Indenização para todas as vítimas da tragédia de Mariana ainda é missão difícil

Valor a ser pago a atingidos pela tragédia pode subir, diante da espera por assentamento. Porém, cadastrar todos os que têm direito a reparação é tarefa complexa

Mateus Parreiras – Enviado especial

Barra Longa, Mariana e Governador Valadares – Às vésperas de completarem-se dois anos da maior tragédia socioambiental da história do país, a demora no reassentamento de suas vítimas deve se transformar em mais uma conta a ser paga como reparação do desastre. Novo acordo entre a Fundação Renova e os atingidos pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, pode representar pagamento de R$ 20 mil para habitantes de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira (este último distrito do município de Barra Longa). O processo está no Fórum de Mariana e, segundo a coordenadora do Comitê de Cidadania e Conciliação da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Minas Gerais (OAB-MG) para Mariana, Cintia Ribeiro Freitas, se refere a mais um adiantamento indenizatório de R$ 10 mil e a uma compensação de R$ 10 mil pelo fato de os atingidos ainda não terem sido reassentados. “Essa ação coletiva precisa ainda da apresentação de um cadastro das pessoas e pode ser homologada parcialmente”, afirma a representante da OAB-MG.

No próximo dia 5, a tragédia de Mariana completa 24 meses e a percepção de que as indenizações precisam começar a ser acordadas e pagas é a mesma pelo lado de quem busca os direitos coletivos dos atingidos, como a força-tarefa do Ministério Público Federal e a OAB-MG, e também dos responsáveis por providenciar essa compensação, no caso a Fundação Renova, que foi criada para tratar da reparação de danos do desastre após acordo entre a União, os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, a mineradora Samarco (operadora da barragem) e as suas controladoras Vale e BHP Biliton.

“Queriam que a gente saísse para uma casa alugada, mas como que vou largar minha casa para trás? Quero mais é ter a minha vida de volta” (Maria das Dores Oliveira, 92 anos)

Segundo a coordenadora do comitê da OAB, um dos entraves para se avançar nas indenizações é a apresentação de documentos pela Samarco e pela Fundação Renova. “Um desses documentos, que é imprescindível, é a matriz de danos, onde constam quais os parâmetros estão sendo levados em conta para mensurar as ofertas de valores que a mineradora tem feito. Por exemplo, se vão oferecer R$ 2 mil por um cavalo que morreu, quais são os parâmetros para se chegar a sse valor? Sem isso não é possível que um cooperador técnico chegue a outros valores”, disse Cintia Freitas.

Ainda de acordo com ela, as ofertas de indenizações pela água, por exemplo, têm sido consideradas muito baixas – cerca de R$ 1 mil por família atingida, acrescidos de 20% por dependente ou vulnerável. “Nas primeiras audiências, os valores giraram em torno de R$ 5 mil a R$ 15 mil. A oferta feita no Programa de Indenizações Mediadas (PIM), de R$ 1 mil, é irrisória. Daí a necessidade de acompanhamento de quem foi atingido, para que não saia ainda mais prejudicado”, afirma a coordenadora da OAB-MG.

Expectativa e transtorno

Entre Minas e Espírito Santo, o início dos pagamentos de indenização é justamente o que espera boa parte das 8.323 pessoas que dependem do auxílio emergencial, as cerca de 500 mil pessoas que foram privadas de usar a água de mananciais contaminados e outras tantas que nem sequer foram reconhecidas como atingidas.

Estre as vítimas estão pessoas como a dona de casa Maria das Dores Oliveira, de 92 anos, que mora com a família em Barra Longa e atualmente recebe como auxílio emergencial um salário mínimo mensal, acrescido de 20% por dependente e de uma cesta básica, mas espera poder voltar a usar os terrenos próximos ao rio e receber a indenização justa pela destruição de suas atividades.

A lama de rejeitos foi um suplício que chegou na madrugada e tirou o sono de todos em Barra Longa. De sua casa, numa baixada perto do campo de futebol e do parque de exposições, Maria das Dores escutou o Rio do Carmo sendo engolido pela onda de rejeitos e se entregou ao desespero. “Chegou aquele mingau de barro, e as pessoas gritavam, olha lá (a lama) está saltando a baixada e vindo aqui para casa. Eu ajoelhei e gritei: ‘Nossa Senhora Aparecida, não deixa essa água passar da baixada’. E a água então tombou para o outro lado.”

