Por Márcio Falcão, Felipe Recondo, Guilherme Jardim Duarte, no Jota
Os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso travaram um duro embate na sessão plenária desta quinta-feira (25/10) do Supremo Tribunal Federal. Em resposta à acusação de que teria soltado o ex-ministro José Dirceu no caso do mensalão e que teria sido advogado de bandidos internacionais, Barroso acusou o colega de mudar a jurisprudência de acordo com réu e ter leniência com o crime do colarinho branco. “Isso não é Estado de Direito. É estado de compadrio. Juiz não pode ter correligionário”.
Segundo Barroso, Gilmar destila ódio o tempo inteiro, não julga, não fala coisas racionais, articuladas e está sempre com raiva. Gilmar devolveu: Então, presidente, tenho este histórico, e realmente na Segunda Turma que eu sempre integrei, temos uma jurisprudência responsável, libertária e não fazemos populismo com prisões.”
Barroso disse ainda que Dirceu – preso e condenado na Lava Jato – deixou a prisão por decisão da Segunda Turma, composta por Gilmar. “Ele só está solto porque a Segunda Turma determinou. Não transfira para mim a leniência que vossa excelência tem com o crime do colarinho branco.”
A discussão começou durante o voto de Gilmar na Ação Direta de Constitucionalidade (ADI) 5763, que questionava a extinção e incorporação da corte de contas municipais ao Tribunal de Contas do Ceará. Gilmar criticava a maioria formada no plenário para considerar legal a medida. “Estamos legitimando decisão de faroeste. Não tem nada a ver com Estado de Direito. Não se trata de fechar quitanda, mas uma instituição”, disparou.
Ao contextualizar, o ministro citou decisões polêmicas da Corte como a que derrubou a emenda que alterou o regime de pagamento de precatórios e lembrou ainda a questão do uso de depósitos judicias pelo Rio. A citação provocou reação de Barroso, que é fluminense, e provocou o colega dizendo que ele deveria estar fazendo referência a Mato Grosso, estado dele, onde “está todo mundo preso”.
Gilmar retrucou dizendo que Barroso, quando chegou ao Supremo foi responsável por soltar o ex-ministro José Dirceu no mensalão do PT. A alfinetada era uma referência ao voto dele no caso dos embargos infringentes, quando o Supremo aceitou o recurso e derrubou o crime de formação de quadrilha de réus.
A presidente do STF, Cármen Lúcia, tentou interromper o bate-boca lembrando que os dois colegas estavam no plenário do Supremo. A ministra ainda se manifestou ao final do embate dizendo que ninguém faz populismo, como dizia Gilmar. “O Supremo Tribunal faz julgamentos”.
Barroso e Mendes travam, desde que o primeiro chegou ao tribunal, um embate permanente. Barroso tornou-se uma espécie de contra-ponto a Mendes. E Mendes não esconde as críticas ao colega. Ao contrário, sempre que tem oportunidade, expõe publicamente ressalvas à postura e aos votos do ministro Barroso.
Barroso, quando o tema precatórios estava na pauta do STF, sugeriu que os estados seguissem o modelo do Rio de Janeiro e usassem parte dos depósitos judiciais para quitar as dívidas. Mendes sempre criticou, severamente, a proposta. E lembrou na sessão de hoje a sugestão de Barroso, ressaltando que a situação fiscal hoje do Rio de Janeiro não é exemplo para nenhum estado do país.
Assim como Joaquim Barbosa há 8 anos, Barroso criticou o que considera “leniência” de Gilmar Mendes ao julgar denúncias contra políticos. Há 8 anos, Gilmar Mendes bateu-boca com Joaquim Barbosa e o acusou “populismo judicial”. Repetiu a mesma crítica hoje ao criticar Barroso.
Leia o embate:
Gilmar Mendes: “Não estou fazendo nenhuma ironia. Não sei para quem hoje o Rio de Janeiro é modelo. Mas à época se dizia ‘devemos seguir o modelo do Rio’. Eu mesmo sou relator de processo contra depósitos judiciais e mandei sustar as transferências ao Rio. A prova de que falta criatividade ao administrador é o caso do Rio de Janeiro. Citar o Rio como exemplo …
Barroso: Vossa Excelência deve achar que é Mato Grosso, onde está todo mundo preso.
Gilmar: Não, é o Rio de Janeiro mesmo (ironiza). No Rio não estão
Barroso: Nós prendemos, tem gente que solta.
Gilmar: Solta cumprindo a Constituição. Vossa excelência, quando chegou aqui soltou Zé Dirceu.
Barroso: Ele recebeu indulto.
Gilmar Mendes: Não, não, não. Julgou embargos.
Barros: Então, eu gostaria de dizer que o José Dirceu foi solto por indulto da presidente da República. Vossa Excelência está fazendo comício que não tem nada a ver com tribunal de contas do Ceará. Vossa Excelência está queixoso porque perdeu o caso dos precatórios e está ocupando tempo do plenário com um assunto que não é pertinente para destilar este ódio constante que Vossa Excelência tem. E agora o dirige contra o Rio. Vossa Excelência deveria ouvir a última música do Chico Buarque: ‘a raiva é filha do medo e mãe da covardia’. Vossa Excelência fica destilando ódio o tempo inteiro. Não julga, não fala coisas racionais, articuladas, sempre fala coisa contra alguém, sempre está com ódio de alguém, com raiva de alguém. Use um argumento.
Cármen Lúcia interrompe: Peço que voltássemos ao caso.
Gilmar: Só queria lembrar que o caso dos embargos infringentes de José Dirceu foi julgado aqui [em plenário]. E se dizia que o mensalão era um caso fora da curva.
Barroso: Zé Dirceu permaneceu preso sob minha jurisdição. Inclusive, revoguei a prisão domiciliar porque achei imprópria. E concedi a ele indulto com base no decreto aprovado pela presidente da República porque ninguém é melhor nem pior do que ninguém. Portanto, apliquei a ele a lei que vale para todo mundo. Quem decidiu foi o Supremo. Aliás, não fui eu. Porque o Supremo tem 11 ministros. E, portanto, a maioria entendeu
Gilmar: Então não venha, então não venha…
Barroso: Entendeu que não havia o crime. E depois ele cumpriu a pena e só foi solto por indulto e mesmo assim permaneceu preso porque estava preso por determinação da 13ª Vara Criminal de Curitiba. E agora só está solto porque a Segunda Turma determinou que ele fosse solto. Portanto, não transfira para mim esta parceria que Vossa Excelência tem com a leniência em relação à criminalidade do colarinho branco.
Cármen: estamos no plenário do Supremo.
Gilmar retoma voto sobre extinção do tribunal de contas dos municípios do Ceará. Ao final, retoma o embate:
Quanto ao meu compromisso com o crime de colarinho branco, presidente, tenho compromisso com os direitos fundamentais. Fui presidente do Supremo Tribunal Federal, que inicialmente liderou o mutirão carcerário. São 22 mil presos libertados, e era gente que não tinha sequer advogado. Não sou advogado de bandidos internacionais [referência ao caso italiano Cesare Battisti].
Barroso: vossa excelência vai mudando a jurisprudência de acordo com o réu. Isso não é estado de direito. É estado de compadrio. Juiz não pode ter correligionário.
Gilmar: Tenho esse histórico e, realmente, na Segunda Turma temos jurisprudência responsável e libertária, e não fazemos populismo.
Cármen: Ninguém faz, ministro. O Supremo Tribunal faz julgamentos.
Márcio Falcão – De Brasília
Felipe Recondo – De Brasília
Guilherme Jardim Duarte – De São Paulo
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Ilustração: Duke