O Povo Guarani ocupa a Secretaria da Presidência em São Paulo

Em Índio é nós

Na manhã desta quarta-feira (30/08), o povo Guarani ocupou o prédio da Secretaria da Presidência da República em São Paulo, na Avenida Paulista, 2163.

A ação antecipa um ato público em defesa da Terra Indígena Jaraguá, marcado também para hoje (30/08), às 17h, com concentração no Vão do Masp.

Os Guarani exigem a imediata revogação da Portaria 683 do Ministério da Justiça que anulou a declaração da Terra Indígena Jaraguá.

Exigem ainda a revogação do parecer 001/2017 da Advocacia Geral da União que pode afetar todos os processos de demarcação de terras indígenas.

 

Carta do Povo Guarani

O povo Guarani ocupou hoje a casa da Presidência em São Paulo, porque o Governo Temer invadiu no último dia 21/8 a nossa casa, a Terra Indígena Jaraguá.

Temer também invadiu a nossa casa em Brasília que é a Funai, colocando ruralistas lá dentro.

Não sairemos daqui até que seja revogada a Portaria 683 do Ministério da Justiça, que rouba nosso direitos sobre nossas terras tradicionais no Jaraguá.

Temos mais de 700 indígenas, a maioria crianças, vivendo em cinco aldeias na Terra Indígena Jaraguá. 600 guaranis serão despejados com essa decisão genocida. Para onde Temer acha que nós vamos? O governo quer nos matar?

Essa decisão serve apenas para agradar o Governo Alckmin que quer vender nossas terras e privatizar o parque do Jaraguá, que nós sempre protegemos.

Também exigimos a revogação do parecer 001/2017 da AGU, com o qual Temer quer cancelar as demarcações de todos os parentes em todo Brasil, para dar nossas terras para os ruralistas.

Fora Temer, da nossa casa! Saímos da sua casa quando vocês saírem da nossa.

Aguyjevete pra quem luta!

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Ato em defesa da demarcação da Terra Indígena Jaraguá e contra as medidas anti-indígenas do governo Temer

Hoje, quarta-feira (30), às 17h, no Vão do MASP, Avenida Paulista em São Paulo, a Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), conjuntamente com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), convoca ato em defesa da demarcação da Terra Indígena Jaraguá e contra as medidas anti-indígenas do governo Temer que podem afetar todos os processos de demarcação de Terras Indígenas do país.

Através da Portaria 683/2017, publicada na segunda-feira (21) o Ministro da Justiça, Torquato Jardim, anulou a declaração da Terra Indígena Jaraguá, de ocupação tradicional do povo Guarani-Mbya. Essa medida é vista por organizações indígenas e indigenistas como um movimento claro do Governo Temer no sentido de iniciar uma avalanche de atos para cancelar demarcações já realizadas.

Mesmo após os ministros do STF, por oito votos a zero, terem reafirmado o caráter originário e imprescritível dos direitos indígenas sobre suas terras, Temer ainda mantém o Parecer 001/2017 da Advocacia Geral da União que tenta obrigar toda a administração pública federal a aplicar indistintamente a tese do marco temporal e as condicionantes do processo da TI Raposa Serra do Sol.

A portaria de Torquato Jardim anula a Portaria 581/2015 que declarava 532 hectares de ocupação tradicional na Terra Indígena Jaraguá. Atualmente, cerca de 700 indígenas, mais da metade deles crianças, vivem nas cinco aldeias espalhadas pelo território e algumas delas correm o risco de sofrer reintegrações de posse. Apenas 1,7 hectare, a menor área indígena demarcada do país, foi regularizado em 1987.

Diante das medidas que afetam todos os povos indígenas do Brasil, o ato de quarta-feira (30) na Avenida Paulista reivindica a imediata revogação do Parecer 01/2017 da AGU assinado por Michel Temer e a imediata revogação da Portaria n° 683 para dar continuidade ao processo de demarcação da Terra Indígena Jaraguá. Veja divulgação do ato nas redes sociais.

