Políticos que adotam uma narrativa de antagonismo a alguma coisa ao invés de apostar na construção de alternativas fazem sucesso em todo o mundo. Tornam-se ícones da reação de um naco da sociedade que se sente acuado diante das mudanças sociais e culturais que universalizam direitos e deveres.
Eles prometem proteger aqueles que foram educados em determinados princípios e valores que, finalmente, passaram a serem considerados preconceituosos e segregacionistas por conta do atual estágio da evolução humana. Afirmam que seus seguidores não estão errados ao considerar o negro, o gay e a lésbica, o migrante, a trans, como ”os outros” que não são iguais a eles, muito menos detentores dos mesmos direitos. Defendem que o mundo deve permanecer no passado e que nada precisa ser revisto para acomodar atores antes excluídos. Acreditam que Deus e o Diabo elegeram seus escolhidos.
Dizem que marchas de homens brancos com tochas na mão, exigindo a manutenção dos direitos e privilégios que eles já têm e se assumindo racistas e nazistas, como a ocorrida na última sexta (11), em Charlottesville, nos Estados Unidos, são apenas liberdade de expressão.
Ao mesmo tempo, bilhões de pessoas ao redor do mundo não foram beneficiadas pelas políticas liberais dos últimos 25 anos. Viram as economias crescerem, ricos ficarem mais ricos e seu quinhão de felicidade dessa festa nunca vir do tamanho prometido. Com isso, passaram a acreditar fácil no discurso que culpa o ”outro”, o ”de fora”, o ”diferente” por sua situação. O desconhecimento do outro torna-se medo, que deságua em ódio.
O problema é que a sociedade civil, a mídia e o poder público não foram competentes de trazer esse público para a esfera pública e ajudar a construir coletivamente a noção de que a inclusão social e o respeito à diferença não são coisas que tolhem a liberdade porém, pelo contrário, reafirmam-na.
E de que a responsabilidade pela situação da economia não é do imigrante, do refugiado, da minoria em direitos, mas do próprio sistema, que concentra, violenta e exclui. E que o discurso de ódio contra aqueles que são os mais vulneráveis é usado para domar a população, mantendo-a longe da discussão sobre mudanças no sistema que democratizem os ganhos da mesma forma com a qual os prejuízos já são socializados hoje. Para falar a verdade, parcelas da sociedade civil e da mídia nem quiseram travar esse debate.
Esses políticos possuem o aparente frescor da novidade em suas figuras, outsiders do jogo político partidário tradicional, apesar do discurso que empunham defender a permanência do mundo de sempre.
Parte da elite intelectual seja de esquerda, de centro e de direita, é vítima de uma arrogância na análise de conjuntura enviesada. Em quantas conversas nós, jornalistas, não rimos desses políticos, acreditando que a sua campanha seria fogo de palha? Não raro, tratamos como piada ou folclore figuras que sabem muito bem o que fazer e que entendem como parcelas do eleitorado estão divididas, utilizando essa percepção a seu favor. No Brasil, nos Estados Unidos, na Europa.
Por conta da extrema polarização, algumas figuras tornam-se importantes para um grupo significativo que os vê como ”aliado” diante de um ”inimigo” comum. Uma simplificação perigosa que tende a cobrar seu preço no futuro, quando constata-se – tarde demais – que a serpente que brotou do ovo morde a mão daquele que o chocou com carinho.
Tantos os trabalhistas quantos os socialdemocratas brasileiros caíram nesse canto da sereia e, hoje, lutam para sobreviver. Alimentaram corvos que comeram ou comerão seus olhos através da traição.
A democracia representativa é cheia de defeitos mas, com seus freios e contrapesos, ainda é melhor do que a tirania que pode ser imposta por pessoas que cheguem ao poder desprezando os direitos fundamentais. Porque a garantia do pacote mínimo de dignidade a minorias de direitos não deve ser feita com base em consultas de marqueteiros junto à opinião pública. Pois a massa, quando incendiada de forma ignorante, pode ser tão violenta quanto os piores ditadores e fundamentalistas religiosos.
Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos ou na Europa, a polarização política burra e a violência contra as minorias segue bem, obrigado. A polícia mata mais negros do que brancos, as bolhas sociais físicas e digitais se multiplicam, garantindo que você não conviva com o terrível contraditório, a questão ambiental é preocupação da boca para fora dos governantes.
Enquanto isso, o conhecimento superficial, suficiente para uma conversa de bar, segue sendo o mais difundido. Se o debate público fosse mais qualificado, a pessoa se sentiria motivada a ler determinados textos até para não ser humilhada coletivamente no Facebook ou no Twitter ao expor argumentos ruins, preconceituosos e superficiais.
Como já escrevi aqui mais de uma vez, o discurso violento e opressor – mais palatável e que mexe com nossos sentimentos mais primitivos e simples – ecoa e repercute. Esse discurso basta em si mesmo. Não precisa de nada mais do que si próprio para ser ouvido, entendido e absorvido. Em um debate qualificado quem usa esses argumentos toscos nem seria ouvido. Contudo, fazem sucesso na rede. Dão respostas fáceis e rápidas. Ajudam a escolher presidentes.
Cabe a todos que fazem parte do debate público a ajudar a qualificá-lo o melhor possível e não esperar para a iminência de uma catástrofe para fazer isso. O cronômetro corre para trás. E não espera o tempo da autocrítica, nem do amadurecimento de ideias. E ri da cara de quem espera uma conjuntura melhor para agir.
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Racistas e neonazistas marcham em Charlottesville, EUA. Foto: Andrew Shurtleff/The Daily Progress