De olho nas pegadas ecológicas do urânio na Bahia

Por Zoraide Vilasboas

O município de Caetité (Bahia), sede da única mina de urânio em atividade na América Latina, recebeu um grupo de estudantes da UFBA com uma missão especial. Eles foram ver as pegadas ambientais da exploração do minério e saber como é a convivência da sociedade local com as Indústrias Nucleares do Brasil (INB), dona do complexo minero-industrial produtor do concentrado de urânio, matéria prima da fonte-combustível dos dois reatores atômicos de Angra dos Reis (RJ).

Quando decidiram ir ao encontro do mundo tecnocientífico do campo nuclear sabiam que carregariam malas e mochilas cheias de interrogações sobre o resultado daquela experiência. Tinham muitas dúvidas. Em especial, se compreenderiam a realidade da mineração nuclear e seus impactos sobre a saúde pública, sobre o meio ambiente e como poderiam relacionar esta problemática com a formação acadêmica de engenheir@s sanitaristas. Viajaram com a Profa. Dra. Patrícia Borja, no âmbito do projeto da disciplina Problemas de Saúde Pública da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Rotas de informação

Quase 640 km separam Caetité de Salvador. A longa viagem foi antecedida por uma atividade na Escola Politécnica (08/07/2017) quando tratamos do Programa Nuclear Brasileiro e seus negativos impactos no Alto Sertão baiano, onde começa o ciclo de produção da energia nuclear gerada nas usinas Angra 1 e 2 (RJ).

Mostrando imagens e documentos de órgãos de fiscalização ambiental e de regulação da atividade atômica no Brasil, mostramos os prejuízos socioambientais provocados pelas atividades de mineração e beneficiamento de urânio no semiárido baiano. Tratamos também das pesquisas que vêm sendo feitas nas áreas de saúde (Fiocruz) e meio ambiente (CRIIRAD – Comissão de Pesquisa e Informação Independente sobre a Radiatividade, sediada na França). Esses estudos comprovam crescente índice de adoecimento nas comunidades que habitam o entorno da mina e contaminação em solo, água e ar.

O engenheiro físico nuclear Bruno Chareyron, diretor do laboratório da CRIIRAD, identificou falhas no monitoramento ambiental da INB, que não informa sobre a radiação gama ambiente, a deposição de poeira no solo, a contaminação do solo, da cadeia alimentar, das águas e sedimentos. Entre outras graves deficiências está o fato de analisar apenas o urânio, radio 226 e o chumbo 210 em água subterrânea. Não analisa o tório 232 e os produtos do seu decaimento, nem as cadeias de decaimento do urânio-238 e urânio-235, que contêm mais de 20 elementos radioativos.

Horizontes de conhecimento

Em Caetité, os universitários ouviram (14/07) o secretário do Sindicato dos Mineradores de Brumado e Região Lucas Mendonça relatar sua convivência pessoal como empregado da INB por mais de dez anos. Os estudantes ficaram muito impressionados com a experiência de Lucas, que depois de tentar buscar internamente (e inutilmente) com dirigentes da estatal, solução para as irregularidades e desmandos gerenciais, decidiu entrar na diretoria do Sindicato e se aproximar dos movimentos sociais. Sua atuação foi fundamental em vários episódios, como o “levante popular” que tentou evitar o desembarque em Caetité das 97 toneladas do rejeito nuclear, transferidas de Aramar, base da Marinha sediada em Iperó (SP). Vítima de um dos mais cruéis crimes trabalhistas registrados na Bahia, ele contou como as denúncias de assédio moral e corrupção na gestão da INB, levadas à Justiça do Trabalho por sua iniciativa, renderam multas, afastamentos de cargos e mesmo demissão de dirigentes da estatal.

O rumo da manhã de sábado (15/07) foi Maniaçu, sede do distrito onde fica a mineração para um reconhecimento do seu entorno e contato com comunitários das adjacências da mina. Os estudantes não foram autorizados a visitar a empresa. Mas, através das cercas que demarcam o maior latifúndio da região, puderam ter uma visão do complexo nuclear. E tiveram uma boa e esclarecedora conversa com a agente de saúde, Helenilde Cardoso, de Riacho da Vaca, sobre as preocupações e o medo das comunidades que vivem expostas à radiação ionizante. Ou seja, foram à fonte avistar e ouvir o que fosse possível sobre a ação da INB na tríplice fronteira dos municípios de Caetité, Lagoa Real e Livramento.

Veredas de conflitos

Na tarde do mesmo dia, o destino foi o auditório da Prefeitura Municipal para uma “roda de conversa” com representantes de movimentos sociais, populares e poder público sobre temas socioambientais. Assessor do atual prefeito Aldo Gondim, Yalen Sacramento, referiu-se aos prejuízos social, econômico e moral que a região vem sofrendo. Criticando a falta de transparência e sonegação de informações pela INB, avaliou a atual direção da empresa como “mais dura que a anterior. Não há diálogo, e o poder público é alijado do processo”.

Yalen afirmou que, desde a chegada da empresa, a cidade convive com uma série de situações esdrúxulas, como o aterramento de uma aguada e o fechamento de uma estrada pública, usada pela população. “Devido à falta de responsabilidade gerencial e incompetência técnica da INB, a comunidade local está sendo obrigada a dar um giro de vários quilômetros para chegar a Maniaçu. Como o prejuízo foi muito grande, a prefeitura abriu a estrada. A INB voltou a fechar”. A discórdia foi parar na Justiça.

A secretária municipal de Meio Ambiente Italva Cunha apontou as dificuldades que vem enfrentando ao se deparar com várias questões graves, como a tentativa da Bamin de construir uma barragem de rejeitos da mineração de ferro em área que abriga importantes nascentes da região.

O jovem Vinicius Montalvão falou sobre a atuação do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) criado em 2012, fruto do enfrentamento de conflitos mineiros em vários estados brasileiros. O MAM debate a política minerária na perspectiva da construção de um novo modelo de mineração para o Brasil, democrático, mais humano e menos lucrativo.

Representando a Embasa, Carlos Paulo da Silva e Carla Bacelar falaram do esforço empreendido pela empresa para responder aos desafios de universalizar o saneamento básico, especialmente o fornecimento de água potável e esgotamento sanitário na região.

Trilhas da esperança

A turma retornou com novas indagações sobre suas possibilidades de atuação a partir de uma dimensão mais humanizada, mais ética, percebida ao ouvirem depoimentos sobre a conflituada convivência com a INB. As possibilidades abertas agora passam pela determinação e opção de cada um. Foi o que deram a entender os estudantes Tila Silvany e Rafael Brasileiro em suas falas de agradecimento e a positiva avaliação do contato que tiveram com o castigado sertão baiano.

Trilhando esta inspiração, a professora Patrícia deixou no ar, dividindo com tod@s, um enorme sentimento de esperança de que seremos capazes de fazer as mudanças que o Brasil, em crise, precisa. Destacou a importância do reconhecimento pela Prefeitura de Caetité de que é urgente a reativação do Conselho Municipal de Meio Ambiente. “É importante que aconteça este diálogo com a sociedade, pois nós conquistamos a democracia nas instituições públicas e não dá para deixar só o executivo batalhar por interesses que são da coletividade. Por ai a gente vai fazer, costurar e as coisas vão acontecendo. Quero dizer que hoje somos um pouquinho de toda esta vivência que tivemos aqui e daqui saímos cheios de gente misturada com a gente. Por uma Engenharia Popular e Solidaria”!

Imagem: Da experiência pedagógica tão rápida, porém intensa, os estudantes voltariam com as malas e bolsas repletas de outros saberes e informações.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

onze − três =