Funai inicia negociações para atender pauta dos povos indígenas que ocupam a sede do órgão, em São Luís (MA)

Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

Se você ouvir atentamente qualquer indígena da ocupação à sede da Fundação Nacional do Índio (Funai) de São Luís (MA), o dia 30 de abril de 2017 ainda não acabou. “Parece que o vivemos cada vez que acordamos” é uma fala comum. Na data o povo Akroá-Gamella sofreu um massacre na Baixada Maranhense, deixando 22 feridos – entre eles, dois indígenas com as mãos decepadas a golpes de facão. A demarcação da terra indígena, de acordo com os Gamella, transformaria o trauma em memória de resiliência. Para os Tremembé, Krenyê e Gavião, que participam da ocupação e vivenciam situações semelhantes, é esperança de que suas pautas também sejam atendidas. 

Na manhã desta quarta-feira, 8, o presidente da Funai, o general Franklimberg Ribeiro de Freitas, telefonou para os representantes dos povos mobilizados na capital do Maranhão afirmando que quatro terras indígenas teriam a regularização fundiária encaminhada: “Gamella, Krenjê e outras duas que não lembro agora”, disse o presidente, além do atendimento integral das demandas sociais. A notícia gerou expectativas. Representante da Coordenação Regional da Funai partiu de Imperatriz para São Luís levando os documentos para formalizar o que o presidente garantiu.

Um único ponto acabou contemplado: no próximo dia 17, será publicada a portaria de criação do Grupo de Trabalho (GT) para Identificação e Delimitação da Terra Indígena do povo Akroá-Gamella. Se trata de uma importante vitória, mas os representantes dos povos lembram, porém, que a pauta possui seis pontos. “Por telefone o presidente nos garantiu que quatro terras indígenas teriam encaminhamentos e o atendimento às demandas sociais seria efetivado. Além disso, sobre o GT Gamella precisamos saber quais serão os detalhes contidos na portaria naquilo que a lei permite que saibamos previamente. Estamos felizes com a portaria, sem dúvida, mas não veio tudo o que o presidente nos disse que viria”, enfatiza Kum´tum Gamella.

Os indígenas souberam apenas que a Funai não utilizará os recursos disponibilizados pelo Governo do Estado do Maranhão para a realização do GT de identificação. “Existem condicionantes colocadas pelo governo estadual que podem prejudicar o trabalho. Então realocamos recursos próprios da Funai para realizar o GT”, explicou o presidente Franklimberg. Desde maio um Termo de Cooperação não realizado vinha emperrando a transferência do dinheiro ao órgão indigenista. A Funai, até a decisão de arcar com o GT, não havia apresentado um orçamento e plano de trabalho.

As tratativas entre Funai e indígenas seguirá nesta quinta, dia 9, quarto dia da ocupação à Funai de São Luís. Para as lideranças Gamella, Krenyê, Tremembé e Gavião é preciso que o dito pelo presidente seja especificado e assinado por ele. No caso dos Krenyê, cuja aldeia está no município de Barra do Corda, as reivindicações envolvem o envio regular de cestas básicas – o povo vive sobre um hectare de terra inapropriada para o plantio – e a aquisição pelo órgão de um território; as duas demandas possuem lastro em decisões da Justiça Federal. “A Funai nos levou para ver uma terra, mas a área se sobrepõe a outra demarcação. Desde então aguardamos a solução definitiva”, explica Antônio Carlos Krenyê.

O caso dos Tremembé também envolve regularização fundiária, no município de Raposa, localizado na ilha de São Luís, situação que se arrasta desde 2003. “Nos sentimos felizes que o GT Gamella tem uma previsão concreta, nos afetamos muito com o ocorrido de 30 de abril e sabemos que a vitória deles é da gente também, mas a Funai não pode deixar de responder às nossas demandas. Não se trata de desconhecimento: inúmeras vezes protocolamos documentos com aquilo que a gente precisa”, declara Rosa Tremembé. A única notícia positiva a este povo é a criação de um núcleo específico para acompanhá-los, que terá sede em São Luís e gestão de servidores ligados à Frente de Proteção Etnoambiental. O núcleo também passa a atender oficialmente o povo Akroá-Gamella. Antes os povos precisavam recorrer à sede da Funai de Imperatriz, distante mais ou menos 700 km das terras indígenas.

Nesta quinta outra ocupação acontece no Maranhão. Os Krepum Katejie se mobilizam Unidade Regional de Educação de Barra do Corda com demandas envolvendo melhorias na Educação Escolar Indígena Diferenciada. Entre as reivindicações está a contratação de professores bilíngues para aldeia Geralda Toco Preto, além de uma equipe da Secretaria de Infraestrutura para estudar um local para a construção de uma nova escola e o pagamento de professores e professoras.

Organização e espiritualidade

A ocupação indígena, em São Luís, ocorre seis meses depois do massacre sofrido pelo povo Akroá-Gamella. “Conseguimos, dia após dia, encontrar maneiras de seguir adiante na luta pela terra. As ameaças em Viana, Penalva e Matinha só aumentaram depois do massacre. Não é seguro andar pelas cidades e pessoas que identificamos no dia em que sofremos o ataque continuam dizendo que da próxima vez será pior. Cada dia aparece uma nova lista de Gamella marcados para morrer”, conta Maria Gamella. Antônio Carlos Krenyê ouve e traz os medos de seu povo: “Passamos semanas sem água. É realmente doloroso pensar que o povos indígenas sofrem tudo isso. Temos de arrancar forças para não desistir”.

Um dos pilares destes povos é a espiritualidade. Numa ocupação organizada coletivamente, os Gamella puxam rituais e danças com cantorias referenciadas nas cosmologias plurais. Não é incomum se ouvir referências a povos de outras partes do Maranhão e do país. “Aqui estão os nossos encantados. Cada ritual que fazemos é para buscar orientação, mantê-los perto da gente. Estamos conectados com os demais parentes que lutam como a gente, que sofrem como a gente. Essa força nos mantêm de pé, fortes. Se vemos que tã enfraquecendo, logo puxamos o maracá e fazemos nossa roda para buscar energia”, explica Oscar Gamella.

A decisão destes povos é pela caminhada conjunta. Entendem que por não serem tão numerosos, com muitos indígenas ainda oprimidos pela negação de suas formas de vida, precisam se unir. “Essa unidade nos ajuda espiritualmente e nos enfrentamentos. Conosco ainda estão os quilombolas, as quebradeiras de coco e comunidades tradicionais. Tem muita riqueza nisso, esperamos que um dia possam reconhecer e nos deixem viver em paz, com terra para plantar e criar nossos filhos”, diz Rosa Tremembé.

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