Despejo destrói acampamento Marcelino Chiarelo em Santa Catarina

Texto e fotos: Juliana Adriano, no Midia Sem Terra

A madrugada avançava, mas muitos não queriam acreditar que seriam despejados, pois se a justiça já havia afirmado que aquela área de 1.000ha é do INCRA, como a juíza Heloísa Menegotto Prezonato poderia assinar a reintegração de posse a favor dos Prezzotto?! Porém, logo chegou a confirmação de que a cavalaria estava na região. Antes de clarear o dia, o drone da polícia sobrevoava a área. As seis horas da manhã a tropa de choque e a cavalaria da polícia militar avançaram em direção ao acampamento. Os Sem Terra gritavam em coro: “Marcelino Chiarello, aqui estamos nós, falando por você já que calaram sua voz”. “Pátria Livre! Venceremos!”, “MST! A luta é pra valer”.

Uma comissão com acampados, dirigentes e advogado do MST foi dialogar com polícia. A ordem era de despejo imediato, sem espaço pra negociar. As famílias somente poderiam retirar os bens pessoais, a Cidasc viria para identificar e transportar os animais maiores, e não aceitaram tratar sobre os 200ha de lavoura plantada. As famílias tinham 15 minutos para começar a retirar as coisas. Enquanto o informe era dado o helicóptero voltou a sobrevoar. O ônibus escolar chegou, uma menina olhou pra sua mãe e disse: “Oh Mãe! Não deu tempo pra avisar pra ele que hoje a gente não vai pra escola né?!”. A mãe abraçou a criança com os olhos cheios de lágrimas, mas não chorou.

Ao som do helicóptero, as famílias voltaram pros barracos a organizar o que conseguissem. A tropa de choque avançou em direção ao acampamento. Com os rostos cobertos e as armas nas mãos, entraram enfileirados no acampamento. Foram seguidos apela cavalaria, que do alto, reforçavam a força que pressão das armas expressa. Por fim, seguiram carros e motos dos militares. Mais de 150 policiais entraram no espaço, muitos sem identificação na farda. Andaram agrupados por todo acampamento, depois parte o cercou e parte ficou circulando entre as famílias, pressionado para que agilizassem a saída.

Foto: Juliana Adriano

As famílias iam desmontando suas casas, tirando as lonas melhores. Uma grande preocupação era com os animais: “O meu problema é que quando cadastrei minha porca ela tava recém prenha e ela acabou de criar. Será que vão me devolver os filhotes?”. Sem ter a solução e ao olhar a cavalaria em frente ao seu barraco, voltou a dobrar a lona com seu filho.

Em todo acampamento eram mais de 200 porcos, somando as vacas e galinhas passavam de mil animais. Uma senhora dizia: “Eu não tenho como levar a minha vaca, eles não vão tirar o leite dela, minha filha vai ficar sem leite e vaca machucada pelo ubre cheio”. Outro senhor perguntou ao funcionário da Cidasc que anotava numa folha de papel em branco o número de animais: “Vão levar meus porcos pra FEMI em Xanxerê, mas você me garante que vão tratar deles? E eles vão estar seguros”. A resposta que teve foi que recebeu ordem pra levar os animais, que nela nada falava sobre alimentar os bichos e que não podia garantir a segurança. O desespero era gigante, pois o senhor não tinha recursos pra levar seus animais pra outro lugar, cuidou tanto dos bichos e agora saber que passariam fome.

A cavalaria seguia circulando. Uma criança, da altura da sua inocência, tentou com sua mão levantada parar a cavalaria, mas esta seguiu. Eram muitas crianças no acampamento, só as que iam pra escola eram mais de 70, é eram muitas as pequenas. Ajudavam a colocar as coisas nos sacos, a pegar as galinhas soltas. Uma mãe com seu bebê recém-nascido até tentou sorrir enquanto carregaram sua mudança no caminhão, mas o olhar de suas duas filhas não deixava esconder a tristeza.

Foto: Juliana Adriano

O desespero maior era o que iria acontecer com as plantas. Na área próxima aos barracos era muita produção: cebola, cenoura, couve, batatinha, mandioca, beterraba, alface, feijão, abobrinha, abóboras, plantas medicinais, etc. Enquanto colhiam o que conseguiam, olhavam no horizonte os 200ha de lavoura de milho e feijão plantados. “Tirando nós daqui é tirar nossa comida. Como vão alimentar nossos filhos?”. “Eu fiz empréstimo plantar a lavoura, tava economizando tudo o que podia no rancho do mês pra poder investir na roça. Agora que eu ia colher e pagar, vão destruir tudo”. “Era meu sonho ter meus bichos e minha lavoura. Viver da terra. Agora tão destruindo tudo e vou ficar só com a dívida”.

Foto: Juliana Adriano

Quando chegou perto de meio dia começaram a retirar de dentro da área todos os que não eram acampados: sindicatos, políticos, integrantes do MST que já eram assentados. Não importava se estivessem ajudando as famílias a organizar as coisas nos sacos. Um padre foi empurrado pelo cassetete de um policial para fora da área. Depois disso, passaram a proibir a entrada das famílias que estavam fora do acampamento e chegavam pra retirar suas coisas.

Foto: Juliana Adriano

Os policiais foram de barraco por barraco assegurar sua demolição e a retroescavadeira foi derrubando um a um. Caso tivesse algum móvel que a família não tivesse conseguido tirar, fogão a lenha, geladeira, o que fosse, a retroescavadeira mirava bem em meio ao móvel e o esmagava no chão. Assegurando que não tivesse nada que as famílias pudessem recuperar após o despejo. A impotência naquele momento e as lágrimas eram muito fortes. As famílias viram o fruto de seu trabalho ser destruído, mas muitas afirmavam que não iam desistir daquela área, pois a área é pública, do INCRA, e que ainda vai virar um assentamento. Ao ver um barraco rodeado de couve ser demolido, a memória remete a Guerra do Contestado, pois desde aquela época a couve acompanha a resistência cabocla.

Neste momento as famílias estão alojadas no ginásio de esportes do município de Faxinal dos Guedes. Não têm para onde ir, suas casas foram demolidas, muitos animais morreram e têm pouca expectativa de poder colher a lavoura que plantaram.

Foto: Juliana Adriano

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