Por Frederico de Almeida, no Justificando
A operação policial ocorrida na Universidade Federal de Minas Gerais nesta semana é um alerta a todos que defendem uma universidade pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada. Com toda a espetacularização que tem caracterizado as ações da Polícia Federal nos últimos anos, com direito a trajes camuflados e fuzis, a operação na UFMG acontece em um momento no qual ainda pairam suspeitas sobre operação semelhante ocorrida há algum tempo na Universidade Federal de Santa Catarina, e que teve poucos desdobramentos criminais significativos, com exceção do suicídio do reitor daquela instituição.
Ao se criticar o que aconteceu na UFSC e na UFMG (e tem acontecido em menor escala, em outras instituições país afora, como relatam colegas) não se pretende estabelecer a universidade como um território isento da jurisdição do Estado. Mais do que isso: como espaço social, como instituição burocrática, como comunidade humana a universidade não está isenta da ocorrência de crimes e outras irregularidades.
Também não se ignora que o que acontece hoje nas universidades, que acontece há alguns anos com a classe política e empresarial, é o que acontece há séculos com os pobres e pretos desse país. É cinismo dizer que o estado de direito passou a ser afrontado desde a Lava Jato, desde o golpe, desde as ações policiais na UFSC e na UFMG. Talvez seja possível dizer que o fenômeno autoritário ganhou outra dimensão; mas é igualmente cínico comemorar a “democratização” da injustiça e do arbítrio como sinal de um país melhor.
Trata-se apenas de exigir que as ações policiais e judiciais obedeçam ao devido procedimento legal; que seus efeitos simbólicos estigmatizantes e criminalizantes sejam evitados por uma postura institucional objetiva, prudente e discreta; que seja respeitada a presunção de inocência no âmbito processual e também da imprensa.
O problema é que muitos dos que se veem agora acuados pelo autoritarismo policial, judicial e midiático ignoraram por muito tempo – quando não aplaudiram – a prática desses abusos estatais e da imprensa contra os mais pobres e vulneráveis, ou contra seus inimigos políticos. O problema, no fim das contas, é que nunca levamos a sério essa coisa de democracia, direitos humanos, devido processo legal, etc.
A administração universitária nas instituições públicas é um desafio enorme: burocrática, pouco funcional, engessada pelo formalismo e pela carência dos recursos materiais e humanos necessários à missão da universidade pública. Ainda assim, ela é assumida por docentes que, com raras exceções, recebem por isso gratificações inversamente proporcionais ao volume de trabalho e da responsabilidade que os cargos de direção na universidade exigem. Além disso, assumir essas funções muitas vezes significa sacrificar nossas atividades centrais: a docência e a pesquisa.
Não tenho dúvidas de que entre esses docentes haja aqueles que se aproveitam desses cargos para práticas ilícitas ou no mínimo pouco republicanas – como em toda instituição. E como em toda a administração pública, a irracionalidade das regras de contratação pública, além de dificultarem o bom emprego dos recursos financeiros, estão longe de garantirem, por si só, a lisura da gestão. Quem já conduziu licitações e geriu contratos na administração pública sabe disso. Os controles externos, igualmente formalistas e irracionais que se impõem sobre a administração pública, além de não serem capazes de impedirem desvios e abusos, podem muitas vezes gerar injustiças quando exercidos por instituições de controle elas mesmas pouco submetidas a controles sociais eficazes.
Quem já trabalhou na administração pública sabe que a cada assinatura sua em um documento, especialmente se for uma ordenação de despesa, aumenta o risco de sua submissão eventual e futura a um procedimento apuratório que será no mínimo lento e cansativo, quando não espetacularizado e massacrante. Quem se dedica à gestão da universidade sabe dos desafios e dos riscos da atividade, e do pouco retorno que não seja a certeza de estar contribuindo para a defesa cada vez mais difícil da universidade pública e da sua missão política e social. Em um cenário de anti-intelectualismo, desmonte da educação pública e ajuste fiscal regressivo, a invasão da universidade por forças policiais e procedimentos coercitivos e espetacularizados só torna tudo mais difícil.
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Frederico de Almeida é cientista político e professor na Unicamp.
Prédio da Reitoria , no campus Pampulha. Foto: Foca Lisboa / UFMG