Dados de 2016 mostram que 190 mil crianças de até 13 anos trabalham no país; na faixa etária entre 14 e 17 anos, são 808 mil em situação ilegal; ao todo, 1,8 milhão estão empregados
Daniel Silveira – G1 / IHU On-Line
Retrato do mercado de trabalho brasileiro revela que 998 mil menores são submetidos a trabalho ilegal no país. Deste contingente, 190 mil são crianças com até 13 anos de idade que não poderiam trabalhar sob nenhuma condição ou pretexto. Os dados são de 2016 e foram divulgados nesta quarta-feira (29) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A legislação brasileira proíbe que menores de 13 anos exerçam qualquer tipo de atividade de trabalho, remunerado ou não, indiferente da carga horária. Só é permitido trabalhar a partir dos 14 anos, mas sob condições específicas, como menor aprendiz, por exemplo.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), 1,8 milhão de crianças e adolescentes com idade entre 5 e 17 anos trabalhavam no país em 2016 com carga horária média semanal de 25,3 horas. Deste total, segundo o IBGE, a maioria estava em condições ilegais.
A situação mais preocupante, segundo a analista da Coordenação de Trabalho e Rendimento do IBGE, Flávia Santos, é das crianças de até 13 anos. Entre 5 e 9 anos de idade, eram 30 mil crianças ocupadas. Já no grupo entre 10 e 13 anos, este número saltou para 160 mil.
Dentre as 190 mil crianças submetidas ao trabalho, apenas 26% recebem algum tipo de remuneração, segundo os dados do IBGE. O rendimento mensal médio destas foi de R$ 141 para os meninos e R$ 112 para as meninas.
Em números absolutos, o Nordeste é a região que concentra a maior parcela destas crianças submetidas a algum tipo de trabalho (79 mil), seguida pelo Norte (47 mil). Proporcionalmente à população, porém, o nível de ocupação de crianças era maior (1,5%) no Norte que no Nordeste (1%).
“O Nordeste tem uma população infantil muito maior que nas outras regiões do país. E sabemos que estas duas regiões concentram grandes desigualdades”, pontuou a analista do IBGE.
Do total de menores ocupados no país, 65,3% são meninos e 34,7% são meninas. O IBGE destacou, no entanto, que a participação feminina é maior na faixa etária de 14 a 17 anos e dos meninos no grupo entre 5 e 13 anos.
Trabalho x Educação
A pesquisa mostrou, também, que o trabalho não teve impacto significativo na taxa de escolarização das crianças de até 13 anos. Dentre as que não trabalhavam, a taxa foi de 98,6%, enquanto a das que estavam ocupadas foi de 98,4%. Já nas faixas etárias de 14 a 15 anos e 16 a 17 a variação da taxa de escolaridade foi, respectivamente, de 92,4% e 74,9% entre os adolescentes ocupados e de 97,1% e 86,1% entre as não ocupadas.
Um levantamento feito pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostrou que no mundo a taxa de escolarização na faixa etária de 5 a 13 anos entre as crianças submetidas ao trabalho ficou em 71,4%. “Comparar esse dado com o caso brasileiro não é válido por conta das diferenças culturais e sociais entre os países”, enfatizou a pesquisadora.
Agricultura é setor que mais utiliza trabalho infantil
A pesquisa mostrou que 47,6% das crianças de 5 a 13 anos que trabalhavam em 2016 estavam ocupadas em atividade agrícola; 24,7% em segmentos como construção, indústria, transportes e serviços; 21,4% no comércio e 6,3% em serviços domésticos.
Segundo o IBGE, “a literatura aponta que, na agricultura tradicional, crianças e adolescentes realizam trabalhos sob supervisão dos pais como parte integrante do processo de socialização, ou seja, como meio de transmissão, de pais para filhos, de técnicas tradicionalmente adquiridas”.
“Indiferente de ser uma questão cultural ou não, isso tem que ser abolido. O trabalho infantil tem de ser combatido de todas as formas”, enfatizou o coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo.
Ainda segundo a pesquisa, enquanto 66% dos adolescentes entre 14 e 17 anos que trabalhavam estavam ocupados na condição de empregado, 73% das crianças de 5 a 13 anos estavam na condição de trabalhador familiar auxiliar.
“Qual é o limite entre ajudar e trabalhar, de modo que seja cultural e educativo? É uma linha tênue. Por isso, é uma prática que tem de ser abolida”, reiterou a analista Flávia Santos.
A pesquisa analisou também as crianças e adolescentes que exerciam alguma atividade não relacionada à produção econômica. Constatou-se que 716 mil menores entre 5 e 17 anos realizavam trabalho na produção para o próprio consumo familiar. Destas, 91,6% frequentavam a escola.
Já 20,1 milhões de crianças realizavam trabalho relacionado com cuidados de pessoais e afazeres domésticos. Deste total, 95,1% eram estudantes.
“Tais resultados sugerem que, apesar de as crianças terem realizado tarefas fora da produção econômica, isso não impediu que a maioria absoluta delas se mantivesse na escola”, destacou o IBGE.
Adolescentes em trabalho ilegal
De acordo com a PNAD, dentre os adolescentes de 14 ou 15 anos que trabalhavam em 2016, 89,5% não tinham carteira assinada. Em números absolutos, eram 196 mil nesta condição.
O trabalho para adolescentes de 14 e 15 anos só é permitido no Brasil na condição de aprendiz, cuja contratação se dá por meio de contrato especial. Regulamentado por meio do decreto 5.598 de 2005, o trabalho do aprendiz demanda registro formal na Carteira de Trabalho e Previdência Social e obriga o empregador a oferecer ao menor formação técnico-profissional.
O aprendiz deve manter frequência regular à escola e não pode ter carga horária diária superior a 8 horas.
Conforme enfatizou o IBGE, os resultados indicam que este contingente de adolescentes estava em situação de trabalho infantil.
Já na faixa entre 16 e 17 anos, apenas 29,2% dos adolescentes que trabalhavam tinham registro formal de emprego o que, segundo o IBGE, também caracteriza trabalho infantil.
A pesquisadora Flávia Santos ressaltou ainda que há crianças e adolescentes trabalhando em funções perigosas e em condições insalubres, o que também é ilegal, mas a pesquisa não conseguiu investigar essa situação.