De todas as razões utilizadas para impedir que a população possa escolher um substituto para Michel Temer pelo voto direto, ainda neste ano, a mais absurda é a de que não somos capazes de saber o que é melhor para nós mesmos. Claro que são raros os que têm coragem de falar isso abertamente, até porque esse nível de sinceridade não pega bem por aqui. Mas isso significa que alguns poucos, ricos e poderosos, acreditam que a massa precise ser tutelada pela sabedoria de alguns.
Participei de muitas ações que resultaram na libertação de trabalhadores escravizados desde 2001. Ainda lembro a cara de pau de empregadores que, ao serem questionados sobre a retenção de salários, explicavam tranquilamente que essa medida era adotada para evitar que seus empregados gastassem todo o dinheiro com cachaça, fumo e jogos, não sobrando nada para que, ao final de alguns meses, levassem às suas famílias. Afinal de contas, eram trabalhadores pobres, o que eles sabem da vida?
Parte da elite política, do grande empresariado e do mercado financeiro nacional e internacional, que acreditam que sabem o que é bom para o Brasil querem decidir por nós (tal como o senhorzinho de fazenda escravagista). Nós, ignorantes que se tivéssemos liberdade para usar a democracia como bem quiséssemos, gastaríamos tudo em opções erradas. Para certos grupos que se consideram sábios, bom para o país são as Reformas Trabalhista e da Previdência Social do jeito que estão sendo propostas pelo governo federal e o Congresso Nacional: sem debates, sem cobrar contrapartida dos mais ricos, atacando a qualidade de vida dos pobres.
Uma reforma que, para melhorar a competitividade e reduzir riscos ao investidor, deve diminuir a proteção aos trabalhadores mais vulneráveis. Outra, que em nome da garantia do futuro, vai piorar o futuro da classe trabalhadora. Pois não são poucos os que não vão conseguir contribuir por, no mínimo, 25 anos a fim alcançar a aposentadoria (no caso de assalariados) ou 15 anos (no caso da economia familiar rural). E também não serão poucos os que, enxotados para fora do direito de se aposentar, terão que esperar na fila por mais três anos a fim de pedir o auxílio a idosos pobres.
Para esse pessoal, bom mesmo para o país é fazer tudo isso sem medidas tributárias que também tirem dos mais ricos, através da taxação de lucros e dividendos, de grandes heranças e grandes fortunas ou por um reajuste real no imposto de renda, isentando um grande naco da classe média e os pobres e cobrando alíquotas mais altas de quem muito têm.
Parte da elite que busca trocar Temer por um nome de sua confiança e, portanto, de confiança do mercado, faz isso porque sabe que será muito difícil a eleição de um candidato à Presidência da República que defenda as impopulares Reformas Trabalhista e da Previdência em sua campanha. Não é à toa que os nomes nas bolsas de apostas para uma eleição indireta não são os preferidos pela população nas projeções para eleições diretas.
Não é que a maioria da população, principalmente os mais humildes, ”não entende” como o país funciona. Na verdade, sabe muito melhor do que os demofóbicos de plantão porque não se autoencastelou em uma bolha dourada. Conhece a dura vida real. E a análise de seus votos mostra um pragmatismo nas escolhas relacionado à opção que promete a melhora de sua própria existência. Se renda significasse um voto mais qualificado, não teríamos políticos que negam a democracia e a dignidade humana entre os mais bem posicionados na intenção de voto da elite brasileira.
Filha da Constituição Federal de 1988, a sociedade já atingiu sua maioridade democrática, sendo capaz de decidir seu próprio futuro. Não importa quem seja eleito diretamente, para bem ou para mal, isso devolverá o país à legitimidade, cuja ausência contribui com a demolição progressiva de nossas instituições públicas.
O problema é que a sociedade continua sendo tratada como uma criança que precisa de auxílio para tomar decisões. E, às vezes, diante do constrangedor silêncio, parece gostar de estar na posição quentinha e confortável de não ser responsável por si mesma.