Velha Política, Poder Econômico ou “Lava Jato”: Quem define o rumo do país?, por Leonardo Sakamoto

Blog do Sakamoto

Três grupos influenciariam hoje o cenário político nacional: ”Jacobinos”*, incluindo parte do Ministério Público e do Judiciário, com uma sanha de ”limpar” o país, questionando – de forma ampla – o relacionamento entre o público e o privado”; ”Poder Econômico”, reunindo o grande empresariado e o mercado financeiro, com o objetivo de reduzir o tamanho do Estado, abrir novas frentes de investimento com a previdência privada e desregulamentar as relações entre capital e trabalho; e a ”Velha Política”, reunindo grupos políticos que sempre estiveram no poder.

Essa é a análise de uma pessoa próxima a Lula, que deu entrevista ao blog sob condição de anonimato, para explicar a atual conjuntura de forças que influenciam o processo político sob o ponto de vista do círculo próximo ao petista. Também foram consultados assessores políticos e procuradores que confirmaram a linha da análise. Trago, neste post, um resumo da conversa.

Os três grupos, que possuem divisões e fissões internas, perceberam a existência de um momento ideal para tirar Dilma Rousseff e o Partido dos Trabalhadores do poder, por conta tanto da crise econômica, quanto dos casos de corrupção que envolveram o próprio partido e da falta de competência política da ex-presidente.

Os Jacobinos consideravam que ela e o PT representavam o ápice da corrupção no sistema; o Poder Econômico desejava acelerar as reformas para reduzir o Estado; e a Velha Política acreditava que entregar Dilma à opinião pública era única saída para sobreviver.

A mídia, nesse processo, segundo a análise do entrevistado, foi campo de jogo e árbitro da partida. Comprou o discurso dos jacobinos, fundamental para o sucesso da ação, e conta com uma relação de proximidade natural com o Poder Econômico e também com parte da Velha Política. Vale lembrar que há proprietários de veículos de comunicação que são eles mesmos políticos.

Temer promete, então, aos membros da Velha Política estancar a sangria, ao Poder Econômico, as grandes reformas, e aos Jacobinos, a continuidade da luta anticorrupção. Ele e seu grupo consideravam que seria possível conciliar propostas antagônicas e divergentes entre si. Mas não foi.

Não que todos os atores do Poder Econômico se preocupassem prioritariamente com a questão ética – vide que o grande empresariado e que diretores de suas representações de classe, como a Fiesp, foram envolvidos em escândalos de corrupção. Alcançar as reformas era mais importante.

Na opinião da pessoa ouvida por este blog, por ter estudado a Mãos Limpas, operação italiana que inspirou a Lava Jato, o juiz Sérgio Moro sabia que se não agisse para limitar seu impacto (no caso, ao PT), espraiaria as denúncias por toda a política e contaminaria a economia, podendo levar a uma paralisação do país.

O grupo de Curitiba, porém, não é o único que usa o holofote da mídia. Cada procurador da República, por exemplo, tem independência institucional, pode agir de forma divergente dos demais. E, como foi dito anteriormente, há Jacobinos e Jacobinos, fissões e diferenças dentro desses três grupos. Como, por exemplo, as que existem entre Brasília e Curitiba, que vão se tornando mais evidentes com os desdobramentos da Lava Jato.

De acordo com esse interlocutor, a delação da Odebrecht foi a primeira que, envolvendo uma grande quantidade de pessoas com foro privilegiado, incluindo parlamentares e governadores do PSDB, inclui a Procuradoria Geral da República como um dos focos.

Segundo essa análise, o poder dado a Policiais Federais e Procuradores da República para derrubar Dilma e o PT foi tão grande que, mesmo com reclamações da Velha Política e do Poder Econômico, de que a operação poderia ”inviabilizar o país”, foi impossível colocar ”o gênio novamente dentro da garrafa após realizado o desejo”. Quando começaram a escassear cabeças do PT, começaram a corta a dos outros.

Tanto que hoje, um ministro da Justiça não tem mais ”autoridade” para trocar um diretor da PF. É mais provável, aliás, que ocorra o contrário.

O interlocutor deste blog faz uma analogia com a época da ditadura. Os militares mais moderados levaram cerca de sete anos, a partir de 1974, para controlar o pessoal com sangue nos olhos do aparelho repressivo. Segundo ele, uma vez colocado em marcha, um processo como esse não pode ser freado rapidamente. E nem tem sua extensão controlada.

Moro queria uma ação prioritariamente sobre um grupo e um prazo específico, mas isso escapou ao seu controle. E, provavelmente, ele nunca vai reconhecer isso.

Na opinião do interlocutor ouvido pelo blog, apesar do juiz federal responsável pela Lava Jato ser sempre citado como presidenciável, os Jacobinos ainda não contam com um projeto eleitoral para o país.

(Sobre isso, conversei também com um assessor da cúpula petista que lembrou que essas fissuras internas tornam os cenários mais complicados para análise e interpretação. A relação Sérgio Moro vs Demais juízes de primeira instância vs PGR vs O universo do MPF vs STF mostra que há abordagens diferentes entre os jacobinos. Diante de tanta fissura entre eles, não é nada descartável que alguns grupos busquem resolver essas diferenças através da via eleitoral. Afinal, o poder não deixa vácuo.)

