A Voz do Brasil e comunicação no governo Temer

Elaine Tavares – Palavras Insurgentes

Sempre gostei de ouvir a “Voz do Brasil”, programa obrigatório que é veiculado em todas as rádios, das 19 às 20h, de segunda a sexta. Nessa uma hora ouvimos notícias do governo, do Congresso e do Judiciário. No geral, sempre muito informativo, com um recorrido rápido pelas ações do dia, proposições de leis, decisões judiciais. Um campo muito fértil para pautas, visto que a mídia comercial cobre muito mal os poderes. Claro que é a visão oficial, mas considero necessária para que possamos saber com clareza o que os poderes estão “pensando”. 

Mas, ultimamente, confesso que me está sendo intragável ouvir a querida “Voz do Brasil”. Causa-me espécie aquela voz monocórdia e gosmenta do presidente Temer. Ele sempre fala. Parece com aqueles sindicalistas pelegos que para sair um jornal tem de ter a foto deles. É um saco. Insuportável. Uma voz e uma presença ilegítima, usurpadora, dizendo mentiras à população.

A Voz do Brasil é um programa produzido pela Empresa Brasil de Comunicação, a EBC, empresa pública que o atual governo vem desmontando silenciosamente. Primeiro foi a extinção do Conselho Curador da empresa através de uma medida provisória, logo depois do golpe. O governo usurpador decidiu eliminar qualquer controle social, extinguindo o caráter público da EBC, golpeando assim a liberdade de expressão e o direito à informação. Porque o Conselho justamente fiscalizava a ação da empresa, evitando assim que os governos de plantão tivessem ingerência na programação e na linha editorial. A função do Conselho era observar se o interesse público era o que direcionava a distribuição da informação. Não foi sem razão que foi extinto. O resultado é o que se ouve na “Voz do Brasil” dos nossos dias. Um jornalismo chapa-branca que chega a dor os ossos.

Não bastasse isso, começou também o corte de verbas. Só em 2017 a EBC recebeu 57,7% a menos do que era previsto no seu orçamento. E tudo isso em função do congelamento dos gastos públicos imposto pelo governo e aprovado pelo Congresso. Agora imaginem o que pode acontecer com um corte dessa magnitude? Tudo. As relações de trabalho se deterioram, a exploração aumenta, cancelam-se contratos e programas, e a qualidade do trabalho vai indo para o saco. Para completar, na última semana a EBC lançou seu plano de demissão voluntária, visando diminuir ainda mais o quadro de trabalhadores. A meta é enxugar até 22%. Ou seja, manter o mínimo.

Essa semana a jornalista Ana Cláudia Mielke, do Intervozes, denunciou que a EBC está a ponto de perder a concessão da Rádio Nacional da Amazônia, que tem um importante papel naquela região, alcançando toda a Amazônia legal. Isso porque a direção da empresa a deixou fora do ar por seis meses depois que um raio causou estrago nos transmissores, com o argumento de que não havia recursos para consertar. Uma região inteira sem informação, sem o sinal que há mais de 40 anos chega à Amazônia através da Rádio Nacional. E um espaço estratégico no qual o rádio ainda tem uma importância crucial.

Mielke ainda mostra que os programas de inclusão digital estão todos parados e que unidades escolares, serviços de atendimento ao cidadão, postos de saúde e telecentros em todo o país vem sofrendo com o corte de verbas do ministério de Ciência e Tecnologia. A jornalista esclarece que a lógica embutida nessas medidas é a de privilegiar a iniciativa privada. Ou seja, o governo se retira da área da comunicação para entregar todo o processo para o empresariado nacional e multinacional.

O setor da comunicação pode parecer pouco importante para muita gente, mas não é. Manter ativo e com qualidade um sistema de comunicação pública é garantir à população uma informação diferenciada da que é oferecida pelo sistema privado e comercial. A informação dos meios privados está visceralmente vinculada aos interesses da classe dominante. Não há qualquer preocupação com a inclusão de outras vozes. Na TV, rádio, e internet comercial só sai àquilo que os empresários consideram importante para seus lucros. Não há criticidade, não há compromisso com a pluralidade de ideias.

A proposta do governo encabeçado por Temer é de acabar com qualquer controle público da comunicação no sistema de governo, evitar que outras vozes se expressem e apostar tudo na iniciativa privada. Tanto que se para saúde, educação, segurança e moradia as verbas estão congeladas, para a propaganda governamental, não. Os gastos só crescem. Tanto que só a campanha para mentir ao povo que a Reforma da Previdência é boa consumiu mais da metade do que foi orçado para 2017. Lembrem que propaganda é coisa bem diferente de informação. A propaganda no geral é um douramento de pílula, uma máscara de beleza que se põe nas mercadorias ou nas ideias, que não corresponde à verdade. É usada para mentir e enganar. Já a informação é um direito das pessoas. É a narrativa da realidade, dos fatos, das ideias plurais que convivem no mundo.

Pois a prioridade do governo é a propaganda,  e nos meios privados, que é para enriquecer mais ainda a meia dúzia de famílias que dominam o mercado. O governo as mantém em rédea curta, numa simbiose. Como ganham dinheiro à rodo do governo, procuram manter a população desinformada e enganada, espalhando suas ideias particularistas como se fossem verdades universais.

A EBC como empresa pública tinha outra linha. Dirigida por um Conselho público, com a expressão de variadas vozes, podia garantir uma informação mais democrática, abrindo debates, dizendo verdades, discutindo criticamente os problemas nacionais. Foi uma longa e dura luta por anos e anos, enfrentando inclusive a miopia dos governos petistas, que nunca deram o devido valor à comunicação. A EBC pública ainda era um campo de batalha, mas estava caminhando a partir da ação de valorosos lutadores sociais, comunicadores e militantes populares.

Agora, o que se vê é uma comunicação chapa-branca, oficialista, sem criticidade. E, apesar da qualidade dos profissionais que ainda resistem, a tendência é de aprofundar ainda mais essa forma de lidar com a comunicação, destruindo a empresa, mantendo apenas uma espécie de “assessoria de imprensa” governamental. O casamento é com as empresas privadas. E nesse cenário nem mesmo a querida “Voz do Brasil” se salva. Uma tristeza.

É mais um braço da destruição causada pelo golpe. E, apesar do estratégico que é a comunicação, pouco se tem conseguido mobilizar a sociedade para essa batalha. Como cada setor precisa lutar sua luta particular, essas questões ficam obscurecidas. Um erro, porque quem vence a batalha da comunicação já tem meia guerra definida.

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