Mais informações:

A população guarani que reside na Terra Indígena Jaraguá, noroeste do município de São Paulo, divisa com Osasco, é de cerca de 700 pessoas que se distribuem hoje em cinco aldeias: aldeia Ytu, aldeia Pyau, aldeia Itakupe, aldeia Ita Vera e aldeia Ita Endy.

A TI Jaraguá foi reconhecida inicialmente na década de 1980, mas foi então regularizada com apenas 1,7 hectare, configurando-se como a menor área indígena do país. A falta absoluta de espaço é o detonante de inúmeros problemas sociais e culturais. A situação dos guarani do Jaraguá foi extremamente agravada pela construção da Rodovia dos Bandeirantes, inaugurada em 1978 sem qualquer consideração à presença indígena. A estrada suprimiu parte de suas áreas de ocupação tradicional.

Em 2002, por fruto da luta das lideranças indígenas, iniciou-se um processo para delimitação dos limites do território dentro dos padrões estabelecidos pela Constituição Federal de 1988. Os artigos 231 e 232 da constituição garantem os direitos dos povos indígenas às terras que tradicionalmente ocupam, o que inclui as áreas de habitação, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

Após longos anos, no dia 30 de abril de 2013, a Fundação Nacional do Índio aprovou e publicou no Diário Oficial da União (Portaria FUNAI/PRES N° 544) os resultados dos estudos técnicos que reconhecem 532 hectares como limites constitucionais da Terra Indígena Jaraguá, incluindo as aldeias atualmente ocupadas, e as áreas necessárias para a reprodução física e cultural do grupo.

De acordo com o Decreto Presidencial nº 1775, que regulamenta o processo de demarcação de Terras Indígenas no país, abre-se, a partir da publicação desses estudos, período de 90 dias para que os interessados apresentem contestações administrativas. Houveram três manifestações de contestantes ao processo de identificação e delimitação da TI Jaraguá que foram respondidas pela Funai. Nenhuma destas contestações foi do Governo do Estado de São Paulo, que apesar de ter sido formalmente notificado, pede a anulação da demarcação alegando não ter participado do processo.

Dando sequência ao processo de demarcação, em 29 de maio de 2015 o Ministério da Justiça publicou a Portaria 581/2015 que declarou os 532 hectares da TI Jaraguá como de ocupação tradicional do povo Guarani Mbya. A Portaria 683/2017, também do Ministério da Justiça, anula a portaria anterior.

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Entenda os processos na justiça

Entrevista do Instituto Socioambiental com Bruno Morais, da assessoria jurídica da Comissão Guarani Yvyrupa

ISA – A portaria do ministro Torquato Jardim cita decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) e alega que o Estado de São Paulo não foi ouvido no processo. Por que essas ações questionam a demarcação da TI?

Bruno Morais – O Jaraguá enfrentava três ações contrárias ao processo demarcatório. Duas eram Mandados de Segurança, que corriam no Superior Tribunal de Justiça, e um deles [MS 22086-DF] foi proposto pelo Estado de São Paulo, com a alegação de que ele teria direito de ter participado do procedimento administrativo – e que a demarcação teria sobreposto quase a totalidade do PES Jaraguá, o que não é verdade. A sobreposição pega 56% do Parque. O espólio de Antonio Pereira Leite, que é um dos supostos proprietários de um terreno onde está o Tekoa Pyau, ingressou também com um Mandado de Segurança [MS 22472-DF] no STJ, pedindo a suspensão da portaria declaratória, com base na ideia do marco temporal e da proibição da atualização dos limites da TI. Essas duas ações obtiveram liminar, no final de 2015, antes de ser ouvida a União e a própria Funai – e sem a presença da comunidade indígena no processo. A comunidade indígena pediu a habilitação no processo. Ela foi concedida, mas o mérito nunca foi julgado.

ISA – Existem outras decisões judiciais sobre o caso?