Para estabilizar politicamente o impeachment, o país precisava de crescimento econômico – o que não vem de uma hora para outra, mesmo com as credibilidade de Henrique Meirelles, do Ministério da Fazenda, junto ao mercado. Ao mesmo tempo, a economia não deu à Velha Política estofo suficiente para avançar com as reformas, frustrando o Poder Econômico.

Lembrando que Temer e a Velha Política venderam ao grosso da população durante o processo que levou ao impeachment que, uma vez retirados Dilma e o PT, a corrupção acabaria e a economia melhoraria.

Mas, de repente, essa população, principalmente a mais pobre, é surpreendida com a informação que não só o desemprego continua grande e o poder de consumo segue baixo, como os novos governantes pretendem mexer em suas aposentadorias. Segundo o interlocutor, até bispo da igreja Universal pediu ao governo federal material para convencer os fiéis da importância Reforma da Previdência. ”Não dá para falar que a reforma é de Deus e a aposentadoria do jeito que tá é do diabo. O povo sabe que não.”

Parte da Velha Política e do Poder Econômico defende, agora, que derrubar Temer seria necessário para a sobrevivência do primeiro grupo e para conseguir as reformas do segundo. E parte, desconfiada, afirma que, dada à falta de opções, seria melhor esperar e ir deixando como está. Nesse sistema que se repete, o interlocutor deste blog diz que é muito baixa a possibilidade de qualquer pessoa eleita por voto direto ou indireto, de direita ou esquerda, ter força para alguma mudança nesse sistema (que gira sozinho, entre as três forças) até o final de 2018. Seja quem for.

Os Jacobinos podem reduzir sua ação através de duas formas: após chegarmos a um momento de terra arrasada na Velha Política (levando ao surgimento de um ”Salvador da Pátria” autoritário) ou uma concertação que permita um fim controlado. O que passaria por uma concordância envolvendo os diferentes grupos Jacobinos, o Poder Econômico e a Velha Política, com a participação de determinados veículos de comunicação de massa.

Pois, segundo o analista, baseando-se no modelo italiano, a Lava Jato utilizou largamente a mídia, principalmente a maior empresa brasileiro do setor, a Globo, para tornar possível o seu alcance. Mas partes da mídia também usaram a Lava Jato, segundo ele, para seus interesses e precisariam aceitar ajudar a colocar um freio no processo. Algo complexo e nebuloso. Ele mesmo questiona se chegaria o dia em que haveria um embate entre Velha Política, Poder Econômico e mídia, de um lado, e milhares de procuradores de outro.

Dado o perfil variado dos Jacobinos, o avanço persecutório não está se dando apenas contra a Velha Política, mas também contra o Poder Econômico e sua relação com corrupção. O que mostra que, mais que não ter freio, ainda é cedo e pouco previsível vislumbrar onde eles podem chegar e o que podem após a terra arrasada. Um ex-ministro petista já dizia, no ano passado, que o Brasil vive uma queda de braço entre a plena ruptura institucional (provocada por Jacobinos) e o movimento de ”conciliação”, liderado pela Velha Política e Poder Econômico – quando esses perceberam que o ”remédio” foi pesado demais para combater ”uma doença” e passou a atacar outras ”doenças”.

A dificuldade para Temer é que suas ”promessas de campanha” precisam ser entregues até o início do processo eleitoral de 2018. Ele até estava conseguindo entregar as encomendas do Poder Econômico e atuando para salvar o pescoço de alguns colegas políticos, até que veio, na esteira da delação da Odebrecht, a da JBS.

Segundo o interlocutor, o que pesou para a ação dura de Rodrigo Janot sobre Michel Temer foi o processo de escolha para Procurador Geral da República, que será feita em breve pela Presidência – cargo com possibilidade de frear ações contra a Velha Política.

Além das divisões internas desses três grupos, há aqueles que estão próximos de dois ao mesmo tempo. Segundo o interlocutor, é o exemplo de Gilmar Mendes, representante da Velha Politica no Judiciário. Que não conta com o mesmo prestígio público de antes por conta do ataque de Jacobinos contra ele e de uma cobertura intensa da mídia sobre suas tentativas de questionar ou frear o processo.

Nessa dinâmica, segundo o interlocutor, a esquerda não é um ator de peso hoje. É um espectro. Não tem capacidade de gerar mudanças reais e assiste aos enfrentamentos entre essas três forças, fazendo barulho e tentando mobilizar parcelas da sociedade.

Mas o espectro vai assustando cada vez mais membros dos outros três grupos à medida em que a crise econômica, política e institucional não se resolve. E lembra que Michel Temer, Jacobinos, Velha Política e Poder Econômico têm o prazo limite do início da campanha eleitoral do ano que vem para se acertarem ou inviabilizarem o principal representante do espectro, que para bem ou para mal, continua sendo Lula.

(*) Jacobinos eram a ala radical da Revolução Francesa que, com a radicalização do processo revolucionário, assumiram o governo em 1792, utilizando de uma política de terror para conseguir impor uma série de transformações sociais profundas e, ao mesmo tempo, expulsar a potências invasoras do país.

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