Promotor de SP afirma ter sido irônico ao chamar negros de “catinguentos”

No Justificando

Pessoas negras são “catinguentas” e costumam não tomar a quantidade certa de banhos diários, por isso acabam “fedendo mais do que o recomendável”. Essas e outras frases foram escritas pelo promotor de Justiça José Avelino Grota de Souza, que decidiu compartilhar essas conclusões em um grupo do Ministério Público de São Paulo (MP-SP). Diante da repercussão do fato, Grota, bem como colegas seus de Ministério Público, afirmaram se tratar de um texto com uma série de ironias, mas ainda assim houve intenso debate.

O contexto tratava sobre um debate acerca da utilização de uniformes brancos por babás em alguns clubes de São Paulo. Avelino, então, teria lançado um texto de forma a supostamente criticar a diferenciação. Ao fazer, no entanto, lançou mão dos seguintes trechos:

“(…) Pobre não tem dinheiro sequer para se vestir direito, e suas roupas, assim, são também feias, o que agrava a situação estética de quem as usa. Pobre, ademais – e isso é notório -, costuma ser negro”, escreveu. E continuou: “Negro no sentido lato da classificação, o que inclui, além de que é preto, o vasto contingente de pardos, dos mais clarinhos aos mais escurinhos. E negro, como todos sabem, tem o péssimo costume de não dar muita atenção à higiene – tanto do corpo quanto da roupa”.

Para justificar o uso de roupas brancas por babás, Avelino diz que “(…) a cor branca reflete o calor do sol, em vez de absorvê-lo. É por isso que negro, em geral, é catinguento, porque sua muito e, não tomando a quantidade diária certa de banhos, acaba fedendo mais do que o recomendável“.

O texto foi publicado entre os dias 25 e 26 de agosto e somente nesta terça-feira (3) o promotor procurou se retratar. Avelino diz que o episódio foi uma “ironia pura, sarcasmo” e que a postagem tem origem no caso das babás. Além disso, afirmou que Fausto Macedo, primeiro jornalista a divulgar o texto, fez um recorte de forma a descontextualizar o que foi dito.

Em nota ao jornal Estado de S. Paulo, ele afirma ainda que tem 26 anos de carreira no MP e que ainda este mês deve ser promovido a procurador. Grota fez uso de argumentos nada relevantes para o caso, como, por exemplo, o fato dele ser do interior e não da capital.

Despreparo com questões estruturais

A atitude do promotor, no entanto, mostra mais uma vez o despreparo do sistema de Justiça brasileiro com questões estruturais, de acordo com a ativista negra e feminista, Joice Berth“Primeiro porque se justifica dizendo que não pode ser racista porque é do interior, como se racismo tivesse demarcação geográfica definida. Segundo porque desconhece totalmente o significado do racismo enquanto estrutura social mantida por relações de poder e hierarquia ‘racializada’, da qual inclusive ele se beneficiou”, explica.

Já sobre a ironia, Joice é cirúrgica: “ele chama de ironia, de piada, a massificação dos estereótipos desumanizadores que pessoas negras sofrem, como consequência das dinâmicas que atuam no sistema racista, do qual ele obviamente faz parte. Como mulher negra e pesquisadora das questões raciais, afirmo que é racismo e aconselho que ele faça jus à posição que tem e estude a respeito, recorrendo a vasta literatura sobre o assunto, inclusive de colegas brilhantes de profissão, como o Dr. Adilson Moreira, por exemplo.”

Veja o print das mensagens publicadas no Blog do Fausto Macedo:

 

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Íntegra da resposta de José Avelino Grota

Fonte: Estadão

O promotor de Justiça José Avelino Grota, do Ministério Público de São Paulo, disse nesta terça-feira, 3, que usou o grupo fechado MP/SP Livre para ironizar o arquivamento da investigação sobre a exigência do uso de uniforme branco para as babás de um clube da elite paulistana. “Foi ironia pura, sarcasmo.”

“A postagem tem origem no caso das babás. Houve instauração de um inquérito civil na Promotoria dos Direitos Humanos em 2016. Os clubes paulistanos entraram com recurso junto ao Conselho Superior do Ministério Público contra a instauração do inquérito civil. O Conselho, à época, por margem estreita, creio, deu razão ao clube, trancando o inquérito.”

