Falta transparência sobre os impactos da lama da Samarco no ecossistema, afirma pesquisador da UFES

por Maurício AngeloMiniver

Renato Neto é um dos pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) responsáveis pelo mais completo estudo feito até o momento sobre os impactos da lama da Samarco no Rio Doce, que foi entregue em julho ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio.

Neto manifesta preocupação com a concentração de metais encontrada, em especial o chumbo, que pode causar danos na coordenação motora e no aprendizado e diz que falta apoio para pesquisa, não existe planejamento de longo prazo e, por consequência, a transparência das informações para a população fica comprometida. Confira a entrevista exclusiva com o pesquisador da UFES sobre estas e outras questões:

Miniver – Qual a concentração de metal encontrada no estudo que mais te preocupa?

Renato Neto – O elemento que mais me preocupa é o chumbo, vimos um aumento de concentração rápida em função da lama que chegou. O chumbo causa vários problemas para a coordenação motora e já existem artigos científicos que relacionam o QI de crianças a exposição ao chumbo. Quanto mais expostas, pior se saem na escola. O contato permanente com o chumbo pode causar problemas de saúde mental futuramente. É sempre uma questão ambiental que precisa ser estudada e conhecida.

Miniver – Que tipo de risco imediato a população corre?

Neto – Além do chumbo, alguns metais podem causar problemas na pele como irritação, um deles é o cromo. Encontramos alta concentração de cromo, mas não alta suficiente para falar com toda certeza que as pessoas terão esse problema no contato. O problema maior é quando os metais entram na cadeia alimentar e a população ribeirinha, pescadores, podem consumir esses peixes diariamente, por isso pesquisadores da PUC estão fazendo a análise do cabelo da população para verificar os possíveis efeitos.

Miniver – Mesmo com todas as análises e estudos feitos até agora, é razoável dizer que os impactos dos rejeitos no Rio Doce, afluentes e em toda a costa marinha afetada ainda são desconhecidos e que durarão por décadas?

Neto – Hoje nós já temos uma ideia do que aconteceu principalmente na região estuarina – ambiente aquático de transição entre um rio e o mar – que é onde mais atuamos. Óbvio que mais estudos são necessários para que tenhamos uma visão completa, então ainda existem muitas perguntas a serem respondidas. A ciência, por mais avançada que esteja, usa metodologias que demoram chegar a resultados. Quando falamos de meio ambiente, temos muitas variáveis desde precipitação, a vazão do Rio, ventos, maré, correntes, é difícil de prever. Por isso os dados atuais são importantes para sabermos o que aconteceu e como a lama se comportou até o momento.

Miniver – A Samarco e a Fundação Renova agiram em tempo hábil e da maneira adequada para conter danos e assistir a população impactada? Quais as perspectivas para o Rio Doce e os impactos da pluma no Oceano?

Neto – O que foi feito poderia ser feito de uma maneira mais rápida. No caso da disponibilização de recursos, fazer pesquisa é muito caro. Começamos a fazer análise com recursos próprios, usando reagentes que havia nos laboratórios, mas que rapidamente foram consumidos.  Aí você acaba dependendo de um projeto pequeno ali, outro ali e não dá continuidade. O ideal é termos uma equipe multidisciplinar permanente coletando dados do Doce e do oceano em diferentes momentos para oferecer informações transparentes para a população.

Miniver – Vocês tem recebido o apoio necessário do poder público e da Samarco para realizar o trabalho?

Neto – Falta um planejamento de pesquisa, mas também social a longo prazo. Isso ainda não está em andamento. O que existem são iniciativas isoladas de projetos diversos que não conversam entre si, o que acaba comprometendo o âmbito geral de análise e a qualidade da informação que chega até o público.

Miniver – A costa do ES tem a maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul, algo ainda pouco conhecido pela maioria da população. Como essas características únicas e tamanha biodiversidade estão sendo afetadas pela lama? Corre-se o risco de extinção de espécies?

