93% das amostras de leite no sul da Bahia têm resíduos de agrotóxico

Biólogo que estuda a relação entre os venenos e o leite define antibiótico como agrotóxico; para ele, sociedade corre risco ao não classificar dessa forma os produtos veterinários

Por Izabela Sanchez – De Olho nos Ruralistas

Biólogo, José Luiz Paixão descreve um sonho: o dia em que as análises do leite produzido no Brasil incluírem os produtos veterinários. Professor do Instituto Federal Sudeste de Minas Gerais (IFMG), no Campus Muriaé, ele participou em setembro de uma audiência na Câmara sobre o nível de contaminação de agrotóxicos nos alimentos. O alerta do pesquisador? Resíduos acima do normal de um antibiótico – que ele considera agrotóxico – em 93% das amostras de leite.

A informação sobre a pesquisa, uma dissertação de mestrado feita em 2012 no sul e no sudoeste da Bahia, acabou divulgada nas últimas linhas de uma notícia da Agência Câmara. O título do texto seguiu caminho oposto ao das observações do professor, pesquisador do Programa de Doutorado em Ciências Veterinárias na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ): “Pesquisa mostra que 99% das amostras de alimentos estão dentro do limite permitido”.

Em entrevista ao De Olho nos Ruralistas, Paixão – que pesquisa o tema desde 1998 – afirma que os perigos estão sendo subestimados. Ele explicou por que a contaminação de venenos no leite deveria mobilizar a sociedade mas é, hoje, completamente invisível:

De Olho nos Ruralistas – O senhor descreveu, na audiência na Câmara, uma situação crítica na Bahia. O que acontece por lá?

José Luiz Paixão – Uma pesquisa realizada por Ana Prudência Assis Magnavita, em 2012, demonstrou que o leite pasteurizado comercializado nas regiões Sudoeste e Sul da Bahia estava com resíduos de antibióticos acima do Limite Máximo de Resíduo (LMR) permitido pela legislação, sendo que 93% das amostras continham resíduos de oxitetraciclina e 30% continham resíduos de tetraciclina.

De Olho – O senhor discorda da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] quanto ao nível de agrotóxicos nos alimentos considerados “fora de perigo”?

Paixão – Não sei se a Anvisa considera que os níveis de resíduos nos agrotóxicos estejam “fora de perigo”. Discordo e discordarei sempre de qualquer pessoa ou instituição que venha a considerar que qualquer quantidade de resíduos de venenos em alimentos esteja fora de perigo. Principalmente quando não se conhecem os efeitos da intoxicação crônica pelos referidos venenos.

De Olho – Essa ausência de preocupação não se contradiz com as diversas pesquisas que alertam para os riscos em quase todos os tipos de alimentos?

Paixão – Claro que sim, qualquer pessoa, em seu juízo normal e dotada de um mínimo de bom senso, reconhece que veneno em alimento representa risco à saúde e à qualidade de vida. O maior problema que enfrentamos, nesses casos, é a desinformação das pessoas, para que elas possam escolher, com conhecimento de causa, o alimento que vão consumir.

De Olho – O que hoje deveria nos preocupar com relação ao leite?

Paixão – Com a não classificação dos produtos veterinários como agrotóxicos, o que os retira da lista de alimentos analisados no âmbito do Para (Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos), da Anvisa. As pesquisas demonstram que há resíduos de agrotóxicos no leite de várias regiões do país e, mesmo assim, esse perigo continua sendo subestimado. Outro problema é a desinformação dos agricultores, o que leva à subestimação do perigo por eles também. Minha experiência como extensionista da Emater-MG e minha origem familiar – sou filho de agricultor familiar – me proporcionaram um contato muito próximo com agricultores familiares, o que me credencia a afirmar que muito poucos ou quase nenhum produtor de leite respeitam o período de carência dos produtos veterinários. Eles utilizam o leite antes que os animais possam metabolizar os produtos, como recomendam os fabricantes.

De Olho – Que tipo de venenos são mais encontrados nesse alimento e quais as consequências para a nossa saúde?

Paixão – Na maioria das pesquisas encontramos relatos de resíduos de antibióticos e de parasiticidas. As consequências dependerão da quantidade de veneno ingerida pela pessoa, através do leite. Uma delas é a intoxicação aguda, aquela sentida logo após a ingestão do alimento contaminado, e que levará a pessoa a procurar ajuda imediata pelos sintomas característicos de intoxicações ou intoxicação crônica, onde os resíduos dos venenos se acumulam no organismo, desencadeando problemas de saúde diversos ao longo da vida, dependendo do grau de sensibilidade da pessoa. Algumas pesquisas vêm confirmando o nexo causal, ou seja, o vínculo de determinadas doenças com o contato da pessoa com determinado veneno.

De Olho – Quais locais têm, hoje, a situação mais crítica?

Paixão – Infelizmente não dispomos de dados no Brasil como um todo para afirmar qual a região mais exposta, mas algumas pesquisas alertam para o Paraná como região muito afetada. Estamos iniciando uma pesquisa sobre as intoxicações por agrotóxicos na Zona da Mata de Minas gerais, onde nosso instituto está inserido, mas ainda estamos no início.

De Olho – Como enxerga a indústria de laticínios?

Paixão – É uma das mais importantes para a economia do país, pois está na ponta de uma cadeia produtiva que gera e mantém muitos empregos, principalmente no campo. Não vejo a indústria de laticínios como a principal responsável pelas intoxicações ou pela presença dos resíduos de venenos no leite. Alguns casos, porém, nos alertam para os perigos de contaminação do leite pelas indústrias, o que precisa ser acompanhado de perto pelos órgãos responsáveis. Sonho com um dia em que as análises de rotina, realizadas pelos laticínios, no momento do recebimento do leite in natura, na plataforma, incluam os resíduos de produtos veterinários.

 

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