Por que Temer acha que não precisa dar satisfação ao povo?, por Leonardo Sakamoto

No blog do Sakamoto

”Eu converso com quem eu quiser, na hora que eu achar mais oportuno e onde eu quiser”, afirmou Michel Temer, em entrevista a Kennedy Alencar exibida veiculada pelo SBT, sobre as críticas por receber pessoas fora de sua agenda. ”Acho que precisa acabar com essa história de que não pode conversar com as pessoas.”

Antes de mais nada, isso me lembra as respostas birrentas que a gente dava na escola quando a professora reclamava que estávamos tumultuando a aula. ”Eu falo com quem eu quiser, tá?”. Para equiparar o comentário do excelentíssimo ao nível do proferido por Joãozinho, mancebo da segunda série do ensino fundamental, faltou apenas um ”cala boca já morreu, quem manda na minha boca sou eu”.

Ninguém quer tolher as conversas do ocupante da Presidência da República. Bem, talvez só aquelas que tratem da compra de votos de deputados para enterrar denúncias de corrupção contra ele. E também as que versam sobre a distribuição de cargos para premiar quem votou para salvar o seu pescoço. E as que fecham acordo de perdão bilionário ao agronegócio em troca do apoio da bancada ruralista. E talvez os diálogos com grandes empresários com promessas de rifar os direitos dos trabalhadores em troca de mais apoio. E aquelas jogando fora a proteção ao meio ambiente e a dignidade dos povos tradicionais. Tirando isso, ele pode falar o que quiser.

A questão é transparência. Não é favor um mandatário informar à população com quem fala, quando fala e onde fala. Isso é o que se espera em uma República. Políticos, empresários, trabalhadores, sociedade civil, todos podem demandar uma audiência com um presidente, governador, prefeito ou parlamentares a fim de apresentarem demandas dos grupos dos quais participam. O que não pode acontecer é isso ser feito em porões e na surdina.

O que tem ocorrido com irritante frequência sob Michel Temer e amigos.

Se ele quiser se encontrar com correligionários em um cemitério, à meia noite, no Dia de Todos os Santos, beleza. Particularmente, acredito que uma reunião às 17h na sede do governo aguce menos a criatividade na cabeça das pessoas. Mas isso também deve estar na agenda, com antecedência, de preferência com o assunto que será tratado.

Faz parte do jogo democrático que grupos articulem politicamente, através do diálogo ou da pressão, pela mudança ou manutenção de leis ou a execução de ações que beneficiem seus representados. O que não faz parte é isso envolver somas de dinheiro ou troca de favores para que políticos, partidos e funcionários públicos coloquem o Estado a serviço de quem quer que seja.

Como a atividade de lobby e a função de lobista infelizmente não são regulamentadas no Brasil, ela existe nas sombras. Cada autoridade recebe quem quer, da forma que achar melhor, promete a mãe em troca de apoio para eleição ou reeleição, sem que isso passe por uma prestação de contas à sociedade. E essa falta de transparência ajuda a criar monstros como os escândalos de corrupção. A sociedade só descobre determinadas relações quando elas já drenaram os cofres públicos.

Regulamentar o lobby significa dizer o que se pode e o que não se pode fazer nesses encontros. E estipular formas de publicizar obrigatoriamente seu conteúdo.

Um dono de frigorífico visitou o presidente da República? Que seja colocada na página oficial o motivo da reunião, os presentes e o conteúdo do que foi discutido, precedida do aviso em agenda. Um representantes do setor das telecomunicações foi tomar chá com biscoitos com o ministro da área? Que fique claro quanto tempo durou e o que foi discutido no encontro além do sabor dos amanteigados, se escoceses ou dinamarqueses. Um outro do setor automobilístico conversou com um presidente de comissão da Câmara dos Deputados? Quem, quando, como, onde, o que, por que e com quem disponíveis no site do parlamento sem demora.

E se alguém não publicar a informação estaria incorrendo em falta grave, passível de punição à empresa, ao grupo representado ou ao político ou funcionário público envolvido. E todas as atividades poderiam ser fiscalizadas e, em caso de desvio de conduta, serem alvo de investigação, processo público e condenação dos envolvidos.

Por fim, quando Temer diz que se encontra com quem quiser, é verdade. E ele quer sempre se encontra com grandes empresários e o mercado financeiro, mas raramente com trabalhadores.

As cúpulas do governo Temer e de sua base de apoio no Congresso Nacional preferem frequentar reuniões com grandes produtores rurais, grandes industriais, grandes comerciantes, exportadores, importadores, instituições financeiras ou com suas associações de classe. Encontros com rega-bofes, ar condicionado e manobristas terceirizados com gravatinha.

As reformas implantadas por eles criam graves problemas para a vida do povão e facilitam a vida dos supracitados. Então, lógico, Temer e amigos escondem-se atrás de aplausos efusivos de entidades de classe empresariais e evitam um papo-reto com quem vai entregar mais um teco do seu quinhão de dignidade pelo ”bem comum”.

Seria muito esperar do mandatário que fosse se encontrar com a massa amorfa pobre para dizer que ela terá que suar mais a camisa em nome de um projeto de país, que pouco se importa se ela vive ou morre. Podia ser à noite, nos finais de semana, a qualquer momento.

E como não tem coragem de falar com a xepa diretamente, o governo federal contrata campanhas publicitárias em veículos de comunicação e em redes sociais para tentar convencê-la de que uma vida de merda é uma boa vida.

Só não achem que, diante desse falatório, o silêncio da população é consentimento. Está mais para algo entre a raiva e a perda de fé.

 

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