Janot pede a saideira: A ironia de denunciar Temer ao lado de Joesley, por Leonardo Sakamoto

Blog do Sakamoto

Michel Temer odeia Joesley Batista que odeia Michel Temer. E após a conversa pouco republicana entre os dois, nos porões do Palácio do Jaburu, vir a público, transformando a vida do supremo mandatário num inferno, a troca de ofensas de ambos pelos veículos de comunicações e redes sociais tem sido frequente.

Contudo, quis o destino – esse fanfarrão – que as vidas dos dois se reencontrassem em um momento melancólico. A Procuradoria-Geral da República denunciou Joesley, nesta quinta (14), junto com Temer e demais membros do chamado ”Quadrilhão do PMDB”. Envolvendo a cúpula do partido na Câmara dos Deputados, o esquema de corrupção teria sido responsável por vender facilidades ao setor empresarial, cobrando propinas em negócios que envolveram estatais e órgãos públicos.

O destino contou, claro, com a ajuda de indícios de omissão e manipulação da delação dos controladores da JBS à Justiça descobertos graças, entre outros motivos, à incapacidade de Joesley de usar um gravador comum – produzindo evidência contra si mesmo. Com isso, Rodrigo Janot decidiu revogar a imunidade penal dos delatores – que estão presos temporariamente em Brasília.

Também estão na cadeia outros membros do ”Quadrilhão do PMDB”, conforme investigação da Polícia Federal, como Geddel Vieira Lima, Henrique Eduardo Alves e Eduardo Cunha. A denúncia usa elementos fornecidos pelos controladores da JBS e pelo corretor de valores Lúcio Funaro.

Temer está sendo denunciado, agora, por obstrução de Justiça e organização criminosa. A primeira denúncia, por corrupção passiva, foi barrada graças a um comércio a céu aberto de votos na Câmara dos Deputados, em que emendas, cargos e, principalmente, apoio para a aprovação de leis e perdões de dívidas rolaram soltos.

A Feira Livre da Câmara dos Deputados deve ser instalada novamente assim que o ministro Edson Fachin encaminhar a denúncia para ser analisada pelos parlamentares. Que devem apelar novamente para a economia. Já que ela dá alguns sinais de melhora (graças ao sacrifício monstruoso da parte mais pobre da população, diga-se de passagem), será usada como a desculpa para manter tudo como está. Afinal, corrupção só é um problema nacional quando é responsabilidade do PT.

Independentemente de tudo isso, em um país em que tanta coisa não faz sentido, não deixa de ser um alento ver o procurador-geral da República denunciar simultaneamente a pessoa que conspirou pelo posto político mais importante do Brasil (nem estou entrando no mérito da eterna discussão impeachment vc golpe) ao lado do dono da maior empresa de proteína animal do mundo (que chegou a ter uma bancada de congressistas para chamar de sua e foi envolvida em denúncias de redes de produção relacionadas a desmatamento ilegal, trabalho escravo e outros problemas sociais).  São os dois lados de uma mesma moeda que muitos gostam de esquecer. Pois não existe corrupção apenas com políticos, o setor privado é tão importante ou mais no processo.

Dificilmente a derradeira denúncia do procurador-geral da República contra Michel Temer irá afastá-lo do cargo para que seja julgado pelo Supremo Tribunal Federal. O Brasil pode estar quebrado, mas Temer vai continuar oferecendo aos parlamentares e seus patrocinadores o país tem de sobra, que é o futuro de sua gente. Promessas de apoio para mudanças de leis, regras e normas serão novamente colocadas à mesa, rifando a qualidade de vida dos trabalhadores e das populações mais vulneráveis, além do futuro das próximas gerações. Isso sem contar que, na ausência de opção melhor, sua saída não é está na pauta de empresários e do mercado – que lucra com as reformas redutoras de direitos sociais que ele tem conseguido aprovar

Ou seja, é remota a chance de ver um reencontro de Michel Temer e Joesley Batista em um banho de sol na Papuda.

(Veio-me à cabeça, agora, uma das alegorias do inferno: uma salinha fechada em que dividimos espaço com nosso pior inimigo pela eternidade.)

Mas, recorrendo a outra figura de linguagem que também adoro, o cinismo, não acho improvável que, daqui a um tempo, os dois, livres, leves e soltos, ainda dividam o mesmo espaço em algum rega-bofe de um grande empresário qualquer. E, de longe, cumprimentem-se com os olhares e façam um discreto brinde à capacidade de esquecimento do Brasil.

Espero estar enganado, mas a História insiste em dizer que não estou.

Em tempo: Falando em ironia e cinismo, é impossível não citar a mensagem ridícula que o prefeito de São Paulo João Doria mandou ao ministro da Fazenda Henrique Meirelles. Diante do convite do PSD, partido do ministro, para que ele seja seu candidato à Presidência da República no ano que vem e o murmurinho que isso gerou em alguns círculos da direita liberal, o prefeito reclamou. Pediu a Meirelles que ”não se contamine pela questão política”. Segundo ele, ”não é hora, nem tempo para isso”. É quase nonsense que Doria, em plena pré-campanha para a Presidência da República, viajando o Brasil e o mundo para tanto, cobre de Meirelles que fique fora do jogo político. Mais direto apenas se ele dissesse ”ministro, tenha modos e não me atrapalhe”.

Rodrigo Janot pede a saideira a Michel Temer. Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

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