PGR considera inconstitucionais os incentivos fiscais para os agrotóxicos

Por João Alfredo Telles Melo

A Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, no último dia 17 de outubro deste ano, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.553, emitiu parecer pela inconstitucionalidade das cláusulas primeiras (em parte) e terceira do convênio ICMS 100/97 do CONFAZ (conselho nacional de política fazendária) e do decreto federal 7.660/11 (depois substituído pelo decreto 8.950/16), dispositivos estes que concedem benefícios fiscais aos agrotóxicos.

A referida ADI foi apresentada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e se fundamenta nos princípios constitucionais do Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado (art. 225 da CF), do Direito à Saúde (art. 196) e da Seletividade Fiscal (arts. 153, §3º., I e 155, § 2º., III, da CF).

A Procuradora-Geral, em bem fundamentado parecer de 46 laudas (que vale a pena ser lido e estudado), não só acolheu os pedidos e o embasamento da ação proposta, como trouxe mais elementos tanto de ordem fática, como doutrinária e jurisprudencial.

Cito, apenas, aqui, rapidamente, alguns pontos da ementa do parecer de Raquel Dodge:

– “O ordenamento constitucional, internacional e infraconstitucional demonstra a preocupação com a utilização dos agroquímicos impondo severas restrições à produção, registro, comercialização e manejo, com vistas à proteção do meio ambiente, da saúde e, sobretudo, dos trabalhadores” (item 6);

– “Os instrumentos tributários impugnados percorrem o caminho inverso, eis que, ao estipularem benefícios fiscais aos agrotóxicos, intensificam o seu uso e, portanto, sujeitam o meio ambiente, a saúde e a coletividade dos trabalhadores aos perigos inerentes ao manuseio em larga escala […]” (item 7);

– “O magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal inclina-se a dar preferência ao direito ao meio ambiente, quando necessita ponderá-lo com outros interesses coletivos […]” (item 9);

– “Ao fomentar a intensificação do uso de agrotóxicos, o Estado descumpre importante tarefa de extração constitucional, referente à preservação do meio ambiente e afronta diretamente a melhor compreensão do princípio constitucional do poluidor-pagador” (item 10);

– “Portanto, o incentivo fiscal endereçado aos agrotóxicos traduz prática contrária aos ditames constitucionais de proteção ao meio ambiente (CR, art. 225) e à saúde (CR, art. 196), sobretudo dos trabalhadores” (item 11);

Conclui a Procuradora Geral sua ementa com o seguinte posicionamento: “PARECER POR CONHECIMENTO DA AÇÃO E PROCEDÊNCIA DO PEDIDO”.

Nossa luta agora, junto com a ABRASCO (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), que ingressou no processo como amicus curiae ao lado do PSOL, é garantir que a Suprema Corte acolha o parecer favorável do PGR e possamos acabar com essa imoralidade que são os benefícios fiscais aos agrotóxicos.

Peço licença para dizer da minha alegria e satisfação por mais esse passo na luta em defesa da Natureza, da Justiça socioambiental e do Direito Ambiental. Essa felicidade, eu diria, é tripla: como ambientalista (ecossocialista), como filiado ao PSOL e, em especial, como professor de Direito Ambiental.

Aqui, um pouquinho da história: no ano de 2014, desafiei (no bom sentido da palavra) uma orientanda minha do curso de Direito da UNI7 (Geovana Marques) a fazer sua monografia de conclusão de curso sobre a inconstitucionalidade dos incentivos fiscais aos venenos agrícolas, o que ela aceitou de pronto. A Professora Raquel Rigotto, coordenadora do núcleo Tramas/UFC e uma das maiores pesquisadoras sobre os agravos dos agrotóxicos, funcionou como co-orientadora. Depois, um grupo de pesquisadores do Tramas e de advogados da RENAP – Rede Nacional dos Advogados e Advogadas Populares (além de mim e da Geovana, cito, dentre tantos colegas e com o risco de esquecer alguém e cometer injustiça, a advogada Talita Furtado e o advogado Cláudio Silva) se reuniu  para a apresentar uma minuta de peça, que foi levada à direção nacional do PSOL. O partido, por seu presidente, Luiz Araújo, acolheu a ideia, e repassou para o advogado André Maimoni, que foi responsável pela redação final de peça jurídica da ação de inconstitucionalidade.

É claro que desse processo e dessa luta  maior, muitos outros sujeitos, militantes e movimentos sociais e ambientais (muitos dos quais organizados  na Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida) – fazem parte. Mas, entre todos, duas pessoas têm que ser lembradas e homenageadas in memorian: José Maria do Tomé, líder camponês assassinado com 25 tiros em 2010 por sua luta contra a pulverização aérea em Limoeiro do Norte – Ceará, e Vanderlei Matos, que morreu muito jovem vitimado por câncer causado pelo uso intensivo e prolongado dos agrotóxicos no seu ambiente de trabalho. É por eles, por suas viúvas e filhos, pela natureza, pelas atuais e futuras gerações que estamos nessa luta!

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