Política de Temer: Tratar desemprego de 14 milhões com redução de direitos, por Leonardo Sakamoto

No blog do Sakamoto

O número de desempregados no Brasil foi de 14 milhões de pessoas, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, para o trimestre entre fevereiro e abril deste ano. O que representa uma taxa de desemprego de 13,6%. Para o IBGE, ainda é cedo para falar em recuperação econômica.

No mesmo dia em que esses números são divulgados, Michel Temer afirmou que ”ninguém vai impedir” a continuidade das políticas públicas do governo, discursando no lançamento do Plano Safra da Agricultura Familiar. Seu ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, declarou que Temer tem ”clara vocação para estar ao lado dos pequenos”, dos agricultores familiares e assentados da reforma agrária.

Seria risível se não fosse patético. Um dia antes, Temer e seus aliados haviam renovado suas juras de amor ao grande empresariado e ao mercado financeiro, em um evento na capital paulista, prometendo tocar as Reformas Trabalhista e da Previdência – pauta do poder econômico que garante suporte a ele na Presidência da República.

Ou seja, o recado não foi aos ”pequenos”, mas aos ”grandes”: ninguém vai impedir a continuidade das políticas que vocês pediram para nós. Nem mesmo o bom senso.

Neste momento, em que os vulneráveis mais precisam do Estado para terem seus direitos garantidos, é que o próprio Estado, aliado a uma parte do grande empresariado, enxerga uma ”oportunidade” e torna-se vetor para derrubá-los. Sem o mínimo pudor, faz chantagem explícita, afirmando que ou mudanças profundas nas leis trabalhistas são realizadas ou será o fim do mundo.

E com o discurso de que precisa fazer o que for preciso para o país continuar a ser viável, como se houvesse uma única alternativa, corta na carne alheia até o osso e além. São ”sacrifícios” necessários. O que não revelam é que as propostas em curso, como a dilapidação da CLT e o aumento no tempo de contribuição para 25 anos a fim de alguém poder se aposentar, povoam os sonhos eróticos de parte do andar de cima da sociedade há muito tempo. E só esperavam o momento certo.

É muito difícil colocar em prática tais mudanças em épocas de vacas gordas. Já na escassez, diante do cheiro ruim da crise, fica mais fácil fazer com que a população engula qualquer coisa. Vende-se essa solução como lógica e natural a ponto de parte dos que serão diretamente afetados por essas mudanças passem a defende-las como única alternativa possível. Atuam, dessa forma, como cães de guarda de si mesmos.

O governo – que se vende como ”semeador do futuro” quando, na verdade, age como um ”mercador do passado” – esconde que há outras medidas que também deveriam ser implementadas para o ajuste das contas públicas, como o aumento de impostos para os mais ricos. Taxação de dividendos recebidos de empresas e isenção da classe média do imposto de renda, aumentando alíquotas para os mais ricos até chegar a 40% são exemplos dos que veríamos em uma Reforma Tributária com justiça social.

Se a culpa pelo desemprego é, em parte, das decisões equivocadas tomadas no governo PT/PMDB, somada à crise internacional e às próprias crises política e institucional internas, muita gente ganhou rios de dinheiro nesse período com as medidas adotadas e, portanto, têm também responsabilidade.

Um pouco de isonomia por aqui cairia bem: para cada contribuição forçada exigida dos mais pobres, uma dos mais ricos. Como já disse aqui antes, se queremos ”flexibilizar” os direitos dos trabalhadores, também deveríamos ”flexibilizar” os dos mais ricos.

O problema é que vivemos um liberalismo de brincadeirinha, com um Estado que não funciona como mediador de relações sociais, mas é subserviente ao poder econômico, fazendo com que o (nosso) dinheiro entre calado para financiar os erros e as expectativas de grandes empresas. Ou criar gigantes que, depois, mudam seu controle para os Estados Unidos, dando uma banana ao país.

É paradigmático que, em meio a uma grave crise de emprego, a Justiça do Trabalho esteja sendo alvo de críticas disparadas a partir de lideranças do Congresso Nacional, de membro do Supremo Tribunal Federal e de diferentes níveis do Poder Executivo, fazendo coro a diferentes associações empresariais.

De todas as novas ações judiciais movidas no país, a mais frequente são reclamações por ”rescisão do contrato de trabalho e verbas rescisórias”. Esse item representou 11,75% do total ou 4.980.359 novas ações, sendo o assunto mais recorrente de todo o Poder Judiciário brasileiro. Dentro apenas da Justiça do Trabalho, o tema corresponde à quase metade (49,47%) dos novos casos. Os dados fazem parte do Relatório Justiça em Números 2016 (ano-base 2015), produzido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Esses dados reafirmam a importância de uma mediação eficiente do Estado brasileiro na relação capital e trabalho, principalmente para proteger a parte mais fragilizada neste momento de crise – ou seja, os trabalhadores. E não um desmantelamento das leis trabalhistas e um enfraquecimento dos atores responsáveis por garantir sua efetividade.

Com o aprofundamento da crise, os trabalhadores são os primeiros a sofrerem perdas substanciais, com a negação de respeito aos direitos mais básicos. E sem esses direitos, o trabalhador não come, não paga aluguel, não quita a dívida da conta de luz e de água. Direitos não são a causa da crise, são a bóia de salvação em que os mais pobres se agarram para passar a tempestade. O que não deveria existir é um sistema que permite que a corrupção seja estrutural no país. Mas a última coisa que muito político aceitaria fazer é dar tiro no próprio pé.

Se correr, o bicho pega. Se ficar, o bicho come. Se reclamar, o bicho processa. Se mobilizar, o bicho mata. Em outras palavras, há um recado por trás dos números e discursos do governo, tocando em uma vitrola velha, sem parar, dizendo: “se você nasceu trabalhador, sua hora nunca vai chegar”.

 

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

12 + 12 =