BM – A portaria do ministro faz referência a um recurso contra uma dessas ações [SS 5108-DF] que teria tramitado no STJ, que ficou paralisado no Supremo e teve uma decisão do Ricardo Lewandowski, que indeferiu o pedido, mas ficou carecendo de julgamento final. Assim, nenhum dos processos citados na portaria tem mais do que uma liminar: nenhum tem sentença final, nenhum foi encerrado. A portaria [683/2017] ignora a existência de um terceiro processo, ingressado diretamente no Supremo, por um dos proprietários que incidia sobre a demarcação, o [ex-deputado] Tito Costa, sobre o Tekoa Itakupe, área que foi ameaçada de despejo. Ele ingressou com o Mandado de Segurança em 2016 e levou um estrondoso “não” do [ministro do STF] Dias Toffoli, que, para além de dar uma decisão dizendo que Mandado de Segurança não servia para questionar demarcação de Terra Indígena, diz que todos os indícios que existiam naquele processo [de demarcação] apontavam pela tradicionalidade da Terra Indígena e não o contrário. Esse processo [MS 33821-DF] foi julgado finalmente e a liminar foi confirmada no plenário do Supremo – mas o Ministro da Justiça omite essa informação da portaria e cita três processos que não têm decisão final.

ISA – Se as decisões não são definitivas, qual seria a motivação do Ministro da Justiça para revogar a portaria declaratória?

BM – A única resposta que existe para essa questão é uma resposta política, porque juridicamente não existe motivo para revogar uma portaria declaratória. Pelo contrário: existem vários motivos para não revogar. Existe um princípio no direito administrativo – da economia ou da razoabilidade do processo – que diz que o processo administrativo não pode andar para trás; ele só pode andar pra frente. Além disso, o Decreto 1775/96 não concede competência para o Ministro da Justiça revogar uma portaria, então a revogação também fere o princípio da legalidade. Para além disso, existe um princípio maior nos direitos fundamentais: direitos humanos ou fundamentais não podem retroceder, só andar para a frente em sua implementação. Então não há qualquer justificativa jurídica que conceda legalidade à revogação dessa portaria.

Das motivações instadas pelo Ministro da Justiça, nenhuma se sustenta juridicamente. No próprio procedimento administrativo da Funai, há uma farta documentação que desmonta a argumentação do ministro. Se olharmos o procedimento da Funai, vemos que a Funai repetidas vezes notificou o Estado de São Paulo, chegou a fazer reuniões com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente até que essa Secretaria recebeu um parecer jurídico da Procuradoria Geral do Estado, orientando todos os órgãos estaduais a parar de fazer contato com a Funai. Quer dizer: o Estado deliberadamente se ausentou do procedimento administrativo de demarcação, para alavancar uma justificativa jurídica para sua anulação. Isso revela a verdadeira motivação dessa portaria [de anulação].

ISA – Para viabilizar o projeto de concessão privada dos Parques Estaduais (PES) do governo?

BM – Desde o advento da portaria [do Ministério da Justiça], o Secretário de Estado do Meio Ambiente [Ricardo de Aquino Salles] tem dado entrevistas e repercutido o assunto dizendo: “Que bom que a portaria foi revogada, porque agora a gente vai conseguir destravar o processo de privatização do PES Jaraguá”. Esse projeto de privatização dos parques vem sendo tocado desde o início sem consulta às comunidades indígenas – que inclusive têm assento no Conselho Gestor da Unidade [de Conservação] – e está completamente associado à judicialização da demarcação do Jaraguá. O que demonstra a motivação política do governo federal, uma troca de favores com o governo do Estado. A motivação é política e tem ficado cada vez mais clara toda vez que o Secretário do Meio Ambiente abre a boca. Ele inclusive tem dito que o PES Jaraguá não pode conviver com os Guarani e que ele vai reassentar a comunidade indígena a partir de um acordo com a comunidade. Isso é completamente ilegal.

Imagem: Guarani ocupam Secretaria da Presidência na Av. Paulista em SP|Luiza Calagian/ISA/Comissão Guarani Ivyrupa

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