Bento Rodrigues é hoje um cemitério de casas abandonadas

Na época da tragédia morreram cinco pessoas no local, que teve parte de seu território engolido por mais uma barragem de contenção

Mateus Parreiras – Enviado especial EM

Barra Longa e Mariana – A lama e os rejeitos de minério de ferro que inundaram cerca de 80% do território de Bento Rodrigues, o subdistrito de Mariana mais devastado pelo rompimento da Barragem do Fundão, em 5 de novembro de 2015, aos poucos vão sendo encobertos por mato. Mamonas e arbustos de folhas verdes, alguns com espinhos, gradualmente se alastram entre as edificações demolidas pela força do tsunami de rejeitos que desalojou 225 famílias e matou, somente ali, cinco pessoas: Emanuely Vitória, de 5 anos, Thiago Damasceno, de 7, Antônio Prisco, de 73, Maria das Graças Celestino da Silva, de 64, e Maria Elisa Lucas, de 60. 

Somente a lama que endureceu nas ruas não sustentou raízes de mato, deteriorando-se das placas grossas de material granulado com cheiro de ferrugem para um pó fino, roxo, que se desprende em nuvens à mais leve brisa ou rodopia como redemoinhos, atravessando os quarteirões devastados.

O único ruído que se escuta nas ruínas de Bento Rodrigues é o do vento e de eventuais veículos que cruzam a estrada de terra do outro lado do vale. Acima de Bento, as máquinas da Samarco rolaram pedras e compactaram solo numa altura de 11 metros sobre o Córrego Santarém para formar a barragem do dique S3.

Essa estrutura se ergue sobre as casas como uma muralha capaz de reter 2,9 milhões de metros cúbicos de rejeitos minerários. O lago que se formou tem a função de receber a lama e os restos de minério de ferro e contê-los dentro do reservatório.

A estrutura se tornou um atrativo para muitos pescadores que invadem a área interditada pela Coordenadoria Municipal de Defesa Civil (Comdec) de Mariana para lançar suas iscas com varas de bambu ou jogar tarrafas e redes.

Abaixo, o vale do Córrego Santarém se tornou um outro lago, o chamado Dique S4, que chega até o encontro com o Rio Gualaxo do Norte. Foi esse reservatório que cercou Bento Rodrigues, engolindo as pequenas fazendas que existiam abaixo da Capela de São Bento, assim como parte de um antigo curral de pedras e do muro do século 18 do auge do Ciclo do Ouro.

Seguindo o Rio Gualaxo do Norte por mais seis quilômetros, entre os esqueletos da mata ciliar que morreu seca e áreas desbastadas pela força da lama, chega-se a Paracatu de Baixo, o segundo povoamento mais devastado pelo rompimento. Cerca de 120 famílias tiveram de deixar suas casas e atualmente se encontram em moradias alugadas pela Fundação Renova.

O cenário de Paracatu é silencioso como Bento Rodrigues, lembrando de certa forma um cemitério formado pelas ruínas das casas destruídas. A escola do povoado e a Igreja Santo Antônio são as edificações de maior destaque, e ainda exibem as marcas de seis metros de altura, testemunhas da passagem da onda de lama por suas paredes.

O templo foi fechado e cercado por tapumes de zinco. O colégio fica aberto e em cada sala de aula o momento do desastre foi congelado, petrificado pela lama que endureceu solidificando carteiras, armários, mesas, livros e cadernos dos estudantes.

Contudo, aqui e ali aparecem esporadicamente alguns dos ex-habitantes de Paracatu que não se conformam com o que ocorreu e – a cada folga que têm de suas atividades na sede do município de Mariana –, aproveitam para passar o dia na sua terra. Um deles, o caseiro Roberto Carlos de Paula, de 60, diz regressar ao povoado pelo menos três vezes por semana.

“Não aguento ficar em Mariana. Lá não posso nem plantar uma horta. Sempre que posso pego um ônibus e volto para Paracatu. Aqui é a minha casa, o lugar onde tinha minha família, meus vizinhos, cuidava do time de futebol. É triste ver tudo destruído, mas dói ainda mais ter de ficar longe”, conta.

Mais adiante, cerca de 20 quilômetros seguindo o rio, as marcas da destruição se instalaram na parte baixa do povoado de Gesteira, em Barra Longa. A Igreja Nossa Senhora da Conceição ainda exibe nas suas paredes as marcas do soterramento.

Ao lado, as estruturas da casa paroquial, da escola e de duas habitações ainda com móveis petrificados ficaram imersas em um matagal que cresce atrás de cercas de arame farpado erguidas para impedir o acesso de curiosos e ladrões. Foram 20 famílias atingidas em oito residências. A parte alta da comunidade não foi impactada e recebeu uma escola nova com quadra poliesportiva.

O município afetado com mais avanços em termos de reparos e reconstrução é Barra Longa. A lama que chegou à cidade carreada pelo Rio do Carmo, do qual o Rio Gualaxo do Norte é afluente, soterrou a praça principal da cidade e inundou várias casas, lojas e terrenos. Segundo a Fundação Renova, foram 113 casas e 38 pontos de comércio afetados por 157 mil metros cúbicos de rejeitos – algo como 26 mil caminhões. Parte desse material foi removido e estocado na área onde funcionava o Parque de Exposições e um dos campos de futebol da cidade.

Essa remoção e as reformas apagaram muitos dos vestígios da passagem da lama. Mas há imóveis que não foram demolidos ainda com lama e também casas antigas com vidros quebrados, interditadas. Vinte e três quintais estão sendo recuperados, todos pertencentes a imóveis que tinham fundos para o Rio do Carmo e foram devastados, perdendo hortas e pomares. Nesses locais, a Fundação Renova ainda trabalha na recuperação dos terrenos.

Imagem: Mariana/MG – Ruínas de casas do distrito de Bento Rodrigues, que foi destruído pela lama da Barragem do Fundão (Léo Rodrigues/Agência Brasil)

Enviado para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

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