Por Breno Pires, Teo Cury e Amanda Pupo, em O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – A Procuradoria-Geral da República (PGR) divulgou nesta terça-feira, 20, uma nota técnica que cobra um detalhamento e pede a correção de “vícios” do decreto presidencial que estabeleceu intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro. A nota, assinada por dois órgãos do Ministério Público Federal, reprova a possibilidade de mandados de busca e apreensão sem especificação de destinatários, afirmando que se trata de ilegalidade.
“Mandados em branco, conferindo salvo conduto para prender, apreender e ingressar em domicílios, atentam contra inúmeras garantias individuais, tais como a proibição de violação da intimidade, do domicílio, bem como do dever de fundamentação das decisões judiciai”, diz a nota da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e a Câmara Criminal do MPF.
O texto afirma que dar “ordens judiciais genéricas, destinadas a serem cumpridas contra moradores de determinadas áreas da cidade, importa em ato discriminatório”. Segundo a nota, “o decreto ressente-se de vícios que, se não sanados, podem representar graves violações à ordem constitucional e, sobretudo, aos direitos humanos”.
Um dos pontos criticados é que não estão descritas as providências específicas que deverão ser adotadas na execução da intervenção. Além disso, a nota afirma que, sem haver a descrição das atribuições, não é possível justificar o prazo da duração da medida. “A previsão de um prazo alargado, que vai até 31 de dezembro de 2018, de forma peremptória e sem considerar eventual evolução da situação, parece atentar contra a exigência constitucional.”
O documento diz que a intervenção federal constitui uma medida extrema, porém menos grave do que o Estado de Defesa e o Estado de Sítio. Assim, prossegue, na intervenção federal, não pode haver restrições a direitos fundamentais, diferentemente das duas outras situações, para as quais a Constituição admite a temporária limitação de alguns direitos. “Em realidade, a intervenção federal tem uma aproximação com a finalidade de preservar os direitos fundamentais e a democracia”, dizem os procuradores.
“A restrição de direitos humanos ou fundamentais, assim como o atentado à separação de poderes, são também causas de intervenção e, portanto, jamais podem ser consequência desses atos.”
O documento aponta, ainda, a necessidade de respeitar a legislação estadual. “Iniciativas de reorganização da Polícia Civil ou Militar por força da intervenção deverão necessariamente seguir a legislação local. Atos de demissão ou nomeação de autoridades estaduais estarão submetidos às regras da legislação estadual pertinente. E, do mesmo modo, a ordenação de despesas seguirá as regras financeiras do ente federal sob intervenção. Do contrário, a intervenção menosprezará o Poder Legislativo estadual e violará nitidamente a separação de poderes.”
O documento é assinado por Deborah Duprat, procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Luiza Frischeisen, coordenadora da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão na área criminal, Sávio Drescher da Silveira, procurador federal dos Direitos do Cidadão substituto, e Marlon Alberto Weichert, procurador federal dos Direitos do Cidadão adjunto.
Declarações. Na conclusão, os procuradores criticam declarações atribuídas ao Comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, e ao ministro da Justiça, Torquato Jardim. Eles mostram preocupação com “declarações de autoridades federais civis e militares que direta ou indiretamente defendem a violação de direitos humanos por parte do interventor e das Forças Armadas que estão sendo mobilizadas para participar do esforço interventivo, ou pelo menos, a impunidade para eventuais abusos”.
“Essas declarações são de extrema gravidade, pois podem produzir o efeito de estimular subordinados a praticarem abusos e violações aos direitos humanos, atingindo de modo severo a população do Rio de Janeiro, que historicamente suporta a violência em geral e a violência estatal em particular. A intervenção não pode ser realizada à margem dos direitos fundamentais. Ao contrário, somente será constitucional se for implementada para a garantia dos direitos fundamentais, inclusive à segurança pública, ao devido processo legal, à ampla defesa, à inafastabilidade da jurisdição.”
Para exemplificar, os procuradores afirmam ter recebido com perplexidade declarações atribuídas ao Comandante do Exército, no sentido de que aos militares deveria ser dada “garantia para agir sem o risco de surgir uma nova Comissão da Verdade”. Eles também criticam uma frase atribuída ao ministro da Justiça, Torquato Jardim, que teria comparado a intervenção federal no Rio a uma guerra.
“Guerra se declara ao inimigo externo. No âmbito interno, o Estado não tem amigos ou inimigos. Combate o crime dentro dos marcos constitucionais e legais que lhe são impostos”, concluem os procuradores.
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Exército na Rocinha, usando disfarce. 2017. Foto: Fernando Frazão /Agência Brasil