Perseguição política é histórica na região do Pontal e no estado de São Paulo

Conflitos travados contra grandes fazendeiros e os processos abertos pelo Poder Judiciário datam do final dos anos 1980

Mariana Pitasse, Brasil de Fato

A criminalização dos trabalhadores rurais e militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na região do Pontal do Paranapanema não é novidade. Os conflitos travados contra grandes fazendeiros e os processos abertos pelo Poder Judiciário datam do final dos anos 1980, quando o movimento inicia um processo de enfrentamento na região para reivindicar a distribuição das terras.

Segundo levantamento feito pelo geógrafo da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Rubens de Souza, 368 processos judiciais e criminais foram abertos contra 314 contra militantes e trabalhadores rurais na região, entre os anos de 1987 e 2009. Ainda de acordo com o levantamento, a maioria deles foi iniciado entre os anos de 2003 e 2006. Esses são justamente os processos que estão tendo condenações após o golpe.

Ao longo dos anos, o Pontal se tornou espaço simbólico por reunir números representativos da luta por reforma agrária no país: cerca de 115 assentamentos, espalhados por 16 municípios, com mais de 150 mil hectares e aproximadamente 7 mil famílias assentadas.  Ainda assim, estima-se que a região possua um dos maiores estoques de terras públicas do país, com cerca de 450 mil hectares, griladas por grandes fazendeiros e caracterizadas como latifúndios improdutivos.

De acordo com Antônio Thomaz Júnior, professor da Unesp, diante desse cenário de disputas, a perseguição política ao MST na região vai se caracterizando de diferentes maneiras ao longo dos anos. Segundo ele, a perseguição tem início com jagunços contratados pelos fazendeiros para amedrontar os que participavam das ocupações, pouco depois, o Poder Judiciário passa a ser acionado.

“Nos últimos anos, com a chegada dos grandes produtores de cana há o acirramento dessa disputa. O propósito deles é barrar a luta pela terra feita pelos trabalhadores porque eles querem a mesmo espaço para expandir sua produção. Quer dizer, se antes do golpe essas forças já estavam articuladas, depois dele a situação piora porque as alianças espúrias são legitimadas”, explica.

Segundo dados apresentados pelo pesquisador, a produção de cana que ocupava cerca de 60 mil hectares, em 2002, atingiu mais de 600 mil hectares, em 2015. Ainda de acordo com a pesquisa, as lavouras estão espalhadas por terras públicas, que foram griladas por fazendeiros anos atrás e agora são arrendadas para as agroindústrias canavieiras. Dessa maneira, a disputa por terras fica estabelecida não só entre fazendeiros e trabalhadores rurais, mas também é ampliada aos produtores de cana.

Zelitro da Silva, da direção regional do MST, complementa que além do crescimento da produção de cana na região, nos últimos anos houve uma sofisticação dos mecanismos de perseguição e criminalização dos militantes, agora institucionalizados pelo Estado.

“Antes, quando ocupávamos um terreno era mais comum que encontrássemos as milícias e jagunços nos ameaçando e atirando contra nós, hoje a gente encontra um oficial de justiça com um pedido de reintegração de posse pronto. Há uma vinculação mais forte entre o Ministério Público e Poder Judiciário, a serviço dos fazendeiros e políticos conservadores”, explica, destacando que após o golpe essa relação se aprofundou.

Mas isso não quer dizer que os conflitos diretos deixaram de existir na região. Há pouco menos de dois anos, o acampamento Primeiro de Maio, erguido no terreno de propriedade da antiga Ferrovia Paulista (FEPASA), no município de Euclides da Cunha Paulista, foi violentamente atacado. Cinco homens armados com revólveres e espingardas cercaram o acampamento e iniciaram os disparos contra os barracos. Em seguida, atearam fogo em todos os barracos, queimando roupas, fogões, móveis e demais pertences das famílias.

