Cláudio Guerra e João Henrique de Carvalho participaram da ação que resultou no assassinato de Ronaldo Mouth Queiroz em São Paulo
O Ministério Público Federal em São Paulo denunciou dois responsáveis pela morte do militante político Ronaldo Mouth Queiroz, em 1973. O então delegado Cláudio Antônio Guerra executou à queima-roupa o estudante de geologia no centro da capital paulista a partir de informações passadas por João Henrique Ferreira de Carvalho, um agente infiltrado na Ação Libertadora Nacional (ALN, organização de resistência ao regime militar da qual Mouth fazia parte). Cláudio e João Henrique são acusados de homicídio qualificado.
O MPF destaca que o caso é imprescritível e impassível de anistia. Por se inserir no contexto de ataque sistemático do Estado à população na ditadura, a morte de Mouth caracteriza-se como um crime contra a humanidade. Segundo sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos proferida em 2010, o Brasil tem o dever de responsabilizar e punir oficiais envolvidos em fatos como esse, e a Lei de Anistia não pode ser um obstáculo às apurações. O país é obrigado a cumprir decisões da Corte por estar submetido à sua jurisdição.
Assassinato
Em depoimentos ao MPF, à Polícia Federal e à Comissão Nacional da Verdade, Cláudio Guerra confessou ter sido o autor dos dois tiros que mataram Mouth na manhã do dia 6 de abril de 1973, em um ponto de ônibus na Avenida Angélica, no bairro de Higienópolis. Na época, o delegado estava a serviço do Departamento de Operações de Informações (DOI) do II Exército, chefiado pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, morto em 2015. Na operação, Cláudio estava acompanhado por pelo menos três agentes.
A versão oficial indicou que o militante havia morrido após resistir à prisão e trocar tiros com policiais. O corpo, no entanto, nunca foi submetido a perícia que revelasse vestígios de pólvora nas mãos. Uma testemunha ocular ouvida pelo MPF confirmou que Mouth foi alvo de uma execução sumária e que Cláudio alterou a cena do crime para forjar uma situação de confronto. Segundo o relato, o estudante estava parado na calçada, desarmado, quando a viatura chegou e o delegado efetuou os disparos, sem prévia abordagem. Após o assassinato, ele colocou uma arma na mão e uma na cintura de Mouth, além de uma caderneta de endereços no bolso da vítima.
Infiltrado
A equipe chegou até Mouth graças à atuação de João Henrique, o “Jota”, agente infiltrado na ALN após cooptação. Ele era militante do movimento até que, em 1972, traiu o grupo e passou a colaborar com os militares. Em depoimento ao MPF, João Henrique admitiu, sem arrependimento, ter assinado um contrato com o DOI para espionar os integrantes da organização e avisar os agentes sobre as atividades. Seu desempenho chegou a ser classificado como modelo de infiltração pela Escola Nacional de Informações, ligada ao aparato ditatorial.
Esta não é a primeira denúncia contra João Henrique por participação em crimes do regime militar. Em setembro de 2016, ele foi acusado por oferecer informações que levaram à captura de três militantes da ALN em março de 1973 na Penha, zona leste de São Paulo. Outros integrantes do movimento também foram mortos ou presos a partir de pistas que o agente infiltrado passava às autoridades. Todos tinham algum vínculo com Ronaldo, que estava sob constante vigilância e era o principal alvo da infiltração.
“João Henrique continuou prestando informações mesmo após ter consciência de que as vítimas eram torturadas e mortas”, afirmou o procurador da República Andrey Borges de Mendonça, autor da denúncia. “Ele foi, assim, um dos responsáveis por dizimar a Ação Libertadora Nacional e quem repassou todas as informações necessárias para os repressores identificarem e executarem Ronaldo Mouth Queiroz e os demais militantes.”
Denúncia
Cláudio e João Henrique são acusados de homicídio qualificado, cometido sem chance de defesa da vítima e por motivo torpe, relacionado à manutenção do regime militar. O MPF quer que a Justiça considere outros agravantes para a fixação da pena, entre eles traição e abuso de autoridade. O ex-delegado foi denunciado também por fraude processual devido à alteração das provas na cena do crime. A Procuradoria quer que ambos sejam condenados ainda à perda de eventuais cargos públicos que ocupem e aposentadorias que recebam, além de medalhas e condecorações que tenham obtido de órgãos militares.
O número da denúncia é 0000827-43.2018.4.03.6181. A tramitação pode ser consultada em http://www.jfsp.jus.br/foruns-federais/.
Assessoria de Comunicação
Procuradoria da República no Estado de S. Paulo
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Imagem: Diálogos do Sul