‘Soldados do Araguaia’ fala dos traumas militares na ditadura brasileira

Paulo Henrique Silva* – Hoje em Dia

São Paulo – Não foram somente os militantes de esquerda que sofreram nas mãos de torturadores durante a ditadura no Brasil. Soldados do Exército que participaram da caça aos guerrilheiros também se tornaram vítimas dessa brutalidade, como revela o documentário “Soldados do Araguaia”, dirigido por Belisario Franca e apresentado na 41ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Os casos de tortura no Exército só vieram à tona recentemente, após ex-combatentes na Guerrilha do Araguaia, (1967-1975) na região amazônica, vencerem o medo e procurarem ajuda psicológica para superar traumas vividos há cerca de 50 anos. Oito deles, retirados de casa à força para engrossar as fileiras dos militares no conflito, aceitaram se reunir para falar abertamente sobre o que acontecia nos treinamentos e nas operações.

“Quando esta história chegou a mim, a partir da investigação do jornalista Ismael Machado, logo vi que tinha um filme ali. A grande dificuldade nossa era a de que falassem para a câmera, superando o silêncio de tantos anos. Então criamos um ambiente para que essas oito pessoas chegassem e pudessem dividir suas histórias conosco, desabafando aquilo que estava guardado e não podiam falar, pois estavam do lado errado da História”, observa Franca.

Todos os depoentes eram jovens quando, na época, foram recrutados para participar do combate no Araguaia devido ao conhecimento que tinham do território. A preparação deles foi rápida e brusca, deixando marcas profundas no campo emocional. “Nosso papel é trazer esses temas para superfície. A desculpa para não falar disso é que temos que olhar para frente, mas como pensar no futuro sem saber o passado?”, indaga o cineasta.

Justiça

“Soldados do Araguaia” vem na esteira de filmes que buscam retratar episódios traumáticos na história do Brasil, assim como de “Menino 23”, que também retrata a questão do silenciamento, envolvendo crianças negras que foram escravizadas na década de 40, para um proprietário de fazendo eugenista.

Para Franca, é muito difícil ter uma noção real de justiça se tentamos apagar da memória o sentido de injustiça. Neste sentido, ele observa, países como Argentina e Chile estão mais adiantados, com as ações ocorridas durante a ditadura sendo discutidas pela sociedade civil, que querem respostas e investigações. “As histórias estão aí, mas nós fizemos a opção pelo silêncio e sofremos as consequências disso, como o excesso de violência usado pelos policiais”.

Com essa legitimação da violência, o que está sendo criado, de acordo com o cineasta, é um estado de exceção dentro da democracia, o que explica, em parte, a vontade de alguns no retorno dos militares ao poder.

* O repórter viajou a convite da organização da Mostra

Foto: “Criamos um ambiente para que essas pessoas pudessem desabafar aquilo que estava guardado”, diz diretor.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

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