Passado o impeachment, vontade popular voltou ao seu lugar: a irrelevância, por Leonardo Sakamoto

No blog do Sakamoto

Só a Reforma da Previdência consegue ser tão impopular quanto Michel Temer. É difícil, portanto, o cidadão comum entender como duas coisas que pouca gente quer continuam por aí, assombrando a vida dos outros.

Não precisa entender muito de política para saber que a ”vontade popular” só é levada em consideração quando vai ao encontro da vontade das elites política e econômica. Quando isso acontece, vemos muita gente defendendo que a ”voz do povo” seja ouvida imediatamente. Pesquisas de opinião apontando para insatisfação tornam-se mensagens sagradas que devem ser cumpridas sob risco de castigo divino. A TV transmite qualquer manifestação com meia dúzia de gatos pingados, fazendo parecer que são maiores.

Como foi o caso do impeachment de uma presidente inábil politicamente, cujas decisões ajudaram a aprofundar o Brasil em uma grave crise econômica. Mesmo que os argumentos das pedaladas e dos decretos para emissão de crédito suplementar fossem motivos frágeis para a cassação, a justificativa da ”vontade popular” foi a avalista. E mesmo que a maioria da população estivesse mais indignada com a recessão e o desemprego do que com a corrupção.

Por trás disso, claro, estava o interesse da velha política de frear a lâmina da guilhotina da Lava Jato e do poder econômico de acelerar reformas para reduzir o tamanho do Estado de proteção social – que ocorreriam em um ritmo mais lento sob um governo petista.

Hoje, apesar das diversas pesquisas que mostram que a população rechaça a Reforma da Previdência da forma como proposta pelo governo federal e que mostram que Temer só seria eleito síndico de prédio nos Jardins ou no Morumbi, ambos seguem aí.

E para tentar justificar o injustificável, analistas e grandes empresários vêm a público dizer que, agora, a população não entende o que é melhor para o país. Ou seja, após o impeachment, nos tornamos um país de ignorantes.

Com o discurso de que o Brasil fazer o que for preciso para continuar a ser viável, como se houvesse uma única alternativa, querem que cortemos na carne até o osso e além. São ”sacrifícios” necessários. O que não revelam é que as propostas em curso para a Previdência, como 25 anos de contribuição mínima para uma pessoa poder se aposentar, 15 anos de contribuição mínima para agricultura familiar ao invés de 15 anos de comprovação de trabalho, como é hoje, e aumento de 65 para 68 anos para acesso à aposentadoria especial para idosos pobres, entre outras pancadas, são um pacote injusto com quem é mais vulnerável. E ninguém inclui no pacote de sacrifícios, taxação de lucros e dividendos recebidos de empresas, correção drástica na tabela do imposto de renda, isentando a maior parte da classe média e taxação decente de grandes heranças e de grandes fortunas. Adivinhem o porquê.

Assistimos a grandes empresários exortando Temer, dizendo que a impopularidade de seu governo pode fazer com que ele nos coloque no rumo que precisamos. Em outras palavras: vai lá, Michel, cumpre nossa agenda e banana para o povaréu.

A beleza da democracia é que ela não contempla a ideia de tutela. A população tem direito de optar por um caminho que suas elites política e econômica considerem equivocado. A única ressalva é que as decisões da maioria devem respeitar a garantia da dignidade das minorias, caso contrário, teremos uma ditadura da massa e não uma democracia. Mas dignidade é coisa com que pobre tem que se preocupar mais do que rico por aqui.

Alguns estão aproveitando essa ”pausa” na democracia em que estamos vivendo para passar o que não seria aprovado em uma situação de normalidade. O mais honesto seria devolver à população a possibilidade de escolher seu presidente e também a agenda de reformas que quer ver implementada nos próximos anos.

Mas honestidade não faz muito sucesso na política e nos negócios por aqui.

 

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