O preço de manter um “morto-vivo” na Presidência é o surgimento de monstros, por Leonardo Sakamoto

Blog do Sakamoto

É estranha a sensação de ter um ”morto-vivo político” ocupando a Presidência da República.

(Devo confessar que tenho uma certa curiosidade mórbida sobre isso. Como vive, quanto dorme, o que come Michel Temer? Como duvido que o Globo Repórter trará a resposta, só posso especular.)

Para um homem público que demonstrou em discursos uma grande preocupação com sua biografia e a forma pela qual será lembrado, Temer faz muito pouco para merecer. Desconfio que, por mais que parcelas do poder econômico façam esforço para que seja visto como um estadista, pois empunhou a bandeira das reformas que elas desejam, o grosso da população vai se referir a ele como alguém envolvido em corrupção que agradou aos ricos, passando por cima dos pobres.

Não se sabe quanto tempo permanecerá nessa condição de pós-presidente em exercício. Ao que tudo indica, isso depende de um mínimo de consenso do poder político e de anuência do poder econômico sobre quem irá substitui-lo. Para quem realmente manda no país, as Reformas Trabalhista e da Previdência, bem como a luta contra a Lava Jato, podem se reencarnar em qualquer corpo.

Esse consenso também pode não chegar e ele seguir até dezembro de 2018 – ou até o próximo escândalo. Mas, muito provavelmente, seguirá como morto-vivo político.

Claro que mortos-vivos podem ressuscitar, afinal sempre há uma cura milagrosa ou uma vacina com poderes mágicos por aí. E coerência é coisa para roteiro de série de TV, não para a política brasileira.

Mas deve ser uma sensação estranha ver seu próprio partido político te comendo enquanto você ainda respira. Não há outra forma de descrever as reuniões em residências de lideranças do PMDB para discutir como seria o próximo governo se ele for cassado, processado, destituído ou ”renunciado”.

O problema é que o povão, que não foi para a rua nem a favor, nem contra o impeachment, segundo pesquisas realizadas pelo instituto Datafolha, segue bestializado assistindo a tudo pela TV.

Ele cansou de constatar, no noticiário, todas as noites, que o cotidiano de Brasília é um filme de terror de baixo orçamento. E, inoculando-se com altas doses de cinismo, aos poucos vai deixando de acreditar nas instituições. E, não demora muito, na própria democracia.

Em um país em que parte das elites política e econômica prefere manter um morto-vivo como supremo mandatário do que apoiar a realização de eleições por voto direto (talvez por novo pleito após cassação da chapa eleitoral pelo TSE), o surgimento de monstros – que tudo devoram e nada respeitam – é uma questão de tempo.

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