Mas esse seria apenas o começo dos transtornos. A lama que pavimentou as baixadas de Barra Longa soterrou áreas cultiváveis e pastos, impedindo que a família plantasse ou pastoreasse no local. Pior do que isso, o campo e o parque de exposições dos quais ela é vizinha se tornaram depósitos de parte dos 157 mil metros cúbicos de rejeitos removidos do município. “Queriam que a gente saísse para uma casa alugada, mas como que vou largar minha casa para trás? Quero mais é ter a minha vida de volta”, disse a dona de casa.

“A questão social ainda é a que mais chama a atenção, a mais desalentadora”, considera o procurador da República José Adércio Leite Sampaio, que coordena a força-tarefa do MPF que trata do assunto em Minas Gerais. “Essa segunda fase (das indenizações) será decisiva. E só vamos negociar com a Fundação Renova/Samarco se nossas exigências de contratação de uma consultoria especializada e independente forem atendidas”, afirma o procurador, lembrando que o MPF conseguiu reverter na Justiça a homologação do termo de transação de ajustamento de conduta (TTAC) feito entre União, estados e empresas responsáveis pela devastação. “Buscamos que sejam formados grupos de assessorias escolhidos pela própria comunidade. A comunidade muitas vezes não tem noção dos seus direitos e, com essas assessorias específicas, passaria a ter. Vamos encaminhar esse acordo, com a participação das comunidades e redefinição dos programas”, afirma.

DEPOIMENTO

Mateus Parreiras, enviado especial

Lição de vida

“Imagine depois de ter seu terreno invadido pela lama da Samarco, passar a conviver com a chegada diária de dezenas de caminhões depositando em área vizinha todos os rejeitos minerários removidos da cidade. Essa foi a sensação de oito famílias que vivem perto do Parque de Exposições de Barra Longa e do campo de futebol da cidade, ao perceber que os espaços foram transformados em depósito para a lama removida da praça e do centro da cidade. É até uma lição ver como essa gente resiste à sequência de transtornos em cascata, e ainda tem fibra para cultivar em lugares que ficaram a salvo da lama, tentando tocar a vida adiante, sem perder a esperança de que as coisas voltarão a ser como antes.”

Fechar acordos é a meta

A Fundação Renova informou que o impasse em relação ao acordo não impede sua existência ou atividades. “Aquilo que for determinado pela Justiça será acatado e somado às nossas obrigações já acordadas no termo de ajustamento de conduta. Por isso a não homologação não significa que não temos legitimidade”, disse o presidente da fundação, Roberto Waack. Em sua avaliação, a principal frente de indenizações já ocorreu, pela falta de água, principalmente em Governador Valadares e em Colatina, os maiores centros urbanos da Bacia do Rio Doce em Minas Gerais e no Espírito Santo.

Estima-se que 500 mil pessoas tenham direito a reparação por esse motivo. “Cerca de 50% das pessoas que tiveram problemas devido à falta de água já negociaram conosco e estão em fase adiantada de resolução. Mais de 190 mil já receberam a indenização acertada. A fase mais crítica e sensível é a das indenizações e queremos que isso seja definido no ano que vem”, afirma Waack. O restante das indenizações deverá ser também alvo de tentativas de acordo, por meio do Programa de Indenizações Mediadas (PIM), que já está em curso, segundo a Fundação Renova.

O presidente da Renova afirma ter ainda como compromisso para 2018 a solução dos problemas da Barragem de Candonga, em desassoreamento, mas já com a Hidrelétrica Risoleta Neves funcionando, obras de reassentamento em curso, acordos e pagamentos de indenizações, início da restauração florestal e a divulgação das informações sobre a qualidade da água disponível ao público. A Renova/Samarco afirma ter gasto R$ 2,5 bilhões em reparações socioeconômicas e socioambientais, sendo R$ 500 milhões em indenizações a mais de 220 mil pessoas, dos quais R$ 12 milhões em antecipações de reparações.

