gente se matando porque não consegue pagar o aluguel ou dar comida aos filhos. Não.

Então, aos trabalhadores só restam duas opções. Ou se mantém como escravos desse sistema que não lhes leva em conta, e que mais dia menos dia vai lhes descartar, ou se rebelam e procuram construir outro modo de organizar a vida.

Essa é a parada, amigos. Temos de escolher.

Que esse dia primeiro de maior sirva para a gente pensar sobre isso.

Tu, que vive de salário, para e pensa. O que aconteceu no Rio de Janeiro, com a polícia atacando os trabalhadores até mesmo no palco onde falavam sobre seus problemas não é uma coisa isolada. É o que está posto para cada um de nós. Bordoadas na cabeça, como a que feriu o jovem em Goiás, bombas e gás na cara, quando não, tiros. Para que aceitemos a escravidão e a morte sem rebeldia.

Há os que lutam. Pelo menos, respeita. Porque esses, quando conquistarem o direito de bem viver, o garantirão também para ti.

Greve geral de 28 de abril de 2017, no Rio de Janeiro. Foto: Marcelo Valle (reprodução Facebook)

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