Katsaliamana: 300 dias de protesto pacífico da etnia Wayuú na Colômbia

Por Olga Mendoza, no Combate Racismo Ambiental

No dia 7 de outubro de 2017, mais de 80 autoridades tradicionais Wayuú, líderes indígenas das comunidades Wiwa e Kankuamos da Serra Nevada, Awa do Nariño, pessoas do campo e afrodescendentes das comunidades de Tabaco e Matitas, comemoraram os 300 dias de protesto pacífico no território ancestral de Katsaliamana, na Guajira, Colômbia, perto da via do trem que diariamente transporta as 32 milhões de toneladas de carvão ao ano que a empresa “El Cerrejón” extrai do território, com a aprovação e proteção do Estado colombiano.

Na reunião, os líderes Wayuú repudiaram o massacre dos nove camponeses em Tumaco, e também manifestaram o temor e a falta de garantias que os indígenas sentem na defesa dos seus territórios, os acordos de La Habana e a defesa dos direitos humanos das comunidades indígenas, afro e camponeses na Colômbia.

O movimento Nación Wayuú nasceu no dia 7 de dezembro do ano 2016 para reclamar ao Estado colombiano o respeito da “Consulta Prévia” que deve ser feita com as comunidades antes de iniciar qualquer projeto mineiro. Eles também pediam a recuperação da autonomia territorial e o retorno da água como meio fundamental para garantir a independência alimentar. Todos estes pedidos para eles poderem retornar aos métodos tradicionais de vivência e sobrevivência e assim parar o assistencialismo de Estado, que tem gerado nas comunidades debilidade e vulnerabilidade nas suas decisões como povo originário.

A crise social, ambiental e ecológica que vivem as comunidades tem sido originada pela alteração dos seus métodos tradicionais de vida, que sofreram com a chegada das multinacionais e indústrias de extração mineira -não só El Cerrejón, mas também Chevrón, Promigás, Turkish, e Big Group. Todas estas empresas têm sangrado e tentam continuar a sangrar os recursos naturais e os territórios que são fonte de subsistência e supervivência das comunidades ancestrais.

Frente todas estas circunstâncias, as comunidades foram levadas a pedir ajuda para as instituições do Estado e ONGs nacionais e internacionais, provocando um prejudicial assistencialismo, que também não consegue responder as necessidades de uma etnia que se encontra em perigo de desaparecer pela transformação social, cultural e econômica que tem sofrido pela extração de carvão, gás, petróleo e, num futuro próximo, energia eólica.  Todas estas extrações amparadas pelas medidas econômicas e políticas que têm violentado os seus direitos humanos, dados os deslocamentos coagidos, a poluição e o esgotamento dos recursos naturais dos quais eles dependem para viver.

A morte dos menores de idade é um problema que está acontecendo há vários anos no departamento da Guajira, especialmente pela falta de acesso á água, o que também tem gerado a falta de seguridade e soberania alimentar, provocando mais de 37.000 casos de desnutrição severa e mais de 5.000 crianças mortas pelo mesmo motivo, tal como demostram as cifras dos informes da Defensoria do Povo e as denúncias das comunidades indígenas. Até o dia de hoje as comunidades continuam denunciando a ausência de água, detrimento dos recursos naturais, falta de alimentos e deterioração da economia sustentável que lhes permita continuar com os seus métodos tradicionais de subsistência. Todos estes reclamos levam anos, desde a chegada da indústria mineira na região.

Ao não receber resposta por parte do Estado, as autoridades tradicionais decidiram ficar na frente da luta, e é assim que têm permanecido por 300 dias: em resistência.

No transcorrer destes 300 dias, várias vezes estiveram perto de abandonar a luta. No mês de Janeiro, por falta de recursos para continuar, várias das autoridades decidiram dissolver o protesto. Mas a senhora María del Rosario Ruiz Ipuana, do território de Katsaliamana, que desde o começo foi quem acolheu os líderes, falou para eles: “Vocês chegaram até aqui ao meu território no dia 7 de dezembro para criar este movimento de resistência e luta, e agora vocês me deixam sozinha. Mas eu fico aqui, embaixo deste pau, e se eu morrer por favor me enterram embaixo da linha ferroviária, no meu território ancestral”.

As palavras dessa mulher tocaram fundo aqueles que tinham decidido abandonar a luta, e foi então que alguns ficaram do seu lado para acompanhá-la.

Mas não só a falta de recursos ameaçou o movimento. Dias antes de cumprir dois meses de resistência, o pessoal do Ministério do Interior aproximou-se e pediu para as lideranças abandonarem o protesto. Logo depois, algumas das ameaças foram de morte e chegaram assinadas pelo grupo “Los Rastrojos”. Inclusive pessoal da empresa “El Cerrejón” aproximou-se do território e pediu para eles abandonarem o lugar. Apesar disso, os líderes ficaram ali, mas no dia cinco de fevereiro a polícia (Esmad) chegou ás onze horas da noite ao lugar.

“Chegaram a nos jogar fora que nem animais e levaram as redes, as panelas, os telefones e o dinheiro que a gente tinha nas mochilas” disse Maria del Rosario Ruiz, uma das lideranças tradicionais. Além disso, esse dia o ESMAD lançou gás lacrimogêneo e usou de força desmedida contra as lideranças, mulheres e crianças que se achavam nesse momento na “enramada”, aprisionando também seis lideranças e um menor de idade.

Desde esse momento vários líderes têm recebido ameaças e inclusive atentados contra sua vida. Além disso, no mês de maio receberam uma denúncia por “Perturbação à propriedade privada” por parte da empresa El Cerrejón, onde a polícia ordenava que abandonassem o território ancestral. A demanda finalmente não chegou a se realizar devido à persistência dos líderes e ao apoio internacional de defensores de direitos humanos.

Apesar de tudo isto, as autoridades permanecem para exigir o compromisso que o governo tem desde o ano 2014 com as comunidades para esclarecer com “El Cerrejón” a forma como foi dada a expansão da licença ambiental para a mina. De outro lado, eles ficam, e ficarão até cumprir a Sentença T 704 de 2016, na qual a Corte Constitucional “ordena à empresa ‘El Cerrejón’ levar a cabo um plano imediato para mitigar os danos ambientais, sociais e culturais na zona”. Pelo anterior, a seguinte ação é pressionar por uma mesa de concertação para a reparação dos danos por parte da empresa.

É uma responsabilidade social dos colombianos e de todos os defensores de direitos humanos no mundo fazer o seguimento, verificação e apoio á povoação Wayuu, para atingir o cumprimento desta ordem constitucional.

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