O desafio dos sem-cadastro

Um dos maiores desafios para o recebimento de auxílio e de indenização condizentes com os danos sofridos após o rompimento da Barragem do Fundão é o cadastramento dos atingidos. Essa é a percepção do Ministério Público Federal e de muitos representantes das vítimas, algo que a própria Fundação Renova admite e afirma tentar aprimorar. De acordo com levantamento do Estado de Minas, só em Barra Longa há 125 famílias que afirmam não ter sido cadastradas como candidatas a indenização, ao passo que vizinhos que tiveram o mesmo grau de prejuízo foram contemplados. “Os cadastros feitos até então são extremamente falhos e excludentes. Acabam jogando moradores uns contra os outros”, afirma o procurador da República José Adércio Leite Sampaio. De acordo com ele, uma assessoria especializada está auxiliando na produção de um cadastro mais sensível, algo de que a força-tarefa coordenada por ele não abre mão.

“Estamos tentando identificar as pessoas impactadas. Mais de 25 mil cadastros foram feitos e estão passando por confirmação de dados. Vamos entrar numa fase superdelicada de negociação, para que se consigam acordos, evitando que essas pessoas (atingidas) precisem entrar na Justiça”, diz o presidente da Renova, Roberto Waack.

Enquanto isso, quem vê a lama ser removida e testemunha a volta do verde aos seus quintais ganha um pouco de alívio. “Eu tinha, da vista da minha janela, uma das paisagens mais lindas que uma pessoa podia ter. Qual paulista não ia dar tudo na vida para ter um quintal verde e bonito como o meu, todo fechado de bananeiras, amoras e com o rio correndo ao fundo?”, relata a dona de casa Helenice da Silva, de 50 anos, moradora de Barra Longa, orgulhosa de suas memórias. Ela diz que acredita na recuperação dos quintais, mas acha que isso demora.

Segundo o engenheiro responsável pelos quintais de Barra Longa, Hélio Papini, são 23 imóveis sendo reparados. “Cada um é definido junto com os moradores. Em geral, providenciamos o plantio das culturas que eles têm costume, o cercamento e a regularização do terreno. Fazemos poda, capina e aplicação de adubo no plantio de mudas. Alguns pedem para fazermos galinheiros ou outro tipo de cerca que tinham antes do rompimento”, afirma.

Rastros do desastre

Estado de Minas percorre desde o domingo o caminho da lama que há dois anos foi liberada pelo rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana. A primeira reportagem da série mostrou que a memória de Bento Rodrigues continua sendo consumida pelos efeitos da tragédia. A edição de ontem trouxe a nova ameaça representada pelo pedido de mineração de ouro em trecho que mal começa a se recuperar. Amanhã, descubra por que o desastre aumentou o medo da chuva em Governador Valadares.

Imagem: Lentamente, verde vai brotando em quintais de Barra Longa, trazendo algum alívio para moradores que ainda estão à espera de indenização (foto: Leandro Couri/EM/DA Press)

Enviado para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

Comments (1)

  1. Tem 3 semanas que em Governador Valadares a #SAMARCO esta chamando ás pessoas para negociar o valor de R$ 10.000 reais dos processos . Mas todos que já foram ouvidos são oferecidos R$ 1.000 reais (Uma grande vergonha) . Não vamos aceitar este absurdo ,nosso Rio Doce esta envenenado , nossa água envenenada e a população doente . Eu mesma tenho 10 meses que estou doente , estou com chixungunya há 10 meses .Já tive pneumonia duas vezes …perdi 80% do meu coro cabeludo….perdi 6 dentes e todos os meses tenho os sintomas da chixungunya . Tive que fazer 2 poços artesianos e meu irmão esquizofrenico também esta sofrendo as consequências da chixungynya . Isto é minha situação e de milhares de atingidos pela #SAMARCO .A #SAMARCO deveria ter vergonha de nos oferecer este valor …Apesar que dinheiro no mundo vai pagar o sofrimento que estamos passando!!!!!

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