De acordo com dados do relatório Massacres no Campo, produzido pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2016, mais de 1,2 mil ocorrências de violência no contexto de ocupação e posse foram registradas em todo o Brasil. No ano passado, o relatório havia registrado cerca de 995 registros na mesma modalidade. No estado de São Paulo, foram registradas cerca de 60 ocorrências, que atingiram mais de 7 mil famílias, em 2016. Entre as denúncias estão casos de ameaças de despejo, casas, pertences e roças destruídas, além de uso de pistolagem. Ainda de acordo com o relatório, o Pontal do Paranapanema sediou áreas de conflito no mesmo ano, principalmente, nos municípios de Marabá Paulista e Mirante do Paranapanema.

Somado a esse contexto de violência e perseguição, a imprensa tem papel fundamental para manutenção das forças políticas conservadoras e a construção de um discurso contrário aos movimentos sociais e à reforma agrária, na avaliação do Padre Jurandir Lima, do conselho estadual da CPT.

“O golpe colocou no poder pessoas despreocupadas com a questão social. São elites que não olham para o pobre e para ao trabalhador rural. Eles estão juntos para impedir a reforma agrária e espalham seu discurso através da mídia, que sufoca a voz dos movimentos sociais. A repressão vem aumentando, as pessoas estão tendo que se esconder. Vivemos um período sombrio da nossa história”, afirma o padre.

Além da perseguição política ao MST e a seus militantes intensificada no último ano, a política de reforma agrária tem sofrido duras investidas contrárias após o golpe. No final de 2016, o governo de Michel Temer (PMDB) passou a emitir a titulação de propriedade da terra nos assentamentos da reforma agrária para os indivíduos.

Na avaliação do MST, isso significa tornar o assentamento, até então um bem público para uso coletivo, conquistado através da luta pela terra, em propriedade privada sujeita às leis do mercado de terras. “Na prática, isso significa livrar do Estado a responsabilidade de oferecer políticas públicas específicas previstas no Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA). O MST defende a Concessão de Direito Real de Uso (CDRU), outra forma prevista na mesma lei que estabelece a terra como bem público de usufruto da família que a explora e garante que o Estado assuma sua função”, explica Kelli Mafort, da direção nacional do MST.

Mas não é de hoje a tentativa de desmonte com investidas contrárias a política de reforma agrária. No estado de São Paulo, os governadores José Serra (PSDB) e Geraldo Alckmin (PSDB) se mobilizam há anos para isso, na opinião do professor da Unesp, Carlos Alberto Feliciano. Ele destaca que, em 2003, foi aprovada uma lei para regularizar todas as terras de até 500 hectares e, desde 2007, um projeto de lei tramita na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP) para regularização fundiária de áreas de todas as dimensões. Para o pesquisador, isso significa regularizar a grilagem.

“Essa é a política que há anos se estabelece no estado e agora se casa com a proposta de Temer. A ideia é entregar as áreas onde poderiam ser construídos assentamentos para o capital privado e isentar o estado da responsabilidade de destinar políticas públicas de infraestrutura e financiamento”, acrescenta.

Para Márcio Santos, da coordenação estadual do MST, isso comprova que a perseguição aos trabalhadores rurais e militantes não se dá apenas através da criminalização mas também pelo desmonte das políticas públicas e pela recusa em atender as pautas reivindicatórias.

“Em São Paulo, o golpe veio para findar um processo que está sendo construído há mais de 20 anos pelos governos tucanos. O projeto deles sempre foi deslegitimar e enfraquecer a luta pela terra. Agora vemos o governo estadual, agindo em conjunto com o federal, para desmontar tudo o que conquistamos nos últimos anos”, conclui Márcio.

Edição: Vivian Virissimo.

Imagem: Nos últimos anos houve sofisticação da criminalização dos militantes, mas milícias e jagunços ainda fazem parte do cotidiano das lutas / Fernando Martinez

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