Terra Indígena Morro dos Cavalos sofre novo ataque de incendiários contrários à presença Guarani Mbya

Por Renato Santana, Cimi

“Tá bem tenso aqui na aldeia”, diz Eunice Antunes Guarani Mbya.

A indígena vive na Terra Indígena Morro dos Cavalos, município de Palhoça, litoral catarinense. Na madrugada deste sábado, 5, o tekoha – lugar onde se é – Yaka Porã foi invadido e os barcos dos Guarani Mbya incendiados.

Os indígenas registraram queixa na Polícia Civil e solicitaram o encaminhamento das investigações para a Polícia Federal e Ministério Público Federal (MPF).

No último dia 3 de agosto, um homem postou nas redes sociais dois vídeos (abaixo)* onde ele está no interior da terra indígena, desacompanhado de qualquer indígena, registrando imagens de uma das casas dos Guarani Mbya.

*Captura de tela realizada após pesquisa em 07 de agosto de 2017, às 15h40.

Diz trecho do texto que acompanhou os vídeos: “Essas são as casas dos invasores que dizem ser índios, vergonha, se fosse eu já tinham colocado fogo (SIC)”. Nos comentários da postagem, outros indivíduos se posicionam: “Vamos la tacar fogo e mostrar quem manda bora galera (SIC)”. Outro indaga, incentivando: “Bora?”.

Para os indígenas, há suspeitos previsíveis para um crime que se tornou comum contra Morro dos Cavalos. No último final de semana de julho, moradores locais realizaram mais um protesto contra os Guarani Mbya – alegam que o território não é dos índios.

Conforme os Guarani Mbya, o tekoha foi invadido durante a ação. “Atearam fogo na mata e jogaram lixo também. Depois nos acusaram do incêndio, do lixo, de desmatar, sujar o rio. A mata é nossa esperança de vida, jamais faríamos isso”, explica Eunice.

A Polícia Ambiental esteve em Morro dos Cavalos e se pronunciou afirmando que o incêndio na mata foi criminoso. As investigações seguem. O fato é que o episódio se insere em um enredo conhecido, o que motivou a criação da Guarda Florestal Indígena.

“Quando a criamos para tentar impedir invasões e incêndios, os moradores da região destruíram o portão de bambu que dá acesso ao tekoha. Costumam atirar coisas também na placa da Funai que delimita a terra indígena”, diz Eunice.

Depois de tais acontecimentos, a cacique Elizete Antunes Guarani Mbya, do tekoha Yaka Porã, vê a sua situação de vulnerabilidade aumentar. Os incêndios e invasões têm ocorrido nas redondezas da casa da cacique.

“Tememos sim pela vida da cacique porque se trata de uma mulher. Não apenas uma mulher, mas uma mulher indígena. O desrespeito é muito maior. Sempre sofreu ameaças, mas agora essa gente partiu pra agressão mesmo”, explica Eunice.

A Portaria Declaratória da Terra Indígena Morro dos cavalos foi publicada definindo 1.988 hectares aos indígenas. Todavia, sofre uma ofensiva judicial por parte da Procuradoria do Estado de Santa Catarina, que deseja anular os efeitos da portaria.

Desde 2014, o imbróglio se encontra no Supremo Tribunal Federal (STF) aguardando por uma decisão definitiva. Com a morte do ministro Teori Zavascki, a relatoria do processo passou ao ministro Alexandre Moraes.

A Funai já iniciou o pagamento das benfeitorias das 74 famílias de posseiros que vivem sobre a área.

Marco Temporal       

Chega a ser icônico Morro dos Cavalos ter sido demarcada com 1.988 hectares. Ano da promulgação da Constituição Federal, 1988 se tornou um marco manipulado por ruralistas para impedir a demarcação de terras indígenas país afora.

E é exatamente o #MarcoTemporalNão (leia sobre a campanha) o principal argumento judicial da Procuradoria de Santa Catarina para tentar destruir Morro dos Cavalos. Ou seja, o povo indígena só teria direito à terra com ela sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988.

Para as lideranças Guarani Mbya, o Marco temporal passou a ser utilizado contra Morro dos Cavalos para disseminar que no local nunca houve povo indígena. “Só a ideia do Marco Temporal nos trouxe graves conflitos, nos trouxe violência”, pontua a cacique Elizete Guarani Mbya.

“Há dois anos fomos para Brasília. Levamos 30 kg de documentação comprovando a ocupação Guarani Mbya em Morro dos Cavalos. Não é possível aplicar essa tese”, diz Eunice. Durante a construção da BR-101, na década de 1960, já há registros dos Guarani Mbya reivindicando a terra.

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