Todo o episódio estrelado por Joesley causa, a cada curva, novo espanto. Por Janio de Freitas

Na Folha

O assunto é sério demais para que tenha a sepultá-lo dois despachos simples. O primeiro já dado, com a recusa ao pedido de investigação, por alegada insuficiência de indícios. Não é bem assim. E há casos em que sua gravidade justifica o mínimo necessário para permitir uma investigação preliminar.

A Procuradoria-Geral da República entende que em dado telefonema gravado pode referir-se à compra de sentenças judiciais pela J&F, holding, ou empresa central, do grupo controlado pelos irmãos Joesley e Wesley Batista. A conversa foi entre Francisco de Assis, diretor jurídico da J&F, e uma advogada a serviço da empresa. A Procuradoria-Geral pediu autorização ao Supremo para levantar sentenças judiciais envolvendo a J&F e, se houver, investigar as de lisura pouco clara. O ministro Ricardo Lewandowski negou a permissão, em nome das exigências convencionais.

A procuradora-geral Raquel Dodge volta ao Supremo, pretendendo a reconsideração de Lewandowski. A propósito, há mais do que o telefonema. Há uma referência explícita e da pessoa mais autorizada a fazê-la. Foi motivo de espantos indignados no seu aparecimento, menções a investigação, e logo recolhida ao silêncio. Em uma das suas gravações, Joesley Batista listou várias conquistas, com o Judiciário entre elas. Como nos demais listados, sem nomes. Mas a referência ao promotor que conquistara “lá dentro” confirmou-se sem muito trabalho. Motivo bastante para que as demais pistas passem por um crivo.

A reconsideração pedida por Raquel Dodge faz sentido. Se nada constatar, ótimo. Se ao contrário, idem.

Por falar nisso, todo o episódio estrelado por Joesley Batista causa, a cada curva, novo espanto. A J&F que inquieta Raquel Dodge, por exemplo, não chegou a interessar os investigadores sobre as ilicitudes de um dos seus braços, a JBS. Em princípio, nada de relevante se passaria com e na JBS sem conhecimento, para não dizer aprovação ou orientação, da J&F. Responsabilidade que fez essa holding dotar-se de um conselho numeroso, ativo e poderoso.

Empréstimos bilionários tomados pela JBS estão sob investigações de várias procedências, as centenas de milhões ou o declarado bilhão da corrupção alimentada pela JBS foram e voltam a ser investigados. É como se os procuradores e os policiais, no entanto, tivessem conhecimento prévio de quem sabe o quê, de quem agiu como e quando. Não precisam –ou é outro o motivo– de informações e verificações no conselho dos superiores. Nem sequer de quem o presidia e hoje se considera presidenciável para 2018 –o ministro Henrique Meirelles.

Mesmo sendo todos alheios às ilegalidades, não se justificaria a discriminação protetora praticada pela Procuradoria-Geral da República, desde Rodrigo Janot, e da Polícia Federal. A gravação de Joesley e Ricardo Saud, revelação mais recente e por engano, foi considerada só por más piadas e bobices. No fundo, porém, dá sinais do muito que falta saber sobre as aventuras de Joesley & cia.

Outra medida que resulta em privilégio protetor está na mesma petição, ao Supremo, em que Raquel Dodge diz ser “fato incontroverso” o recebimento, pelo hoje ministro Aloysio Nunes Ferreira, de meio milhão da Odebrecht. Dodge recomenda que ele e José Serra, citado com montante mais de dez vezes superior, não sejam investigados: ambos passados dos 70, beneficiam-se de prescrição encurtada. Não são puníveis, mas investigados devem ser. Para se verem inocentados ou punidos moralmente (supondo que isso importe). E ainda porque cada possível crime tem duas partes, e a pagadora Odebrecht não ganhou prescrição. O mesmo vale para Michel Temer, por maiores motivos.

Foto: Jorge Araújo / Folhapress

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

1 × 2 =