Piripkura. Um documentário a ser visto e debatido

No IHU

Há quase 30 anos, Jair Candor, funcionário da FUNAI, acompanha Pakyi e Tamandua, protegendo os dois últimos índios Piripkura que vivem num trecho isolada de floresta no Mato Grosso, cercados pela expansão de fazendas e madeireiros. A resenha do filme é de Neusa Barbosa, publicada por Cineweb.

Vencedor dos prêmios de melhor documentário no Festival do Rio e também do de Direitos Humanos do Festival Internacional de Documentário de Amsterdã (IDFA) de 2017, Piripkura representa a saga dos dois últimos sobreviventes desse povo indígena, cujas pistas são seguidas pacientemente por Jair Candor, funcionário da FUNAI.

O destino de Jair e desses dois, Pakyi e Tamandua, cruzou-se há quase 30 anos atrás, em 1989, quando o primeiro liderou uma expedição que os localizou, num trecho de floresta no Mato Grosso, cercado por fazendas e madeireiras em expansão. Na ocasião, Jair foi acompanhado por Rita, a terceira sobrevivente Piripkura, irmã de Pakyi e tia de Tamandua, que há anos fugiu de sua região por conta da violência dos brancos que dizimou o resto da tribo. Hoje ela vive em Rondônia, depois de ter constituído família com um índio Karipuna – este, outro povo de população drasticamente reduzida pelo enfrentamento com os brancos.

Desde então, Jair tem como missão monitorar, de tempos em tempos, a sobrevivência de Pakyi e Tamandua, para poder renovar a portaria de interdição de sua terra à cobiça de fazendeiros e madeireiros. Não se trata, portanto, de uma demarcação definitiva. Jair e sua equipe, à qual se junta eventualmente também Rita, partem para a floresta onde Pakyi e Tamandua são capazes de desaparecer, como se fossem invisíveis – demonstrando as incríveis habilidades que os protegeram do massacre que vitimou o resto de seu povo.

A paciência, contudo, é a arte que Jair deve cultivar acima de tudo. Por longos meses, tudo o que encontra são sinais de fogueira, cascas de cará, restos de cabanas, sinais inequívocos da passagem dos dois índios que, como ele lembra, “vivem com quase nada”. A saber, uma tocha, um machado e seu naco de floresta em pé.

A persistência, no entanto, compensa. E Pakyi e Tamandua finalmente aparecem, por vontade própria, no posto da FUNAI que fica perto de seu bosque. O motivo da vinda é que sua tocha apagou. Pequenos e nus, curiosos mas não intimidados com a câmera, eles se misturam a Jair e aos outros ocupantes do posto, compartilhando as bananas que lhes oferecem e participando de uma pescaria. Jair tenta retê-los o tempo que possa, para que a enfermeira possa chegar e avaliar sua saúde.

Nada poderia ser mais eloquente do valor desse esforço heroico e solitário de Jair pela preservação dos dois índios do que sua presença diante da câmera – que remete a um encontro entre eras tão diferentes como deve ter sido a chegada dos portugueses ao Brasil de 1500, só que, desta vez, com o homem branco imbuído de proteger, não de explorar. Jair é também um ser da floresta, cujo empenho é garantia de mais um tempo ganho para este povo dizimado pela exploração desmesurada da natureza.

“Será que não derrubaram o bastante nesta p… deste país?”, explode Jair. Estamos com ele, para que Pakyi, Tamandua e as culturas milenares que eles representam, como as de outros, sobrevivam. E a floresta também.

 

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