“Foi uma decisão controversa. Um dos membros do Conselho era membro da diretoria de um clube. Em 2017, com a nova composição do Conselho Superior, o inquérito foi retomado. Os clubes ingressaram com Mandado de Segurança no Órgão Especial do Tribunal de Justiça. Esse mandado teve seu curso este ano. O Órgão Especial deu razão aos clubes, cassando a nova decisão do Conselho Superior do Ministério Público. O inquérito voltou a ser trancado. A decisão não transitou em julgado, ainda. Houve ou haverá recurso do Ministério Público tanto ao Superior Tribunal de Justiça quanto ao Supremo Tribunal Federal.”

“Esses fatos geraram muita discussão dentro desse grupo fechado (MP/SP Livre), só composto por promotores e procuradores de Justiça.”

“Desde o início eu sempre defendi a iniciativa dos colegas da Promotoria dos Direitos Humanos. Eles têm razão. Existe uma sugestão, uma suspeita que, de fato, há um certo preconceito ou discricionariedade excessiva dos clubes exigindo uniforme branco (para as babás) e isso poderia constituir algo ilícito.”

“Tanto que logo que houve a publicação da notícia sobre a decisão do Tribunal de Justiça eu postei a decisão e disse lá ‘até imagino o que a posteridade vai dizer dessa decisão, talvez não seja algo muito diferente das razões que fundamentaram a escravidão, o preconceito’.”

“Na sequência disso publiquei esse texto crítico, entre 25 e 26 de agosto. Um texto ácido, sarcástico, irônico.”

“Eu procuro fazer uma crítica aos que, de alguma maneira, defendem a obrigatoriedade do uniforme branco, como expressão de preconceito racial ou racismo.”

Fui assessor do dr. Marrey (Luiz Antonio Marrey, ex-procurador-geral de Justiça) e do dr. Filomeno (José Geraldo Brito Filomeno, também ex-procurador-geral). Eu tenho a cor parda. Pelos critérios do IBGE eu sou negro. No Censo do Ministério Público me identifiquei como negro. Seria uma insanidade… óbvio que fiz uma ironia.”

“Ocorre que esse texto foi divulgado para fora do grupo, mas pelo que estou sabendo o que foi divulgado é apenas o post, o meu texto seguido de duas ou três mensagens de colegas que publicaram ali. O próprio post tem muito mais mensagens. Nessas mensagens está claro que é uma ironia da minha parte.”

“Dentre as pessoas que curtiram o meu texto está o ex-corregedor-geral José Peirão Rodrigues. Ele curtiu. O dr. Peirão é uma pessoa acima de qualquer suspeita. O que ocorreu foi que esse vazamento se deu um mês depois. Coincidentemente, na mesma semana, um colega do grupo, evidentemente de má fé, me representoou na Procuradoria-Geral de Justiça e à Corregedoria, pela prática de racismo. Um colega que é membro desse grupo, portanto, com acesso a todas as postagens, imputou a mim racismo e falta funcional. Ele juntou na representação o mesmo texto divulgado no meu post e duas mensagens. Mais nada. Houve uma seletividade dele na representação aos órgãos superiores.”

“Reitero que fiz uma ironia, um sarcasmo. Eu sou do interior, não tem a mínima razoabilidade achar que eu cometi racismo. No sábado passado fiz um texto contando o que aconteceu. Um colega, o Marcelo Oliveira, me defendeu. Recebi a adesão de mais de 80 colegas do grupo, todos compreenderam que, obviamente, era uma ironia da minha parte.”

“O próprio dr. Peirão disse que o colega que representou fez um ato de mau caráter.”

“Eu não posso dizer, afinal não sou leviano, que a pessoa que representou contra mim na Corregedoria e na Procuradoria-Geral de Justiça foi a mesma que vazou (o post). É claro que não vou apagar as mensagens, imagina, não tem cabimento. Até porque, ao fim dessas investigações, vou procurar, a tempo e modo e se entender que é o caso, tomar medidas legais necessárias.”

“Tenho 26 anos de Ministério Público. Ainda este mês devo ser promovido a procurador. Há quatro anos atuo perante o Tribunal de Justiça, designado na Procuradoria Criminal.”

 

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