Neto – O ES é um laboratório a céu aberto em termos de biodiversidade de ambientes marinhos diferentes, manguezais, estuários, praias do sul ao norte, uma cadeia montanhosa submarina, essa biodiversidade rica, única.  Por isso a gente precisa saber o real impacto. Em relação a biodiversidade: já observamos uma diminuição do fitoplancton no momento agudo, nas primeiras semanas da chegada da lama, agora tende a normalizar. Porém a lama ainda está no leito do rio e a concentração de metais tem aumentado com a chuva.

Miniver – Poucos lembram que o Banco de Abrolhos começa de fato na foz do Rio Doce e que, além da biodiversidade, tem a área mais extensa de recifes de coral do Brasil e o maior banco de algas calcárias do mundo. Nos últimos 30 anos, o mundo já perdeu 50% dos corais por fenômenos de extinção em massa, aumento de temperatura dos oceanos e branqueamento. A previsão é que mais de 90% dos corais esteja extinta nos próximos 30. Como os rejeitos da Samarco devem impactar nesse processo?

Neto – O impacto de fato foi muito grande: aumentou os níveis de quase todos os contaminantes que analisamos, compostos orgânicos, metais, nutrientes. Nossa preocupação maior é os metais entrarem de fato na cadeia alimentar, algo que laboratórios que analisam peixes e outras espécies já tem confirmado.

Sabemos que um aumento da turbidez e de material na coluna da água podem sim causar impacto negativo nos corais, mas este é outro ponto que precisa de mais estudos. Estamos justamente elaborando uma proposta para o monitoramento de vários pontos em Abrolhos para verificar isso e trazer estas respostas.

Miniver – Paulo Rosman, professor de Engenharia Costeira da COPPE/UFRJ e autor de um estudo encomendado pelo Ministério do Meio Ambiente, afirmou em novembro de 2015, logo após o crime da Samarco, que o Rio Doce “iria ressuscitar em 5 meses”, que “os efeitos no mar serão “desprezíveis” e que o material se espalhará por no máximo 9 km e que em poucos dias a coloração barrenta deve se dissipar”. Previsões que obviamente não se confirmaram. Como vocês avaliam a posição de pesquisadores que se prestam a este tipo de estudos encomendados pelo MMA e vários outros pela Samarco, contradizendo fortemente os estudos independentes? Há uma guerra de informação travada pela empresa e associados?

Neto – Não conheço a metodologia aplicada pelo pesquisador citado, mas o que aconteceu  logo após o rompimento da barragem é que muitas pessoas queriam respostas rápidas e a tendência é fazer previsões que são muito difíceis de serem feitas por envolver muitas variáveis. Não existe modelo 100% certo. Acho que o principal erro é que ninguém esperava o tamanho de grão que era composta essa lama. É um tamanho de grão muito fino que se sustenta na coluna da água por muito tempo, só isso já provoca um erro muito grande em qualquer previsão.

É difícil prever o futuro. Confio em todos os cientistas a priori, não acho que exista má fé, mas erro ou engano. Se existir alguém pensando em fazer mal uso dos dados, será desmentido porque muitas universidades federais e particulares vieram até o Rio Doce e coletaram amostras para análise. É difícil um único relatório ir de encontro a uma informação que vai estar vinculada a vários grupos de pesquisa.

Miniver – A Samarco afirmou que a situação do Rio Doce já era precária em função de ser afetado por poluição, seca e que esta seria “oportunidade de recuperar o rio, deixando-o até melhor do que estava antes”. Que avaliação você faz desse tipo de comentário?

Neto – É bem sabido que nós não cuidamos bem dos nossos ambientes. A bacia do Rio Doce tem cerca de 3 milhões e meio de habitantes e é uma bacia maltratada, sim. Porém, dada sua extrema importância, não deveríamos depender de um problema desse para que o governo e as empresas fizessem uma proposta de recuperação. Faltam ações de médio e longo prazo, independente da tragédia.

Acesse aqui o relatório completo.

Outras conclusões do estudo

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