A criminalização dos protestos e a militarização na América Latina em debate e relatório

Por Mário Campagnani, na Justiça Global

É nas ruas que se percebe o quanto o Estado brasileiro é antidemocrático. O que já era óbvio nas favelas e periferias do país, ganhou destaque nas avenidas dos centros das grandes cidades desde 2013, com a criminalização e o uso cada vez maior de instrumentos de repressão, sejam jurídicos ou militares. Todavia, é também na rua que as resistências se formam e é nela que pode haver um caminho para a Democracia. Esse foi um dos pontos de destaque do debate realizado pela Justiça Global no lançamento do relatório “Los Estados Latino Americanos Frente a La Protesta Social”, realizado no dia 30 de novembro, no Centro do Rio.

O debate contou com a participação de Camila Marques, da ARTIGO 19, Fernanda Vieira, do Centro de Assessoria Popular Mariana Criola, Igor Mendes, do movimento Estudantil Popular Revolucionário (MEPR) e autor do livro “A Pequena Prisão”, e Lorena Castillo, militante da Federação Anarquista Gaúcha (FAG), com mediação de Glaucia Marinho, coordenadora da Justiça Global. Entre os debatedores, um consenso é que, historicamente, movimentos sociais e lutas coletivas são perseguidas, mas que, agora, surgem novas ferramentas jurídicas, como as leis de Organização Criminosa e Antiterrorismo, e tecnológicas, de drones a câmeras de segurança integradas em centro de controles.

A publicação da Justiça Global, que pode ser lida aqui (em espanhol) mostra como esses problemas enfrentados no Brasil se estendem por outros países da América Latina, evidenciando que essas práticas fazem parte de um ataque global aos direitos, não apenas de expressão e manifestação, mas também trabalhistas, previdenciários e todos os outros direitos humanos.

Camila Marques, da Artigo 19, lembrou que os instrumentos jurídicos criados pelo Legislativo e pelo Executivo são utilizados no Sistema de Justiça para atacar aqueles que possuem opiniões divergentes e progressistas. “Esse é um sistema seletivo e racista. O que vemos são casos de jovens presos por suposta apologia ao crime por fazerem posts defendendo posições políticas, assim como o uso de instrumentos como a Lei de Organização Criminosa contra movimentos sociais, como é o caso dos militantes do MST presos sob essa acusação”, afirmou Camila.

Para Fernanda Vieira, advogada popular que há anos trabalha defendendo movimentos e pessoas perseguidas por suas militâncias, essa análise crítica do Judiciário é essencial para a sociedade, que muitas vezes esquece o papel que esse Poder exerce sobre nós. “Temos um Supremo muito hábil em destruir a Constituição, sem precisar de tanques. A Constituição não foi benefício, foi muita luta. E agora ela está sob ataque, mas um ataque focado. Alguém questiona a Constituição quando se trata dos direitos do livre mercado?”, questionou Fernanda, ressaltando que o Sistema de Justiça é fechado a qualquer participação popular: “Ele se revela como uma casta. É um poder familiar, que precisa ser democratizado”.

“Temos que ir na base, na solidariedade de classe”

As debatedoras foram categóricas ao afirmar que as soluções nos impasses passam pela necessidade de trabalho de base. “Não haverá saída política ali na esquina, em duas semanas. Temos que ir na base, na solidariedade de classe. Construir nossa luta e nossas pautas à esquerda pensando no que nos une, não no que separa”, afirmou Lorena Castillo, militante da Federação Anarquista Gaúcha (FAG), organização que vem sendo perseguida pelo Estado e também pela imprensa.

Lorena contou que a FAG foi criminalizada utilizando os argumentos mais absurdos, como a presença de literatura anarquista na sede da federação. A simples presença de livros, para o delegado responsável pelo caso, serviria como prova de que o se trata de um grupo criminoso. Esse argumento também já foi utilizado no Rio de Janeiro durante as manifestações contra a Copa do Mundo de 2014, quando 23 pessoas sofreram diversas acusações por se manifestarem sobre os efeitos dos megaeventos na cidade e no país. Um dos 23 acusados foi Igor Mendes, que estava na mesa relembrando seu caso. Membro do Movimento Estudantil Popular Revolucionário (MEPR), Igor acaba de lançar um livro sobre os sete meses em que ficou preso no Complexo Pentenciário de Gericinó, popularmente conhecido como Complexo de Bangu, chamado “A pequena prisão”. Ele foi preso, mas conseguiu um habeas corpus para responder seu processo em liberdade. Entretanto, havia uma determinação do juiz, claramente inconstitucional, que o proibia de participar de qualquer manifestação política, sob risco de voltar à prisão. Ele, então, teria sido identificado em um ato na Cinelândia, no Centro do Rio, o que levou a sua nova detenção em dezembro de 2014.

“O que aconteceu conosco ali foi uma reação às pressões populares nas ruas. A proposta era que, ao sermos acusados, haveria uma desmobilização das manifestações. É uma ação contínua, sempre tentando novas formas de incriminação. Agora, tentam sempre prender menores de idade junto aos grupos políticos, pois dessa forma eles podem ser ainda mais criminalizados. Eu fui preso dentro desse contexto, mas não sou vítima, sou militante e tenho uma causa. Ao contrário de nos aterrorizarem, nós temos que nos levantar com forças redobradas”, afirmou Igor.

Sobre a publicação

O relatório Los Estados Latino Americanos Frente a La Protesta Social mostra como há diversos pontos de convergência na forma como movimentos sociais, defensoras e defensoras de direitos humanos e organizações da sociedade civil são criminalizados em suas atividades. Ele foi produzido por dez organizaçõs da região, entre elas a Justiça Global. Casos da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Paraguai, Peru e Venezuela são destacados no relatório.

São abordadas questões como: o surgimento de leis e restrições legais e administrativas ao direito ao protesto; a repressão e o uso da força para coibir e reprimir o direito à livre manifestação; a falta de responsabilização dos policias que atacam a população; e a necessidade de se cobrar dos Estados uma transformação na forma como eles lidam com suas populações.

Leia aqui a publicação

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