#Saneamentoambiental – 2018: lixões e aterros controlados, uma realidade ainda gritante no Brasil

Por Sucena Shkrada Resk, no Cidadãos do Mundo

O Ano era 2010, e a  Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010) trouxe a esperança de que a gestão pública brasileira, de uma forma geral, iria se redimir dos sucessivos erros no quesito infraestrutura, ao longo de décadas. Mas do papel à realidade, chegamos em 2018, e constatamos que existe uma cultura de inoperância resistente que fragiliza a efetivação dessas mudanças em boa parte dos municípios. A prova está na permanência de cerca de 3 mil lixões ou aterros controlados espalhados pelo território nacional em 3.331 municípios, que recebem cerca de 30 milhões de toneladas de resíduos urbanos anualmente (41,6%). Os dados de projeção fazem parte do documento Panorama de Resíduos Sólidos 2016, da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública (Abrelpe). Chorume, gases tóxicos e trabalhadores em condições insalubres compõem este cenário obsoleto ainda em vigor.

O maior número de lixões se encontra respectivamente nas regiões Nordeste, seguida da Norte, Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Já os aterros controlados, principalmente no Sudeste, no Sul, Nordeste, Centro-Oeste e Norte, de acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), no Diagnóstico de Manejo de Resíduos Sólidos – 2015, divulgado pelo Ministério das Cidades. O prazo oficial para encerramento dos lixões era 2014 e foi postergado, no Congresso, pelo Senado, para acontecer de forma escalonada até 2021…e encontra-se em tramitação na Câmara. Este é o quadro atual hoje.

Coberturas no país

Ao consultar especificamente os registros no SNIS, o levantamento expõe que existem 98,6% de cobertura de coleta domiciliar urbana e isso representa que 2,6 milhões de habitantes principalmente do Nordeste, Sudeste e Norte sem atendimento, além de 15 milhões na área rural. A estimativa de destinação a lixões e aterros controlados difere da projeção feita pela Abrelpe (metodologias de amostragem diferentes). Neste caso, o percentual exposto pelo SNIS é de 33,2% contra 41,6% (Panorama Abrelpe). Independente disso, o fato é que existe um problema de alta complexidade e sério a ser resolvido, que não pode ser colocado “embaixo do tapete”. O diagnóstico sobre os resíduos sólidos urbanos, do Governo Federal, tem o recorte de informações de 3.520 dos 5.570 municípios, que correspondem a 82,8% da população urbana (143 milhões de pessoas).

Passivo ambiental

Existe, entretanto, um passivo ambiental que praticamente é descartado nessas discussões, que são os lixões e aterros controlados que são “encerrados”, mas que devem ser fiscalizados e monitorados e passar por processo de mitigação (redução de danos) por tempo indeterminado, por causa de suas emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs) e possíveis comprometimentos de lençóis freáticos. Este é o caso do recém-fechado “Estrutural”, no Distrito Federal, considerado o maior da América Latina e que figura entre os 50 maiores do mundo, que fica a 15 quilômetros do Palácio do Planalto. Junto com os lixões de Carpina (PE), Camacan (BA), Divinópolis (MG) e Jaú (SP), ainda em funcionamento, entre os maiores do país.

Mais um aspecto a ser considerado é o aumento gradativo da “exportação de lixo” de seu lugar de origem à destinação constatado nestes dados. Trocando em miúdos, são observados percursos cada vez mais distantes (inclusive a outros municípios) e que acarretam também o agravo da emissão de GEEs, entre outras.

Este cenário descreve que o saneamento ambiental (que incorpora também coleta e tratamento de esgoto, drenagem…) continua a ser o entrave ao desenvolvimento efetivo do país. Veja também (#Saúdeambiental: até quando políticos não priorizarão solução para esgoto em agenda da gestão pública?). A implementação de Planos Municipais e Intermunicipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos ainda são ínfimos diante de um Brasil com 5.570 municípios. O Plano Nacional de Resíduos Sólidos começou a ser revisado em 2017.

Investimento ou gasto?

