Temer já nos obrigou a engolir Temer. Mas Previdência não passa na garganta, por Leonardo Sakamoto

Blog do Sakamoto

Michel Temer tem razão de estar #chateado pelo fato do Congresso Nacional não querer aprovar a sua Reforma da Previdência.

Afinal de contas, quem compra um produto como uma máquina de lavar, um liquidificador ou um deputado federal quer que ele entregue o prometido. No caso, limpar roupas, bater massa de panqueca ou aprovar um projeto polêmico rechaçado por 71% da população, de acordo com a a última pesquisa Datafolha sobre o tema.

Sabe-se que a base de apoio de Temer é igual àquelas jukebox das antigas: toca música, por um tempo específico, se você inserir uma moedinha.

As moedinhas do governo são emendas parlamentares, cargos em órgãos públicos e, principalmente, apoio para que medidas executivas e leis que beneficiem os próprios parlamentares ou seus patrocinadores. Como aquelas que garantam perdões bilionários de dívidas públicas ou portarias que dificultam a libertação de trabalhadores escravizados. Moedinhas que, juntas, perfazem o valor de um verdadeiro resgate a ser pago por um governo fraco sequestrado por um parlamento em que o fisiologismo e a corrupção convivem em harmonia.

Que lê este espaço com frequência sabe que não sou contra atualizar a Previdência pública a privada. Desde que ela seja amplamente discutida, com a participação dos diversos grupos sociais, discutindo-se todos os estudos, alternativas e soluções possíveis, considerado a proteção das populações mais vulneráveis e não enfiada goela abaixo. Não se discute o futuro do país a toque de caixa.

Temer afirmou que se ”o Parlamento, que ecoa as vozes da sociedade, também não quiser aprová-la, paciência”, conforme registrou reportagem da Folha de S.Paulo. Ou seja, jogou no colo dos deputados e senadores a fatura e disse que continuará defendendo a Reforma mesmo que a maioria da sociedade não queira.

Mas como a maioria do povo não tem interesse nenhum na aprovação do projeto do jeito em que ele está, quem seria o responsável por cobrar essa fatura dos congressistas? Temer muito provavelmente estava se justificando diante do mercado e do poder econômico que ajudou a um jabuti a subir no poste, quer dizer, a um vice a assumir a cadeira presidencial, com o impeachment.

Temer confessa que o importante é entregar algo – até para mostrar a seus apoiadores que foi um bom menino. ”Embora a gente não consiga fazer todo o conjunto que a reforma propõe, quem sabe consigamos fazer um avanço.” E aí reside o perigo.

O ocupante do Palácio do Planalto não aprova a Reforma da Previdência tal qual desejava no começo. Por ser proposta de emenda constitucional, precisaria de 308 votos.

Por isso, tentará um plano B para a reforma: aumentar de 15 para 25 anos o tempo mínimo de contribuição para quem já se aposenta por idade. O que prejudicaria principalmente as classes média-baixa e baixa. E transformar de 15 anos de comprovação de trabalho para 15 anos de contribuição a exigência aos trabalhadores rurais da economia familiar. O que criaria problemas ao povo pobre do campo.

É a tentativa de aprovação disso a que ele se refere quando diz em ”fazer um avanço”.

A depender da estratégia e da proposta do governo, esses projetos poderiam que ser apresentados por medidas provisórias pelo Palácio do Planalto na forma de lei complementar à Constituição, o que demanda maioria absoluta (ou seja, 257 votos na Câmara), ou lei ordinária, que demanda maioria simples (ou seja, maioria dos presentes em sessões deliberativas com, pelo menos, 257 parlamentares). De qualquer maneira, como a oposição deve aparecer em peso por ser tema central, o governo vai precisar de toda sua base presente.

É verdade que a maioria dos tucanos, que votou contra Temer, estaria ao lado do governo para aprovar mudanças nas aposentadorias. Afinal, é pauta do partido. Contudo, também procede o fato que parte considerável dos que votaram para livra Temer das denúncias da Procuradoria-Geral da República não são suicidas, como já escrevi aqui anteriormente. Sabem que uma coisa é se vender e livrar um presidente em um momento de descrédito total com a política. Outra, é fazer com que um eleitor tenha que trabalhar mais para poder se aposentar devido ao voto de um deputado.

Mesmo que novas ”moedinhas” depositadas pelo Planalto para aprovar a matéria toquem o coração do parlamentar, será difícil imaginar que teremos muitos deputados em um PDV (Programa de Demissão Voluntária) pessoal. Pois essa traição, o trabalhador mais pobre não vai perdoar. Ainda mais em um momento em que a eleição de 2018 já desponta no horizonte.

O ministro da Fazenda Henrique Meirelles tratou de botar panos quentes, dizendo que o governo não vai recuar. Na sua opinião, não há outra opção. ”A reforma não é uma questão de escolha. É fiscal, numérica, e terá de ser feita em algum momento.” Como vivemos em um sistema que se assemelha à democracia, mas não chega a ser uma, faz sentido o que ele disse.

Já o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, disse que não é pessimista como Temer e que a base do governo precisar ser afagada e convencida. Se o Brasil bobear, o voto feminino, a Lei Áurea e a República rodam com essas negociações.

A maioria dos trabalhadores (52%) já se aposentava por idade até 2014, de acordo com o Dieese. A modalidade de aposentadoria por tempo de contribuição (35 anos, homens, 30 anos, mulheres) representa apenas 29%. E dados da própria Previdência Social apontam que 79% dos trabalhadores que se aposentou por idade no ano de 2015 contribuiu menos de 25 anos.

Para os mais pobres, a idade mínima já existe no Brasil uma vez que eles não conseguem se aposentar por tempo de contribuição. Para eles, é necessário um mínimo de 180 contribuições mensais (15 anos) para poder se aposentar por idade (65, homens, 60, mulheres). O governo quer que esse número salte para uma carência de 300 contribuições (25 anos).

Isso não afeta os extratos superiores da classe média, que já contribuem por mais tempo ao sistema, mas a faixa de trabalhadores mais pobres que, contudo, não entram nas categorias de pobreza extrema, beneficiadas diretamente pelo Benefício de Prestação Continuada. Ou seja, se passar o que o governo quer, esse pessoal não conseguirá chegar aos 25 anos de carência, podem perder a contribuição que fizeram e terão que procurar o benefício assistencial para os idosos pobres para receber uma pensão mínima.

Ao mesmo tempo, a mudança de 15 anos de comprovação de trabalho (com arrecadação de imposto previdenciário no momento da venda da produção) para 15 anos de comprovação de contribuição (com pagamento mensal de carnê) para trabalhadores rurais da economia familiar, extrativistas, pescadores, coletoras de babaçu, entre outros, pode inviabilizar a sua aposentadoria – conquistada cinco anos antes do restantes dos trabalhadores urbanos e rurais, segundo a Constituição.

Michel Temer não pode ficar chateado. Ele teria que estar, pelo contrário, muito feliz. Graças ao mercado a céu aberto estabelecido no Congresso Nacional, deve continuar no cargo até janeiro de 2019.

Quem deveria estar chateado é o povo.

Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

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