Como as prefeituras, os governos estaduais e o governo federal incorporam no exercício da política pública, a coleta e a destinação adequada dos resíduos sólidos a aterros sanitários? Esta é uma questão que exige reflexão da sociedade na contribuição cidadão em um regime democrático.

Hoje o valor médio anual da despesa com manejo de resíduos sólidos no país é de R$ 117 por habitante e R$ 82 para municípios de 30 a 100 mil habitantes e R$ 207, nas duas principais metrópoles brasileiras, conforme informações do SNIS.

Iniciativas pontuais revelam algumas mobilizações da sociedade civil organizada para ter uma participação mais ativa, neste sentido, como a criação, em 2014, do Observatório da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Outro movimento é a Aliança Resíduo Zero.

Externalidades prioritárias

O que está em questão são as externalidades desta agenda, que incorporam o “bem-estar” da população, o reflexo em atendimentos e internações no Sistema Único de Saúde, incluindo, inclusive, óbitos em decorrência de doenças associadas ao ciclo dos resíduos, como também, na contribuição para a contaminação de corpos hídricos, para as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs) e os efeitos nas Mudanças Climáticas, entre outros componentes.

Ao mesmo tempo, reflete nossos hábitos de consumo e a responsabilidade sobre os mesmos. Quanto produzimos de resíduo? A média nacional de resíduos domiciliares é de 0,90 kg/hab/dia per capita, segundo dados do SNIS. A coleta seletiva no Brasil também é inexpressiva, sendo 22,5% dos municípios têm algum tipo de coleta, 40,6% não têm e o restante sequer apresenta algum tipo de informação a respeito. A cada 10 quilos, 470 gramas seguem para a coleta seletiva, o que é avaliado como um volume muito baixo.

Ao se analisar este conjunto de informações, nos defrontamos com uma questão de saúde pública e de justiça socioambiental. Os vetores – moscas, baratas, ratos, pulgas e mosquitos – associados ao que descartamos estão relacionados a diferentes doenças (cólera, dengue, diarreia, cheguelose, endoparasitose, febre tifoide, giardíase, leptospirose, parasitose, peste bubônica, tétano, tracoma). Neste contexto, também está o comprometimento do descarte inadequado de resíduos de serviço de saúde associados ao HIV, hepatites C e B, como também de componentes químicos potencialmente cancerígenos. O gás metano que poderia abastecer usinas de biogás, como meio de energia, também segue para a atmosfera, nestes locais inadequados de descarte.

Estima-se que o governo brasileiro gaste cerca de R$ 1,5 bi anualmente com doenças relacionadas à destinação incorreta de resíduos, segundo a International Solid Waste Association (ISWA).

Catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis ainda ficam à mercê deste sistema insalubre, expostos a substâncias tóxicas e resíduos orgânicos. Uma outra parcela consegue estabelecer a dignidade do trabalho, mas às custas de muito empenho e mobilizações com a formação de cooperativas, utilização de tecnologias sociais, como do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR).

Já a logística reversa é insuficiente na cobertura nos principais segmentos da economia. Alguns dos melhores resultados acontecem com o setor de latinhas de alumínio, PETs e pneus, entre outros segmentos, que têm estabelecido estratégias mais contínuas de desempenho. O setor empresarial tem um importante papel nesta cadeia. O investimento em usinas de compostagem (no caso do resíduo orgânico) é praticamente descartada, com o argumento de alto custo.

Tudo isso parece óbvio, mas por que não é assimilado e as soluções não são efetivadas na prática? O que há de errado no sistema político em vigor no país? O que se prioriza nos Planos Plurianuais de Ações (PPAs), nas Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDOs) e Leis de Orçamentos Anuais (LOAs), nos orçamentos com gestão participativa? São perguntas que exigem uma participação mais ativa na condução das políticas públicas por parte de cada um de nós, como cidadãos, que somos responsáveis por nossos votos, nas urnas, aos gestores e legisladores, e gestão participativa.

Menino Ticuna no lixão. Foto: Dida Sampaio

 

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